pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
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domingo, 6 de fevereiro de 2022

Nós, vitorianos, e nossas verdades secretas com o Estado.

 

Marco Túlio de Urzêda-Freitas

Nós, vitorianos, e nossas verdades secretas com o Estado
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(Foto: Divulgação)

 

Indecente, imoral, obscena… Assim é definida a novela Verdades secretas 2 em uma de suas chamadas. Escrita por Walcyr Carrasco, a segunda temporada da produção vencedora do Emmy Internacional (2016) estreou em outubro do ano passado, sob forte expectativa do público, na plataforma de streaming Globoplay. A expectativa devia-se tanto à ansiedade dos fãs pela continuação da novela quanto à promessa de “cenas quentes” ao longo dos capítulos. Embora o sexo ocupe um lugar importante no enredo desde a primeira temporada, a sua importância foi consideravelmente ampliada na sequência da história, que tem como foco a investigação da morte do empresário Alex Ticiano (Rodrigo Lombardi), amante da protagonista, Arlete/Angel (Camila Queiroz). Às vésperas da estreia, foi noticiado que a novela teria 67 cenas de sexo distribuídas em 50 capítulos, abrangendo práticas sexuais diversas e múltiplas formas de expressão da sexualidade.

Desde o princípio, o enfoque sexual de Verdades secretas 2 parecia materializar uma resposta da dramaturgia ao momento pretensamente conservador que vivemos no Brasil. Afinal, toda forma de arte se realiza em um dado contexto sócio-histórico, o que a faz interagir, de algum modo, com os arranjos e disputas que permeiam esse contexto. A interação da arte com o seu contexto de produção compele o artista a fazer escolhas, tornando o processo criativo um fazer essencialmente político, como defende Walter Benjamin em A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica (2012). Outro ponto a ser colocado é que a arte permite a circulação de pensamentos censurados, o que, na visão de Freud em Escritores criativos e devaneio (1970), propicia a experiência de um prazer libidinal, relacionado à concretização de um desejo recalcado, e de um prazer estético, referente à percepção do caráter simbólico da criação artística. Em ambos os casos, a arte é vista como uma atividade atravessada por fatores que a localizam no espaço, no tempo e na vida. Como afirma James Baldwin: “A arte é uma forma de confissão” (Conversations with James Baldwin, 1989).

Nesse sentido, considero que Verdades secretas 2 tem algo a confessar sobre o contexto em que foi produzida. Mas qual seria o teor dessa confissão? De modo geral, percebo que a novela de Walcyr Carrasco mobiliza duas confissões importantes sobre nós, brasileiros: o nosso desejo de ver e falar sobre sexo, e a nossa percepção moralista – e, portanto, conservadora – da sexualidade. Acerca da primeira confissão, é curioso notar que, mesmo com as fissuras socioculturais observadas no âmbito da sexualidade ao longo das últimas décadas, ainda vemos o sexo como um território sobre o qual paira uma névoa de mistério e interdição, o que justifica o nosso desejo de ver e falar sobre ele. Essa é uma das questões abordadas pelo filósofo Michel Foucault em História da Sexualidade 1 – a vontade de saber (1988), cujo objetivo é mapear os efeitos sociodiscursivos da repressão sexual que se pretendeu construir no Ocidente a partir do século 17. Na visão do autor, as interdições impostas à época no campo sexual acabaram produzindo um efeito reverso, já que, tomando por base os três últimos séculos, nota-se que “em torno e a propósito do sexo há uma verdadeira explosão discursiva”.

Já a segunda confissão destaca o olhar moralista que muitos de nós ainda lançam sobre a sexualidade, fato que remete à Era Vitoriana (1837-1901), marcada por um forte moralismo sexual e tentativa de repressão da sexualidade, que acabaram se espalhando pelo mundo ocidental devido à influência do Império Britânico. Esse olhar vitoriano – que, segundo o historiador Jason Tebbe, “não está morto, nem de longe” –, pode ser observado no desconforto que várias pessoas demonstraram sentir perante as cenas de sexo em Verdades secretas 2. Como exemplo, vejamos alguns comentários postados em notícias sobre a novela nas redes sociais:

  1. “Tá apelando demais … esqueceram a história e focaram na sacanagem !!!”
  2. “Meoldeols!!! Tem mais nhanhação nessa série que enredo… o povo não pode se encostar que estão nhanhando.”
  3. “[…] me decepcionou um pouco essa nova temporada de Verdades secretas muito apelo e pouco conteúdo.”
  4. “[…] me senti decepcionada… muito vuco vuco e nada de conteúdo… meio sem sentido.”
  5. “Muito ruim!!! Só trepa trepa dá não… Aliás geral “dá” muito e o enredo péssimo.”

A decepção enfatizada nesses comentários se relaciona à forte presença do sexo na segunda temporada da novela, o que teria resultado em uma narrativa com “pouco conteúdo” (3), “meio sem sentido” (4) e com “enredo péssimo” (5). Durante a exibição dos 20 primeiros capítulos, ouvi também, inclusive de pessoas progressistas, que a maioria das cenas de sexo “não têm contexto”. Na posição de telespectador, concordo que Verdades secretas 2 apresenta falhas consideráveis no roteiro e que muitas cenas poderiam ser descartadas, seja por sua irrelevância na construção da narrativa ou pela falta de um contexto que justifique a sua inserção na trama. Logo, a pergunta que não cala é: em meio a tantas cenas dispensáveis e/ou sem contexto, por que escolheríamos justamente as cenas de sexo para desqualificar o enredo? E mais: por que nos surpreenderíamos com o “apelo sexual” de uma história que, desde o princípio, deixou claro que teria o sexo como protagonista?

