Sigmund Freud, o pai da Psicanálise, descreveu um comportamento
patológico chamado de “narcisismo primário”. Todos nós, quando pequenos, temos
uma boa dose de narcisismo nas nossas atitudes. O duro e lento exercício de
descentramento do “eu”, ou seja, não se achar o centro do universo, leva muito
tempo. É uma etapa psicológica semelhante a do assassinato psicanalítico da
figura paterna. A maioria, contudo, se liberta desse comportamento, e aprende a
duras penas que não é o umbigo do universo, mas um grão de poeira ou uma cabeça
de alfinete, num vasto mundo que pouco se interessa pelas nossas fantasias de
onipotência. Ocorre que um grupo de pessoas não consegue jamais superar esse
“narcisismo”, e continuam, vida afora, a se acharem o centro de todas as
atenções. Estão inseridas nesse grupo certas personalidades do meio jurídico
que têm vida pública ou visibilidade pública através dos meios de comunicação
ou por ocuparem cargos públicos.
São parecidas àquelas notabilidades de aldeia, onde que tem pedigree
familiar ou estudou fora do país, realçam o seu brilho, como uma gota de água
no deserto. O velho Sergio Buarque de Holanda já tinha se referido ao caráter
retórico, vistoso, ligado à afirmação da personalidade da pessoa, de nossa
formação ibérica, portuguesa. Segundo ele, daríamos mais valor à afetação, ao
teatro, do que ao conteúdo do que falamos. Interessaria mais a impressão e o
modo do que dizemos/fazemos do que a mensagem propriamente dita.
Nosso
estado (ia dizer capitania hereditária), se ufana da sua longevidade histórica
e suas raízes coloniais e imperiais. Pernambuco vive desses fantasmas antigos
que sempre voltam ou são invocados para impressionar os vivos. Aqui, dizia o
conde da Boa vista, quem não é Cavalcanti é cavalgado. Pelo visto, as coisas
ainda caminham nesse passo. Os Cavalcantis permaneceram, com o seu brilho, sua
tradição retórica e sua vaidade. São como os “narcisistas primários” de Freud,
fazem de tudo (bom e ruim) para chamar a atenção. Trocam de lado na política,
apoiam candidatos fascistas e autoritários, desqualificam as comissões onde
pontificam e usam – como podem – os meios de comunicação para se expressarem
como “prima donas” num teatro burlesco e regional. Um arremedo de esfera
pública dominado por um punhado de famílias tradicionais e ricas torna-se o
palco, por excelência, dessas personalidades performáticos, onde o meio é a
mensagem. Ou seja, onde não há mensagem.
Rebentos da oligarquia ou associados a ela, por relações familiares,
acham que têm direito natural a tudo: cargos, influencias, posições de
prestigio etc. Quando são contrariados, fazem da frustração pessoal uma questão
política e assumem posições polêmicas e controversas. É o seu jeito de manifestarem
sua revolta pela contrariedade de seus desejos de onipotência infinita. Foi o
que ocorreu com o episódio das últimas eleições presidenciais no Brasil.
Pessoas de conhecida notabilidade local e regional, tomaram o lado do candidato
fascistóide, não por identificação ideológica ou política, mas pela vaidade
ferida, por terem sido “esquecidas” pelo governo petista para cargos, comissões
ou simples consultores. Acharam-se ofendidos, preteridos, quiçá perseguidos
pelo governo de turno. Lamentavelmente, esse tipo de gente pensa que tudo o que
acontece no universo tem a ver consigo, para o bem ou para o mal. Se são
lembrados e contemplados, ótimo. É merecimento natural. Se são esquecidos, é
crime de lesa-vaidade. E aí vem a retaliação na forma de ”ser do contra”, de
remar contra a corrente, independentemente de seu conteúdo ideológico, ético ou
político.
É
preciso considerar esse tipo de comportamento como uma patologia séria e
perigosa; se fosse possível criar um reino imaginário, um castelo de cartas, um
refúgio qualquer (como a religião) e colocar essas pessoas aí dentro, seria uma
terapia social de muita valia. Causaria menos danos à sociedade e a si mesmo.
Infelizmente, essas criaturas andam por aí pousando de sumidade jurídica, esperteza
político-ideológica, quando não de corregedores morais da nação. Muito triste
tudo isso.
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE
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