Velha guarda tucana desiste de enfrentar governador paulista pelo comando do PSDB, mas Aécio Neves ainda briga por influência
THAIS BILENKY
28maio2019_11h59
INTERVENÇÃO DE PAULA CARDOSO SOBRE FOTO DE EDUARDO ANIZELLI/FOLHAPRESS
Na sexta-feira passada, 24 de maio, o governador de São Paulo, João Doria, jogou para a plateia. “A partir de agora, o partido não vai viver de história, vai fazer diferente”, discursou, em ato de filiação de novos membros ao PSDB. “Os que não concordarem peçam para sair”, intimou. Às vésperas de a nova executiva montada por ele assumir o partido, Doria afia a língua para dar o tom do “novo PSDB”, como definiu. Mas as brigas internas o educaram. Ele joga para a plateia em um dia e, no outro, trabalha nas coxias. No domingo, entre uma e outra reunião, recebeu, em sua casa, o senador José Serra. Conversaram sobre reforma tributária e outros temas técnicos relativos a São Paulo. Na saída, o ar na mansão do governador de São Paulo no Jardim Europa estava ameno. Aliados de Doria comemoraram. O PSDB, enfim, o engoliu.
Três anos depois de entrar para o cotidiano partidário, então como pré-candidato a prefeito da capital paulista, e encarar disputas ruidosas e fogo cruzado, o empresário, fundador do Lide e apresentador de televisão, finalmente se sentará à cabeceira dos banquetes tucanos. Políticos graduados do partido admitem reservadamente que foram frustradas as tentativas de fazer frente ao governador paulista, nunca inteiramente aceito pela cúpula partidária – Fernando Henrique Cardoso se referiu a ele como um balão em 2017, e Geraldo Alckmin insinuou que era traidor em 2018. Aventou-se um comando rotativo do PSDB, em que o presidente ficaria apenas alguns meses no cargo e passaria o bastão. Não houve adesão suficiente. Outra tentativa foi convencer nomes de mais consenso, como o senador mineiro Antonio Anastasia, a assumir a direção, mas nem ele, nem outros potenciais líderes quiseram segurar o rojão. Depois do tsunami antipolítico da eleição passada, o único projeto do PSDB com pretensões nacionais que restou de pé foi o de Doria.
Assim, na próxima sexta-feira, dia 31 de maio, em convenção nacional do partido, o grupo de Doria deverá levar os postos principais: o ex-deputado pernambucano Bruno Araújo deve ser empossado presidente do PSDB, com a senadora paulista Mara Gabrilli na primeira vice-presidência e o deputado paraibano Pedro Cunha Lima no Instituto Teotônio Vilela. A tesouraria ficará a cargo de um tucano de São Paulo da confiança do governador. Não que, ao indicar aliados para os principais postos, Doria reinará sozinho. Todos aqueles que passaram pela presidência nacional do partido são membros natos da executiva. O ex-governador paulista Alckmin deixará o comando do PSDB na sexta, mas permanecerá na primeira fileira do partido, assim como Serra, Tasso Jereissati e José Aníbal. Fernando Henrique Cardoso é presidente de honra da agremiação.
O nó da questão é a secretaria-geral, cuja indicação caberá ao diretório de Minas Gerais. E aí Aécio Neves entra nessa história.
Ex-candidato a presidente da República, ex-governador e ex-senador, o hoje deputado federal trabalha com afinco para se reabilitar na vida política do PSDB e do país, depois de ser dragado pela Lava Jato com a delação de Joesley Batista. Reportagem da Folha de S.Paulo mostra que a maior parte dos inquéritos instaurados em 2016 e 2017 pelo Supremo Tribunal Federal sobre Aécio segue inconclusa. Só uma investigação resultou em denúncia e transformou Aécio em réu, e uma foi arquivada.