Trata-se, a meu ver, de uma resposta simples e direta: porque, a despeito de nossas orientações políticas, não percebemos – ou negamos – o protagonismo do sexo em nossas vidas e na realidade em que estamos inseridos. O que não deixa de ser uma posição curiosa, já que um rápido olhar sobre as diversas configurações afetivas que nos cercam – relações (não) monogâmicas, pessoas solteiras com vida sexual ativa, praticantes do autoprazer, casais que (não) querem ter filhos, pessoas que abdicam de seus sonhos para manter o relacionamento etc. – é capaz de revelar o destaque que o sexo possui na forma como as nossas vidas se organizam. Se analisarmos essas configurações honesta e criticamente, veremos que o sexo constitui a base de todas elas e, como tal, produz efeitos concretos sobre as nossas vivências. Até mesmo aqueles que optam por uma vida não sexual mantêm um vínculo direto com o sexo, pois, no plano do significado, a negação implica uma relação de contradição, formando, assim, uma classificação dicotômica – no caso, sexo/não-sexo.

Acerca da exigência de um “contexto” para as cenas de sexo, é interessante questionar sobre o que entendemos por um contexto que justifique o ato sexual. Além do desejo, o que mais poderia justificar a busca pelo prazer? Essa pergunta não me parece indevida, posto que, ao exigir um contexto plausível para o sexo, e sendo a arte uma espécie de imitação da realidade, colocamos o prazer sexual como um objetivo a ser buscado em situações específicas e pré-determinadas. Ora, se o que nos motiva para o sexo é o desejo de prazer, por que é difícil aceitar que esse seja também o “contexto” para as cenas de sexo na ficção? O debate se torna mais complexo quando reconhecemos que a “falta de contexto” parece não ser um problema em outros recortes ficcionais, como em cenas de violência, que, via de regra, performam situações em que pessoas são ofendidas, torturadas e/ou assassinadas. Em algum nível, esse dado revela que a estranheza com que vemos o sexo não se estende à violência: entre um e outro, preferimos enxergar a violência como fato. Não por acaso, o sexólogo espanhol Manuel Lucas Matheu conclui, após observar 66 culturas diferentes, que “as sociedades mais pacíficas são aquelas em que a moralidade sexual é mais flexível”.

O desconhecimento – ou a negação – do protagonismo sexual em nossas vidas mostra que ainda nos orientamos, em maior ou menor grau, por uma visão conservadora da sexualidade. Inclusive, há momentos em que essa visão se expressa com tamanha força que chegamos a negar o sexo discursivamente, a exemplo dos comentários em que a palavra sexo é substituída por outros termos, como “sacanagem” (1), “nhanhação” (2), “apelo” (3) e “vuco vuco” (4). A impressão é que a “explosão discursiva” em torno da sexualidade nos permitiu falar mais sobre o sexo, mas, em contrapartida, nos impediu de chamá-lo pelo nome. É como se a palavra sexo ainda remetesse a uma prática imoral e pecaminosa que não deve ser enunciada para além das paredes do quarto. Talvez isso ajude a explicar por que algumas pessoas se orgulham em dizer que o prazer sexual deixou de ser importante na relação, como se o sexo designasse um ato indecoroso e avesso do amor, ao qual devemos nos submeter até que os laços afetivos se fortaleçam. Uma posição que não deixa restar dúvidas sobre o que disse Foucault: “por muito tempo, teríamos suportado um regime vitoriano e a ele nos sujeitaríamos ainda hoje”.

O problema de uma visão conservadora da sexualidade é que ela tende a reiterar a negação do sexo como uma questão de Estado. Se lançarmos um olhar crítico sobre a história, veremos que o sexo constitui a base da formação do Estado moderno, já que ele foi um elemento-chave na elaboração e imposição dos sentidos, práticas e configurações afetivas que materializaram o projeto de sociedade que nos trouxe até aqui. Na obra Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva (2017), a filósofa Silvia Federici mostra como o surgimento do Estado está inextricavelmente relacionado à instituição de um conjunto de políticas sexuais, como a legalização do estupro, a degradação social das mulheres, o incentivo à abertura de bordeis e a perseguição de mulheres “selvagens”. Foi a partir dessa relação que, nas palavras da autora, o Estado se tornou “o supervisor da reprodução da força de trabalho”. No caso do Brasil, o vínculo entre sexo e Estado torna-se flagrante quando constatamos que a ascensão de Jair Bolsonaro à Presidência da República, em 2018, se deu em grande parte devido às políticas sexuais conservadoras que estruturam a sua proposta de governo, as quais envolvem temas como legalização do abortoigualdade de gênero e educação para a diversidade. O sexo, portanto, está na alma do bolsonarismo.

Esse atrelamento pode também ser observado na obsessão que Bolsonaro e sua base aliada nutrem por temas sexuais. No dia 10 de novembro de 2020, o presidente declarou, em uma cerimônia no Palácio do Planalto, referindo-se ao trágico cenário da pandemia no Brasil: “Não adianta fugir disso, fugir da realidade. Tem que deixar de ser um país de maricas. […] Temos que enfrentar de peito aberto, lutar. Que geração é essa?”. Não é preciso muito esforço para compreender que a palavra maricas faz uma referência explícita ao campo da sexualidade, na medida em que se trata de um termo culturalmente utilizado para nomear pejorativamente homens gays e diferenciá-los de homens heterossexuais. Logo, o objetivo era dizer que deveríamos enfrentar a pandemia como “homens de verdade”, e não como “maricas”, que supostamente marcam uma geração de homens covardes e sentimentais – naquele momento, o país contabilizava mais de 162.000 óbitos pela Covid-19. Somada a outros dizeres de mesma ordem enunciados por Bolsonaro e seus aliados, essa fala revela que, ao contrário do que se pretende fazer acreditar, o bolsonarismo não somente opera com base em uma lógica sexual, como depende dela para sobreviver: o sexo está em todos os poros da sua epiderme sociocultural. O que não deveria ser visto como novidade, pois, como mostra a história, esse é um aspecto notável de movimentos antidemocráticos e violentos, a exemplo do fascismo. Em diálogo com Freud, Theodor W. Adorno afirma em Freudian theory and the pattern of fascist propaganda (2001) que a propaganda fascista emerge dos vínculos libidinais entre o líder e seus seguidores; por isso, “ela precisa ser orientada psicologicamente e mobilizar processos irracionais, inconscientes e regressivos” para convencer as massas.

