José Luiz Gomes
Há poucas referências sobre a passagem de Joaquim Nabuco pelo Itamaraty. Isso talvez explique o sucesso de um ensaio que escrevi sobre esse período de sua vida profissional. Antecipo que tenho um grande respeito e identificação política com o abolicionista pernambucano, o que não nos impedem as reticências às suas posições sobre o panamericanismo, quando esteve em exercício no Ministério das Relações Exteriores. Posições que, aliás, o fizeram entrar em rota de colisão com outro ilustre diplomata, Oliveira Lima, com quem manteria rusgas nunca devidamente contornadas, culminando com a decisão de Oliveira Lima em doar uma estupenda biblioteca de "Brasilianas" a uma universidade americana, onde chegou a dar aulas. A princípio, antes das escaramuças das quais foi vítima, pensava em deixá-la no país. Osvaldo Aranha, amigo de Nabuco, mantinha Oliveira Lima sob estrita vigilância, temendo a "incontinência da pena" do diplomata.
Até outro dia, acompanhei um seminário na Instituição que foi criada em sua homenagem, aqui no Recife. O acervo do abolicionista foi doado pela família à Instituição, o que não deixa de ser motivo para um grande regozijo, em razão de sua importância. Uma preciosidade histórica de 15 mil peças que vem se juntar às outras 6 mil peças já existentes na Instituição. Se suas rusgas no Itamaraty nos privaram de uma grande biblioteca, por outro lado a Instituição Joaquim Nabuco recebe um acervo significativo, com um lastro histórico dos mais relevantes, que se junta ao de outro grande nome da luta antiescravagista no país, André Rebouças. Ambos se enquadram naquela condição de apontar a insuficiência de um ato formal, via instituições, para a libertação dos escravos, como a Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel. Seria preciso ir bem mais além para superar o racismo estrutural de uma sociedade assentada sob o trabalho escravo. Sabe-se o quanto esses visionários tinham razão. Nestes últimos 519 anos, o único quesito em que conseguimos algum avanço em relação à raça negra foi no sentido de facultar o acesso desses jovens ao ensino superior. Em relação a nenhum outro aspecto conseguimos qualquer avanço. A abolição da escravidão no país é como aquela Igreja de Sabará, Minas Gerais, que nunca foi concluída.
Entre essas preciosidades, uma carta de Machado de Assis para o pernambucano, informando-o sobre a leitura de Massangana, uma possível referência ao livro Minha Formação, onde ele narra seus verdes anos no Engenho Massangana, que pertenceu à sua família. O trabalho de fôlego realizado pelo amigo Diego José Fernandes Freire, Contando o Passado, Tecendo a Saudade, permitiu-nos uma correção histórica no campo da literatura. Quando se toma como referência a literatura de engenho - ou regional - as menções neste sentido vão sempre para A Bagaceira de José Américo ou aos textos memorialistas do também paraibano José Lins do Rego. Na realidade, como observa Diego, Minha Formação é um texto anterior a esses trabalhos, o que coloca Joaquim Nabuco na condição de precursor da literatura de engenho, ao lado do também pernambucano Mário Sette, com a sua Senhora de Engenho.
Joaquim Nabuco foi um homem de grandes causas e paixões arrebatadoras, mas sempre orientou sua vida baseada numa retidão de caráter invejável, fato mais uma vez confirmada pela fala de uma palestrante, no Seminário que faço referência acima, sobre o abolicionista pernambucano. De acordo com sua fala - a partir de um diálogo com seus familiares - uma de suas filhas preparava-se para se casar. Estava tudo certo até o pretendente perguntar a Joaquim Nabuco sobre o tal dote. Foi expulso da casa. Não houve mais casamento. Por que essa informação é importante acerca do caráter de Joaquim Nabuco? Porque nos ajudam a entender algumas nuances da relação de Joaquim Nabuco com Eufrásia Teixeira Leite, a rica e bela Eufrásia, com quem manteve uma tórrida paixão por 14 anos sem nunca ter se casado com ela.
Eufrásia conheceu Nabuco num cruzeiro, por quem se apaixonou. Os historiadores alegam que ele não se casou com Eufrásia em razão de sua condição de abolicionista. Eufrásia era filha de um rico fazendeiro que possuía centenas de escravos em sua fazenda em Vassouras, no Rio de Janeiro. O casamento, em tese, poderia macular sua imagem de abolicionista. Desafetos, pois integravam partidos distintos, o escritor cearense, José de Alencar, escreveu Senhora com o propósito de dar umas estocadas no pernambucano. O fato concreto - agora confirmado em razão de sua reação à proposta do pretendente à mão de sua filha - é que, Joaquim Nabuco, de fato, temia ser acusado de dar o golpe do baú. O mais curioso e emblemático ainda é que, num momento de dificuldades financeiras, Eufrásia lhe ofereceu ajuda e ele a recusou peremptoriamente, antecipando o fim do relacionamento.
Herdeira de uma grande fortuna, Eufrásia teria doado esses bens aos pobres da cidade onde nasceu. Festejado pelas donzelas da época -que atiravam pétulas de rosa depois dos seus discursos inflamados no Teatro de Santa Isabel - Joaquim provocava muito ciúme em Eufrásia, sendo este o principal motivo de indisposições entre ambos. Com o fim do relacionamento, Nabuco pediu de volta as cartas dirigidas a ela, no que nunca foi atendido. Já as cartas dela para Joaquim Nabuco, salvo melhor juízo, estão disponibilizadas entre o seu acervo, sob a guarda da Fundação Joaquim Nabuco.
Nenhum comentário:
Postar um comentário