Ex-presidente nacional do PSDB, Aécio tem seu assento na executiva garantido, mas ele pleiteia mais. O diretório mineiro ainda negocia cadeiras extras na direção nacional para acomodar deputados como Domingos Sávio e Eduardo Barbosa como forma de ampliar a sua participação nas decisões do partido. O grupo sabe que o ambiente não será favorável. Doria deu o tom. Na sexta-feira, em seu discurso, o recado foi anotado. “Se alguém fez coisa errada, que pague por isso, que tenha seu julgamento e o direito de defesa pleno. Nós não vamos condenar ninguém antes. Mas peça licença, tenha grandeza, se afaste”, cobrou. “Faça sua defesa. Se for isento, volte, será bem-vindo, será aplaudido, será abraçado. Mas, enquanto [estiver] nesse processo, tenha dignidade e o respeito de fazer a sua defesa na plenitude, mas fora do PSDB.”
Investigado em nove inquéritos e réu em uma ação criminal por corrupção, Aécio está preocupado, relatam seus aliados, e se dedica à sua defesa com advogados para obter notícias positivas na esfera judicial que aliviem sua situação política. Enquanto isso, sem alarde, ele faz o que já provou dominar: política.
Abancada tucana na Câmara, que o recebeu em fevereiro com desconfiança e às vezes desprezo, já deixa escapar lances de simpatia pelo mineiro. Internamente Aécio costura um argumento segundo o qual a intolerância com investigados como ele pode acabar por minar projetos como o do próprio Doria, a eleição presidencial de 2022. Inúmeros prefeitos, deputados estaduais e federais e senadores respondem na Justiça por problemas de financiamento de campanha e acusações mais graves na esfera criminal. Qualquer candidato precisará de capilaridade para se erguer nacionalmente. Se investigados forem tratados como condenados, não se disporão a ficar no PSDB, sustentam aecistas. O mesmo se espera de potenciais aliados. Dirigentes de partidos com os quais o PSDB costuma se associar em campanhas eleitorais não terão simpatia por uma postura moralista se eles também se veem em meio a imbróglios judiciais, advogam tucanos ligados a Aécio.
O grupo mineiro, por fim, fia-se na expectativa de que Bruno Araújo tenha autonomia em relação a Doria. Em um primeiro momento pode até ceder aos ímpetos do governador paulista, calcula-se, mas com o tempo trabalhará pela pluralidade política e regional no PSDB.
Já a turma de Doria é menos conciliadora. Seus aliados dizem esperar que, passada a fase inicial do novo comando partidário, Aécio pedirá para sair. Citam como referência a desfiliação do ex-governador Eduardo Azeredo, preso no mensalão tucano, negociada pelo presidente do PSDB de Minas, deputado Paulo Abi-Ackel.
Encarregado de convocar reuniões, definir pautas, ordenar despesas, contratar e demitir pessoal, o secretário-geral do PSDB teve suas atribuições esvaziadas justamente na gestão de Aécio no partido (2013-17), com alterações no estatuto que fizeram acumular os poderes na caneta do presidente, acusam aliados de Doria. Quem está sentado na cadeira de secretário-geral até sexta-feira é o ex-deputado mineiro Marcus Pestana, que foi secretário estadual de Aécio no governo de Minas, mas hoje conquistou a confiança de tucanos para além das fronteiras de seu estado. Pestana foi convidado a ficar onde está, mas não quis. Ainda não ficou definido quem o sucederá, em uma disputa que mostrará a força ou fragilidade de Aécio no xadrez tucano.
Aliados do governador de São Paulo se referem com graça ao regramento do partido como estatutécio, o estatuto do Aécio. Uma nova redação do texto está em fase de finalização. Quando aprovada, passará a submeter automaticamente aquele que for denunciado na Justiça à comissão de ética do PSDB. Sem disposição de expulsar antes de uma condenação em segunda instância, a direção poderá aplicar sanções como afastamentos temporários ou cartas de reprimenda. Mas, como disse Doria, espera-se que o enrolado “tenha grandeza, peça licença” para sair.
THAIS BILENKY
Thais Bilenky é repórter na piauí. Na Folha de S.Paulo, foi correspondente em Nova York e repórter de política em São Paulo e Brasília.
(Publicado originalmente no site da Revista Piauí)
Nenhum comentário:
Postar um comentário