Assim posto, não seria infundado dizer que o Estado é uma instituição sexuada e que visões conservadoras da sexualidade que emergem de campos progressistas podem construir laços discursivos com projetos nefastos de poder, já que são essas visões que respaldam e sustentam as políticas sexuais de governos autoritários e hipocritamente moralistas como o de Jair Bolsonaro. Digo isso porque a linguagem é uma atividade líquida, o que significa entender que as palavras e os sentidos que elas mobilizam não encerram a sua trajetória nos espaços em que são postos em circulação, podendo estabelecer vínculos com outros repertórios, em uma infinidade de espaços interativos, para muito além das nossas intenções. Como afirma o linguista Jan Blommaert em Discourse (2005), discursos são descontextualizados e recontextualizados, “de modo que se tornam um novo discurso, associado a um novo contexto”. Outro ponto importante é que a linguagem não se limita à descrição de coisas ou fatos da vida real; ela opera como forma de ação sobre o mundo e a realidade em que vivemos. A própria ascensão do Bolsonarismo e sua manutenção no poder podem ser compreendidas como efeitos da circulação massiva de enunciados injuriosos e moralistas, como posições misóginas e homo(trans)fóbicas, e comentários que abominam a “ideologia de gênero” e reiteram a supremacia da “família tradicional brasileira” no país.

Diante do exposto, vale uma (auto)provocação: em que medida as nossas visões conservadoras da sexualidade se contrapõem aos discursos que produziram e sustentam a realidade brasileira atual? Será que os discursos mobilizados por essas visões não favorecem, de algum modo, a construção de políticas sexuais moralistas e excludentes, que recaem sobre temas diretamente ligados ao bem-estar coletivo e, por assim dizer, à ideia de um Estado Democrático? A despeito de nossos argumentos, é interessante notar que Verdades secretas 2 acabou, ironicamente, confessando algumas de nossas próprias verdades, que, além de secretas, são perigosas, visto que tendem a se articular a outras verdades, não tão secretas, que produzem efeitos altamente perniciosos na vida social. Entretanto, o fato de a novela ter se tornado um fenômeno de audiência, ultrapassando o número de 50 milhões de visualizações, revela uma situação curiosa: ainda que o nosso olhar para a sexualidade tenda a seguir uma lógica moralista/vitoriana, queremos ver e falar sobre sexo. O que é corroborado pelos dados do Google Trends, segundo os quais a busca pelo termo XVideos – site de conteúdo sexual – foi consideravelmente maior do que a busca pelo termo Bíblia no Brasil – país dito “cristão e conservador” –, no período de 2004 a 2021. Ou seja, para além do que dizemos, o sexo é uma questão para nós. Assim como também o é, talvez de forma ainda mais pronunciada, para Bolsonaro e aqueles que aplaudem a sua propaganda irracional, inconsciente e regressiva, como diria Adorno.

Tendo em vista o cenário que se descortinou para nós nos últimos anos, acredito que um dos nossos grandes desafios contemporâneos é questionar visões conservadoras da sexualidade, o que não significa precisamente nos abrir para todas as práticas sexuais disponíveis, mas encarar o sexo de frente, reconhecendo-o como discurso, como fator estruturante da vida e, sobretudo, como uma questão de Estado. É preciso chamar o sexo pelo nome. Do contrário, seguiremos ignorando os arranjos e disputas que atravessam o campo da sexualidade, e negando a centralidade do sexo e das pautas sexuais nos movimentos de resistência e mudança. É um tanto complexo reivindicar-se progressista e, ao mesmo tempo, desqualificar uma produção artística por conta do seu “apelo sexual”. Mais complexo ainda é proclamar-se oposição a um governo como o de Jair Bolsonaro e se aparelhar com os seus repertórios na leitura de uma obra ficcional. Se quisermos nos opor radicalmente a projetos autoritários e construir uma sociedade mais livre, democrática e plural, deveremos perceber o sexo como parte da luta. Isso porque, como bem lembra Foucault, o sexo é uma causa política e, por isso, “também se inscreve no futuro”.

Marco Túlio de Urzêda-Freitas é doutor em Estudos Linguísticos pela UFG, professor dos cursos de Letras da PUC-GO e da UNIP e autor do livro Ensino de línguas como transgressão: corpo, discursos de identidades e mudança social.

(Publicado originalmente no site da revista Cult)



Charge! Jean Galvão via Folha de São Paulo

 


sábado, 5 de fevereiro de 2022

Editorial: Um casamento de jacaré com cobra d"água na política.


Nas últimas semanas, passou-se a especular, em Brasília, sobre uma eventual aliança entre o futuro União Brasil e o MDB, de olho nas eleições presidenciais de 2022. Conforme já informamos em editorial anterior, apesar da musculatura política, o União Brasil patina no tocante à escolha de um nome para concorrer às eleições presidenciais. Eventualmente, apenas por formalidade, fala-se no nome do ex-ministro da Saúde do Governo Bolsonaro, Luiz Henrique Mandetta, mas, como disse,  apenas formalmente, uma vez que o mesmo não deslancha nas pesquisas de intenção de voto, a despeito da boa gestão naquele ministério. Não sabemos se seria esse apenas o motivo, mas o certo é que não se observa as lideranças da legenda endossando a sua candidatura, o que, certamente, tem desmotivado o próprio Mandetta.

O União Brasil é um dos partidos mais cortejados pelos pré-candidatos presidenciais, o que nos levou a tratá-lo como a noiva mais cobiçada de Brasília, em editorial. O Partido tem bons dotes dofundo patdiário e eleitoral, tempo de televisão e capilaridade política nacional. Ciro Gomes(PDT), Sérgio Moro(POdemos), Lula(PT), Bolsonaro(PL), Dória(PSDB), enfim, todos já tentaram entabular alguma negociação política com esta nova legenda, resultado da fusão entre os Democratas e o PSL. Os dirigentes da legenda estão bastante otimistas quanto ao desempenho do novo(?) partido nas próximas eleições, prevendo a possibilidade concreta de fazer 10 governadores estaduais, inclusive em Pernambuco, com o prefeito de Petrolina, Miguel Coelho(DEM), cuja gestão está sendo muito bem avaliada pela população.

