Pelos
jornais e sites especializados, notícias dão conta de que os paladinos
da moral e dos bons costumes pretendiam auferir vantagens financeiras da
cruzada contra a corrupção, uma narrativa discursiva que, quase sempre,
está na raiz de projetos autoritários. Teríamos aqui uma boa discussão
para este editorial semanal, mas vamos cumprir o prometido, ou seja,
tratar das categorias dos regimes de governos autoritários a partir da
obra do escritor inglês George Oswell, conforme anunciamos na semana
passada, a partir de uma obra recente do filósofo francês, Michel Onfrey, que observa na obra 1984, uma provável construção de uma teoria sobre as ditaduras, tema tratado por Rubens R.R.Casara num texto publicado pelo site da revista Cult. Destruir ou relativizar a liberdade - exceto a liberdade de consumir e circular o capital - observa Casara, constitui-se na primeira categoria dessas ditaduras de um novo tipo. A liberdade deixa de ser um direito inalienável dos indivíduos para tornar-se algo negociável, limitada, apenas permitida sob certas condições. Uma pena de 23 anos pode ser reduzida a 03 - com o preservação do patrimônio adquirido irregularmente - se, num acordo de delação premiada, o indivíduo resolver construir uma "narrativa conveniente."
O epicentro desse medo à liberdade teria ocorrido depois do atentado de 11
de setembro, quando se formulou uma espécie de novo contrato social,
onde os cidadãos e cidadãs passaram a abdicar de suas liberdade individual e coletiva - com
medo de possíveis atentados terrorista - abrindo maiores precedentes para as ações
de vigilância e controle - e até abusos de autoridades - por parte de agentes
públicos. Daí para as violações de direitos e garantias individuais e
coletivas foram apenas um passo. Hoje, os tentáculos de controle e
vigilância sobre os indivíduos atingiram níveis extremamente
preocupantes, violando direitos mais comezinhos. Com toda a clarividência do seu texto, talvez nem o George Oswell poderia prever o aparato de vigilância utilizado pelos aparelhos de segurança do Estado, como o largo uso das câmaras de reconhecimento facial, inclusive no Brasil.
Num debate recente,
alguém observou que o Recife é uma das cidades estratégicas para a
implantações desses sistemas de vigilância. Não explicou as razões, mas
observou que há câmaras instaladas na avenida Guararapes que reagem ao
barulho, com sensores que direcionam seu foco a partir de um som, por exemplo, de um tiro. Num texto bastante instigante, Para Além do Bem e do Mal, o
filósofo alemão Friedrich Nietzsche - que teve forte influência sobre o pensamento do filósofo francês Michel Foucault - observa que todo discurso é uma fraude e toda palavra é uma máscara. A
verdadeira intenção de um discurso não está naquilo que ele revela, mas
naquilo que ele omite, que se traduz na verdadeira intenção do autor do discurso.
Os diálogos até agora disponibilizados pelo site The Intercept revelam as reais intenções daquela operação, conduzida de forma não republicana, ancorada num
discurso falso de moralidade pública e amparada num projeto político. Caiu a máscara, meu caro Michel Foucault. O país, por sua vez, está mergulhado numa pulsão de morte. Estamos pagando um preço muito alto por essa insensatez política.
Os especialistas em análise de discurso terão panos para as mangas pelos próximos anos. Comenta-se que são centenas de horas de gravação que estão sob o controle do site. Curioso observar que as palestras realizadas pelo ex-presidente foram logo apontadas como recebimento de propinas, irregulares ou com o propósito de obter vantagens indevidas. O ex-presidente tinha capital simbólico para realizá-las. Agora se sabe que os seus algozes, na realidade, estavam tentando construir esse capital a partir de sua condenação. Resta saber se teremos instituições ainda suficientemente fortes para coibir esses abusos. Sinto informar que possivelmente não. Na próxima semana, iremos tratar do empobrecimento da linguagem e do anti-intelectualismo, mais uma característica dos regimes fechados. Depois dos memes de envelhecimento que viralizaram nas redes, a queda do padre Marcelo Rossi, vou até à cozinha tentar aprender a fritar alguma coisa...
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