Em entrevista recente, uma de suas principais lideranças políticas no Estado, o ex-ministro da Educação, Mendonça Filho(DEM-PE), depois de elencar a necessidade de construir uma aliança forte de oposição no Estado, puxa a brasa para a sua sardinha - ou para sua carne de bode,como queiram - o prefeito de Petrolina, Miguel Coelho. A saturação de quatro gestões consecutivas dos socialistas assanham a oposição com uma possibilidade concreta de os eleitores apostarem nessa nova safra de prefeitos que se apresentam pela oposição. As pesquisas de intenção de voto, no momento, também sugerem isso. 

Se o União Brasil emite indicadores de que não joga todas as suas fichas na candidatura própria do ex-Ministro da Saúde, Henrique Mandetta, por outro lado, setores do MDB não apoiam o nome de uma eventual candidatura oficial da legenda. Na região Norte e Nordeste, algumas de suas lideranças - comandantes de oligarquias políticas regionais - praticamente já estão fechados com a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva(PT). Se ocorrer, como vem sendo anunciado, esta aliança entre o União Brasil e o MDB pode gerar um casamento de jacaré com cobra d'água, ou seja, a grande senadora Simone Tebet(MDB-MS) - uma gigante durante os trabalhos da CPI da Covid-19 - teria um vice bem diferente dela. Pelo que se presume, um dos dirigentes da futura legenda.     

Charge! Duke via O Tempo!

 


Tijolinho: Danilo Cabral e as voltas que a política dá.




Quem nos dá a honra de nos acompahar por aqui, sabe do nosso posicionamento crítico a este alinhamento do PT local ao PSB. O quadro ainda poderia ser mais desastroso, mas preferimos não comentar por aqui, para evitar as eventuais rebordosas dos métodos sórdidos utilizados pelas oligarquias políticas pernambucanas quando se sentem atingidas em seus interesses. A experiência nos ensinou que esfera pública no Brasil é uma grande utopia, a despeito dos conselhos - ou seria advertências? - de um Raymundo Faoro, de um Sérgio Buarque de Holanda. O comendador Tião diria que estamos amadurecendo.

Através da crônica politica pernambucana, somos informados sobre o bombardeio que o provável candidato da Frente Popular ao Governo do Estado, o Deputado Federal Danilo Cabral(PSB-PE), vem sofrendo nas redes sociais, em razão do seu voto em favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff(PT-MG). Ficamos por aqui imaginando quem poderia estar por trás desses bombardeios. Os grupos mais autênticos ou a militância do PT? Seria um fogo amigo dos próprios socialistas insatisfeitos com a indicação do nome de Danilo Cabral como o ungido pelo governador Paulo Câmara(PSB-PE)?

Como se sabe, Lula e os setores mais pragmáticos do PT não estão nem aí para essa escolha. Apoiariam qualquer nome escolhido em nome das articulações nacionais da legenda. Há, igualmente, uma crítica à postura contraditória do deputado Danilo Cabral no que concerne aos rasgados elogios dirigidos ao morubixaba petista. Menos,Danilo! Diriam esses críticos. Passados os anos, as verdades aparecem. Repercutiu bastante uma declaração do ministro do STF, Luiz Roberto Barroso, sobre o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, ao afirmar que ela caiu não pelas pedaladas fiscais, mas pela ausência de apoios políticos. Fica aqui uma reflexão para os socialistas locais, que deram sua essencial contribuição para a minar esses apoios políticos da ex-presidente e hoje são refém do apoio de Lula para reverter uma situação política adversa aqui na província.  São as voltas que a política dá!

Editorial: O incômodo das movimentações políticas nada "sutis" de José Dirceu



Esta semana, aliás, foi uma semana de intensas movimentações políticas, seja da situação, seja da oposição, nas esferas estaduais e federais. Na capital federal, interlocutores do União Brasil tentam uma reaproximação com o MDB, que poderia resultar no apoio ao nome da senadora Simone Tebet(MDB-MS) como candidata à Presidência de República. Quando se fala em MDB, naturalmente, é preciso situar sobre qual MDB estamos falando, uma vez que as alas da velha guarda do partido praticamente fecharam acordos com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva(PT-SP).Em movimentos semelhantes, os tucanos tentam trazer o MDB para a sua esfera política, de preferência com o apoio daquela legenda ao nome do candidato do partido, João Dória(PSDB-SP). 

Partido de centro, fiel da balança, com dotes do fundo eleitoral e partidário, tempo de televisão e capilaridade política nacinal, Gilberto Kassab negocia o apoio do PSD a algum pré-candidato às eleições de outubro. A princípio, poderia bancar uma candidatura própria, mas o nome ventilado, Rodrigo Pacheco, Presidente do Senado Federal, não "descola-se' e, talvez por isso mesmo, relute em assumir a candidatura. Escrevi um longo editoral sobre este assunto, uma vez que as movimentações do presidente daquale legenda, imaginem!, incluiria até mesmo um convite ao governador Eduardo Leite(PSDB-RS)para assumir uma candidatura presidencial pela legenda. 

Há, igualmente, a possibilidade de o PSD vincular-se à candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva(PT-SP), líder em todas as pesquisas de intenção de voto, mas isso apenas no segundo turno das eleições de outubro, conforme calendário definido pelo próprio Kassab. Aqui na província, depois de um convescote entre o governador Paulo Câmara(PSB-PE) e o morubixaba petista, as coisas parecem estar se encaminahdo para uma definição: O Deputado Danilo Cabral(PSB-PE) deve mesmo ser o escolhido para encabeçar a chapa da Frente Popular, cabendo ao PT a indicação do nome para concorrer ao Senado Federal. 

E, por falar em PT, tem sido motivo de grande preocupação na cúpula da legenda as mvimentações de José Dirceu, segundo dizem por conta própria, sem respaldo institucional da legenda. O ex-ministro tem viajado, conversado com políticos insatisfeitos com os seus partidos, sempre com o objetivo de arregimentar apoios à candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os petardos da oposição, que não serão poucos, já começaram a ser desferidos, como, por exemplo, a insinuação polêmica de que ele poderia voltar a ocupar a Casa Civil num eventual Governo Lula. Como vem tocando a sua campanha na ponta dos cascos, em razão do grau de polarização existente, o staff de campanha de Lula manisfesta uma preocupação em torno do assunto. 

Charge! Via Folha de São Paulo

 


quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Teatro On line X Teatro Pobre

 Marcia Zanelatto

Teatro On line x Teatro Pobre
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O diretor polonês Jerzy Grotowski (Foto: Reprodução)

 

 

Nos anos 2020 e 2021, durante a pandemia de Covid-19, mais precisamente no período de isolamento social, em diversas regiões do Brasil, a comunidade teatral buscou soluções para se manter trabalhando mesmo com os teatros fechados e as pessoas confinadas em suas casas, evitando algo que é vital para o teatro, respirarmos o mesmo ar. Foi justamente sobre a respiração coletiva que se fez a ameaça de contaminação global e letal por um ainda hoje misterioso vírus descoberto na China nos estertores da primeira década do milênio e que dizimou até agora mais de 5 milhões de pessoas em todo o mundo em cerca de 2 anos. Mais de 600 mil destas no Brasil.

A prática chamada de Teatro On Line consistiu em realizar performances nas principais redes sociais como o YouTube e o Instagram, após um processo de criação que, quando envolvendo outros participantes que não só o ator, era integralmente realizado em plataformas de reunião digital como o Google Meet e o Zoom. A transmissão via dados é muitas vezes bem sucedida, mas inúmeras vezes é interrompida pela perda de sinal, o que causa transtornos como o atraso no envio da voz, o congelamento da imagem ou mesmo a perda de conexão, o que desqualifica a atenção e a concentração do espectador.

Escolher Jerzy Grotowski para pensar o teatro que se fez – que se pôde fazer – durante o período de pandemia é adequado? Porque não se precisaria de três problemas esmiuçados para supor que o teatro pandêmico, para usar uma expressão rápida, não seria teatro para o diretor polonês Jerzy Grotowski que, morrendo em 1999, se tornou um dos imortais do teatro. Com uma teoria e uma prática tão importante quanto a de Constantin Stanislavski, diretor russo considerado o maior e mais eficiente sistematizador do trabalho do ator, Grotowski foi capaz de revolucionar a ideia do que seja teatro com uma busca incansável e muito bem fundamentada de um teatro ritual em que o ator é, mais do que tudo, um elemento da natureza, do ecossistema, da Terra e do Tempo. Buscando a essência do teatro, Grotowski buscou, completamente consciente disso, a essência do que nos torna humanos.

Considerando esse ponto fundamental, friccionar o Teatro de Grotowski com o teatro pandêmico pode ser uma afronta, mas também é, no entanto, exatamente essa fricção, ou talvez até essa repulsa entre os dois materiais, que pode tornar irresistível tentar justapô-los – afinal, desde tempos imemoriais, o teatro é conflito.

Se o diretor de teatro inglês Peter Brook, ao comentar uma das maiores obras de Grotowski, Acrópolis, no documentário El Teatro Laboratorio de Jerzy Grotowski, menciona que o campo de concentração é o maior pesadelo, o mais incompreensível pesadelo do seu tempo, tendo a considerar o fenômeno comportamental que se refere ao uso compulsivo das redes sociais durante o período de pandemia, mais precisamente do isolamento social, guardadas as devidas proporções, o material mais intrigante, perigoso e revelador desse início de século, na verdade, início de milênio. Se nos campos de concentração o terror foi a invenção de um edifício que, segundo Hannah Arendt, reunia o presídio, o manicômio e a fábrica para produzir cadáveres em larga escala, o fenômeno das redes sociais foi reunir num mesmo objeto portátil televisão, terço e espelho, capaz de nos distrair das operações de necropolítica que se utilizaram da pandemia para gerar uma tempestade global de cadáveres, a maior parte deles de idosos.

Sustentada pela necessidade genuína de isolamento social para conter a disseminação do vírus, a não presença dos corpos no mesmo tempo e espaço, com todos os seus atributos sensoriais como as fruições do corpo, o cheiro, o calor, a energia vital, a linguagem corporal sutil relativa às sinapses que se formam no encontro de mínimos sinais como o suor, o ritmo que altera o significado dos gestos e os olhares cujas matizes desafiam os poetas chegando ao indizível, foi rapidamente compensada por um tipo de presença instantânea, transmitida através de dados, que se baseia na imagem de uma pessoa e na emissão da sua voz, e se pretendeu uma presença real. Essa presença, editada como uma cena, porém sem necessariamente alguma profundidade artística ou compromisso intelectual, seria, talvez, uma espécie de fake news de nível pessoal, admitida e desejada por trazer benefícios de ordem emocional, considerando a crise em curso, ou simplesmente narcísica. Mediada pela luminosidade chapada dos ecrãs e a transfusão de dados em tempo praticamente real, essa presença poderia causar uma sensação densa e fugidia de compartilhamento de espaço – ou um prazer insuspeito na conveniência de não compartilhar o mesmo espaço senão de maneira virtual.

De alguma forma, desse modo, estariam todos os usuários de redes sociais, também chamados de seguidores – dado que em determinadas redes sua identidade se baseia em seguir e ser seguido –, de posse de algum ímpeto performático, como se todos tivessem tido a oportunidade de libertar seu ator guardado. E, por outro lado, é como se o ofício do ator tivesse, então, recebido uma nova característica que o separa do elemento fundante do seu ofício e formação: a presença física, ela mesma.

Vou tentar avançar em três pontos razoavelmente específicos.

1. O Teatro Pobre x O Teatro On Line

O Teatro Pobre tem como princípio eliminar tudo aquilo que pode ajudar, mas que não é essencial ao ato teatral. Sem cenário, iluminação, figurino ou trilha sonora, o Teatro Pobre pretende dar aos atores a oportunidade da máxima vulnerabilidade para, desse estado, extrair a máxima potência.

A relação com espectadores pretendia-se direta, no terreno da percepção e da comunhão.

O que poderia haver do Teatro Pobre no Teatro On Line?

Os artistas de teatro tiveram que dispensar recursos como a iluminação e o cenário, recorrendo a trilhas sonoras caseiras e figurinos tirados dos armários dos familiares. Naturalmente, os artistas de teatro foram forçados a abrir mão do espaço físico comum ao espectador. Mas na maioria dos casos, procurou-se manter o horário para a apresentação.

Aos poucos, a precariedade do Teatro On Line se mostrou indesejável. Não se pode dizer que esse teatro pretendia fazer frente à concorrência do grande mercado da pandemia, as plataformas de streaming. Porém, lenta e convictamente a produção dos artistas de teatro se aproximou dos critérios e dos recursos do audiovisual. Primeiro, exibindo peças pré-existentes gravadas em vídeo. Depois, gravando performances criadas durante a pandemia em vídeo e apresentando com hora marcada nas redes sociais e venda de ingressos antecipados.

Nessa leva, muitas pessoas, a maior parte habitantes de pequenas cidades, viram teatro pela primeira vez na vida. Ou acharam que viram. E se não tivemos os seus aplausos, tivemos seus comentários anotados com entusiasmo e muitos emojis numa faixa à direita da tela onde se passava a peça. Donde se pode concluir que, embora estivéssemos todos ali, conectados por uma plataforma digital, não compartilhávamos a atenção exclusivamente voltada para o conteúdo exibido, como se faz no teatro. Estávamos agindo junto com os atores, comentando livremente.

O fato é que aos poucos, o que poderia se parecer de alguma forma com o Teatro Pobre de Grotowski se tornou uma manifestação artística chamada muitas vezes de híbrido, por conter elementos do teatro, principalmente um tipo específico de atuação e de texto, e elementos do audiovisual, como o uso de locações, a direção de fotografia, a edição e, muitas vezes, a pós-produção farta em efeitos visuais.

2. O Ator Santo x O Ator Verificado

Procurei perceber as diferenças cruciais do processo criativo do Teatro Pobre e do Teatro On Line no que tange seu elemento mais essencial, o ator.

Como sabemos, Grotowski advoga o ator santo – aquele indivíduo que se engaja na investigação de si mesmo para se tornar um criador. Esse engajamento exige dele a destruição de todos os estereótipos até aflorar sua verdade pura.

O ator do Teatro On Line, quando muito bem intencionado, se envolveu numa busca de certo modo inglória pela catarse ou, no mínimo, pelo ritual. Se deu a testar os limites do ritual, como fazê-lo atravessar a tela e nos fazer estar realmente juntos? Praticamente todas as religiões se deram ao mesmo desafio, missas, cultos e giras foram realizados para poucos ou para quem chegasse através de transmissão de dados ao vivo. Ninguém jamais poderá dizer ao certo qual a qualidade da atenção dispensada a esses eventos. A medida do tempo de engajamento se dá somente pela permanência de um IP – identidade de um computador na rede – num determinado site ou conteúdo, também identificado por um endereço digital. Mas o IP logado só é capaz de gerar um número, nada mais. A concentração que é a única escada capaz de levar à catarse não se pode medir por ele – o que, diga-se de passagem, contraria os sonhos do comércio da atenção, que a pretendia em pacotinhos de 10, 30, 50 ou 100 reais, a famosa venda de engajamento.

Mas, então, teria saído dessa imensa vulnerabilidade que é estar na frente de uma câmera portátil, sob uma luz circular fria que se marca em todos os olhos de como a um outro tipo de gado, fazendo um ritual para ninguém ou para alguém que realmente acha a coisa ridícula e só assiste para mostrar aos amigos a que ponto chegamos, teria sido justamente esse ponto de vulnerabilidade, que nos fez delegar a veracidade da nossa própria identidade à empresa que vende o conteúdo que produzimos de graça com a esperança de nos tornar alguém importante para alguém, mas que é muitas vezes senão uma performance rasa da nossa própria intimidade editada até virar mentira?

Será a fake news não um mecanismo de produção de notícias falsas, mas um meio de vida que consiste em nos forjar melhores do que somos?

Mas e a dor? Como realizar o ritual que atualiza o tempo, que resgata a essência, que nos torna o que sempre fomos, que nos revela em nosso verdadeiro lugar em comunhão, como propôs Grotowski, se negamos a dor de estar prescindindo do que nos é essencial? Chegaremos a algum lugar sem cuidar juntos das nossas feridas, sem sentir o cheiro delas?

O Ator Verificado não verifica a si mesmo. Sua palavra não basta. Ele é verificado pelos algoritmos planejados por técnicos em Tecnologia da Informação que se esforçam de sobremaneira para tocar com cálculos algum tipo de Verdade coletável e passiva de se tornar um produto.

Enquanto o Ator Verificado se obriga a ter uma carga de selfies que garantam o engajamento em seu life style, ele mergulha de cabeça no tsunami e se enrosca na rede. Se dedicando a não só enviar uma imagem estereotipada de si mesmo, mas a produzir ele mesmo seu próprios estereótipos, ele se condena a uma imagem da qual talvez nunca mais possa se ver livre.

Falta perguntar qual seria o sentido de ser um Ator Santo, como propôs Grotowski, numa sociedade que nada tem de blasfema, que se quer inteiramente profana? O Ator Santo só faria sentido se houvesse um real interesse na morte. Terceirizada a morte para os velhos e os números de vítimas do Covid-19, o Ator Verificado encontra seu lugar no centro de um mundo frígido.

3. O real x O virtual

Para Grotowski, o teatro só terá importância se experimentar o real, tendo desistido de fugas e fingimentos do cotidiano.

Mas o que é o real?

Bem antes da pandemia, cheguei a ouvir de um executivo de uma das mais poderosas redes sociais responder à minha inquietação quanto a elas com a pergunta Mas o que é presença? Naturalmente, respondi como uma mulher de teatro: Estarmos juntos no mesmo tempo e no mesmo espaço, e ele replicou: Mas o que é espaço, o que é tempo?

Me calei cheia de dúvidas. Se estamos nos falando através de uma tela e nos vendo e ouvindo separados por imperceptíveis átimos de segundos e se é lógico que o espaço virtual poderia, sim, por que não, ser espaço em si, conceito que Einstein sustentaria facilmente, o que restaria de nossa grandeza?, como mostrou o coro a Creonte, em Antígona?

Mas isso foi bem antes da pandemia e pensei que se chegássemos ao lugar que aquela conversa apontava, isso seria um problema em 30 anos. Talvez 20. E que, por ora, bastava observar como a coisa poderia estar se montando, se é que ela estava se montando de fato.

Quando a única solução para a pandemia se tornou evidentemente o isolamento social e quando ficou claro que essa única solução era uma tsunami na qual se poderia pescar de rede – rede tecida com fios de silício – tive a sensação de que o mundo sugerido por este amigo poderoso fora antecipado e a lembrança da conversa me sugeriu que talvez a coisa tivesse se dado de maneira muito mais premeditada do que parecia.

Anos depois, aqui estou de volta ao Templo dos Ancestrais, me havendo com Grotowski e tentando entender o Auschwitz da minha época ou ao menos se posso compreender o contexto atual como o Aschwitz de minha época ou se precisaremos avançar até isso.

O fato é que o ser humano jamais negou conhecimento. Trotamos bravamente em direção aos escombros da civilização, a fim de criar com nossos gestos algo que talvez até já existisse, mas que não era criação nossa. A virtualidade do real é uma dessas coisas. Temos o mundo dos sonhos, a imaginação, a intuição, o psiquismo e a magia, atributos desde sempre humanos. Conhecê-los não foi o suficiente para nos libertamos das amarras da ideia de que o real se compõe de matéria densa. Preferimos inventar a realidade virtual e hoje estamos de frente para a difusão do metaverso e sua popularização que nos levará em breve a algo como um Teatro em Realidade Virtual. Mas que tipo de problema isso representará se nesse mesmo período provavelmente teremos cérebros híbridos de matéria orgânica e neurochips?

Conclusão inconclusiva

Segundo Jerzy Grotowski, o grande trunfo do teatro é ser um ato gerado no encontro entre pessoas, o que o torna também um evento biológico. A realidade do teatro é instantânea e se dá de maneira fisiológica, na respiração conjunta.

Qual terá sido para o futuro a solução que demos para o teatro no momento em que tivemos que prescindir justamente da respiração conjunta?

Se fomos bem, terá sido porque conseguimos nos expor aos riscos. Se fomos mal, terá sido porque não usamos o período de confinamento como uma caverna, não usamos a treva da existência, como sugeria Hannah Arendt, o lugar onde nenhum spot de luz chega para sentir a dor de estarmos nos comportando como uma espécie doentia que sufoca a si mesma em busca de narcísica superioridade. Se fomos mal é porque não tivemos coragem de lidar com o cheiro do sangue e do pus dessa dor de sermos o que somos e talvez produzir o teatro que possa dizer ao mundo a verdade que ele insiste em não ver.

Se eu tivesse que levar a Jerzy Grotowski a descrição de como fizemos teatro durante o período de isolamento social, talvez o fizesse com grande constrangimento. Tentando manter em nível aceitável o fato de termos feito teatro à custa do próprio teatro, na medida em que, se por um lado, tínhamos a convicção de que poderíamos prescindir de todos os recursos que nos ajudam a fazer teatro, mas não são essenciais a ele, prescindimos inexoravelmente da única coisa que Grotowski considerava essencial, a presença humana.

A fim de tentar esgotar a discussão com o mestre, eu lançaria como um David em direção à sua gigantesca testa a única pedra que me restaria: Jerzy, nunca estivemos tão frágeis.

Marcia Zanelatto é dramaturga, roteirista e escritora. É autora de dezenas de peças teatrais, sendo as mais recentes Infância RoubadaMeninesGenderless – um corpo fora da leiEles não usam tênis naique e os musicais Merlin e Artur – um sonho de liberdade e Deixa Clarear – homenagem à Clara Nunes.

(Publicado originalmente no site da Revista Cult)

Charge! Gilmar via Facebook


 

Editorial: Estabilidade democrática e liberdade de expressão. Os recados de Fux.



O escritor inglês, Goerge Oswell, é talvez quem melhor tenha traduzido o que signfica, de fato, liberdade de expressão ou o jornalismo livre, sem rabo preso com os poderosos ou os governantes de turno. Jornalismo, dizia ele, se faz quando você diz o que algumas pessoas não gostariam de ouvir. Tudo mais é publicidade. O verdadeiro jornalismo, portanto, deve incomodar. O resto é cosmético. Pedimos perdão aos leitores e leitoras se não traduzimos, ipsi litteris virgulisque - afinal, para alguma coisa serviu nossas aulas de Latim com a professora Inalda, no CAC-UFPE - a frase do autor de 1984, mas, em essência, é exatamente isso. 

O exercício dessa liberdade de expressão, num Estado com as características do nosso, se constitui numa grande preocupação, uma vez que os jornais são controlados por grupos econômicos - quando não também por grupos políticos - com interesses consorciados ao aparelho de Estado. Pior do que isso, são os métodos utilizados para calar os opositores, um arsenal de fazer inveja aos regimes mais autoritários, tudo com o propósito de silenciar a voz dos irredentos. Gostaria de poupar os leitores dos pormenores desse arsenal, que inclue o uso da "máquina" para disseminar campanhas de desmoralização dos seus desafetos, através dos chamados lichamentos morais - ou virtuais - como as fake news, que, não necessariamente, foi uma invenção daquele americano. Os mecanismos foram apenas aperfeiçoados ao longo dos últimos anos, na época da mentira como arma política.  

Num Estado onde as pessoas acreditam em perna cabeluda, os danos aos indivíduos, vítimas dessas fake news, são irreparáveis. Assim, se reveste de grande importância - e também advertência - o discurso proferido pelo presidente do STF, Ministro Luiz Fux,na abertura dos trabalhos naquela Corte, em defesa intransigente da estabilidade democrática e da liberdade de expressão ou de imprensa. O ministro Fux fala com a autoridade de quem exerceu um papel importantíssimo no sentido de estancar as últimas manobras autoritátias tentadas no país. Salve Fux! Nossa democracia deve a ele e aos ministros daquela Corte o fato de termos sobrevivido aos solavancos ou ímpetos autoritários, contidos no seu tempo devido.

Repertiu bastante bem - naturalmente entre os atores que, de fato, possuem compromissos com nossas instituições democráticas - a fala do Presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Fux. Dizia um grande sociólogo francês, Claude Leffort, que uma democracia que não se amplia tende a morrer de inanição. Seria um pouco demasiado supor sobre a possibilidade de uma democracia plenamente consolidada entre nós, pelas inúmeras razões apontadas por este editor, ao longo dos anos que mantemos esse canal de comunicação com os leitores. Exatamente, por isso, falas como a do ministro Luiz Fux, neste momento, se revesta de tanta importância, ou seja, o de  garantir os avanços mínimos que conquistamos ao longo dos anos de experiência de uma democracia constantemente sob ameaça.     
   

Editorial: Em mais uma pesquisa, Lula amplia vantagem sobre os adversários


Em mais uma pesquisa de intenção de voto, desta vez realizado pelo Instituto Paraná Pesquisas, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva amplia a sua vantagem sobre os demais pré-candidatos às eleições presidenciais de 2022. Já estão se tornando recorrente essas informações por aqui, uma vez que o candidato do PT se mantém firme na liderança das pesquisas desde 2021, entrando com o pé direito - perdão, esquerdo! - nos primeiros meses de 2022, ainda sem um pronunciamento oficial se será ou não candidato. 

Nesta última pesquisa, o petista amplia seus percentuais em relação às pesquisas anteriores em 05 pontos, cravando 40,1% das intenções de voto. Os demais candidatos permanecem estagnados, sem alterações signficativas. Abro aqui uma exceção para registrar o percentual obtido pelo candidato André Janones, do Avante, que aparece com 1,1% das intenções de voto, embora tenha oficializado a sua pré-candidatura apenas recentemente, aqui no Recife, em evento no Mar Hotel, em Boa Viagem. É um índice para ser comemorado pelo seu staff de campanha e pelo candidato, cujo evento recebeu uma cobertura até inusitada do Jornal Nacional, da Rede Globo. 

Raposa velha na política, cevado nas adversidades, Lula trabalha com um olho na missa e outro no padre, ou seja, ao tempo em que se movimenta no sentido de articular apoios para a sua campanha, também mantém uma preocupação óbvia com a governabilidade num presidencialismo com as nossas características, que tantas dores de cabeça já trouxeram ao partido, como o Escândalo do Mensalão e o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff(PT-MG). Será necessário construir uma base sólida de apoio na Câmara dos Deputados e no Congresso Nacional. 

Embora, do ponto de vista da economia, os partidários considerem a possibilidade de o presidente Jair Bolsonaro(PL) reverter essa situação junto a determinado estrato do eleitorado - principalmente nordestinos dependentes dos benefícios estatais -  depois da aprovação e primeiros pagamentos do Auxílio Brasil,isso ainda não vem ocorrendo, conforme mensurou uma pesquisa realizada pelo Instituto IPESPE, até recentemente divulgada. Concretamente, nas coxias, até fiéis escudeiros de Bolsonaro já trabalham com a hipótese de uma eventual derrota nas urnas eletrônicas, dentro de um processo limpo e transparente, conforme se exige numa democracia.  

Charge! Via Folha de São Paulo

 


terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Charge! Duke via O Tempo

 


Editorial: O bom exemplo dos parlamentares do"Novo" com o uso do dinheiro público.



Bons exemplos com o uso do dinheiro público são raros neste país. Outro dia comentamos por aqui sobre alguns procedimentos - não necessariamente de corte republicano - no uso dos recursos do fundo partidário e eleitoral. O levantamento foi realizado por uma revista de circulação nacional, em sua edição desta semana. Quando se pronuciou sobre o uso de recursos públicos através do expediente do orçamento secreto - as chamadas emendas do relator - a ministra do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, foi muito feliz ao afirmar, em seu despacho, que se tratava de um acinte à própria democracia. 

Peço aos meus diletos leitores e leitoras para poupá-los dos casos escabrosos, estes que acabam vindo à público, como o de um parlamentar parabaino que estoporou R$ 23,000 mil reais num único jantar. Se saísse do bolso, muito provavelmente, ele seria mais comedido.Como já afirmamos em outra oportunidade, essa turma tem gosto refinado e pouco caso com o dinheiro do erário. Em regra é isso, mas existem algumas boas exceções, dignas de nosso registro aqui pelo blog, pelos bons exemplos no que concerne à conduta de homens públicos. 

Fiquei curioso em saber, depois de uma nota da revista Veja, qual o parlamentar que mais economizou dinheiro público em seu mandato. Trata-se do parlamentar mineiro, o Deputado Federal Tiago Mitraud(Novo-MG) - formado em administração,com curso de especialização em universidades americanas - filiado ao partido "Novo". Mais adiante, a mesma publicação elenca quem são os dez deputados que menos gastos representaram para o erário público. 04 deles são do "Novo", se nos permitem o trocadilho, o que se constitui numa grande novidade e um crédito para essa agremiação política, que até recentemente, lançou, em evento aqui no Recife, o deputado André Janones(Novo-MG), como pré-candidato à Presidência da República nas próximas eleições de outubro.

Infelizmente, não há referência a algum parlamentar pernambucano na lista entre aqueles que mais econimizaram o dinheiro das verbas concedidas aos deputados, superiores aos R$ 500 mil por ano. Eis aqui mais um grande incentivo àquela mãe de todas as reformas, ou seja, a reforma política, que dificilmente encontra eco num ambiente como este, onde significaria cortar na pele, tolhendo privilégios e coibindo abusos.

Crédito da foto: Luiz Macedo(Câmara dos Deputados)

P.S.:Contexto Político: Pedimos desculpas aos nossos leitores e leitoras. Cometemos aqui um equívoco ao informar que o Deputado Federal André Janones seria do "Novo". Na realidade, ele é filiado ao "Avante". São tantas siglas que a gente acaba se confundindo.