Nesta
semana, publicamos o segundo texto de uma série que objetiva discutir
as categorias dos regimes autoritários, consoante uma apropriação
original do livro 1984, do escritor inglês George Oswell, a partir de uma leitura do filósofo francês
Michel Onfrey, discussão apresentada pelo jurista Rubens Casara, em artigo publicado no
site da revista Cult. Ainda absorto com o texto da semana passada, nesta
mesma linha de raciocínio, refleti bastante sobre um outro livro
emblemático, do escritor americano, Ray Bradburry, 451, onde é demonstrado
como os regimes fascistas perseguem os intelectuais, prendendo-os e
queimando seus livros em praça pública. Em Ray Bradburry fica evidente o
anti-intelectualismo característico dos regimes fechados de governo ou, para ser mais preciso e atual, as ditaduras de um novo tipo.
Hoje, no entanto, depois de uma autocensura imposta a um editorial
contundente que já havia escrito - vamos tratar do empobrecimento ou
dessimbolização da linguagem, ou seja, a perda de sentido de valores como "liberdade", "igualdade", "fraternidade", "verdade", "ética". Nos últimos dias, então, tivemos muito pano para as
mangas. A semana foi pródiga nesses exemplos. George Oswell observa, afirma Rubens
Casara, que nesses momentos de obscurantismo, quando o regime político
vai se fechando, há uma espécie de eufeminização da linguagem, ou seja,
coisas tidas antes como absurdas vão se tornando corriqueiras, triviais.
Num país de miseráveis, onde seria uma excrescência desconhecer os
milhões de famintos, pode-se, por exemplo, negar a existência da
fome. Os nordestinos podem ser reduzidos a paraíbas, assim como a preocupação com o meio ambiente, reduzida a uma questão de veganos. Uma portaria que depõe contra os princípios de convivência democrática e da
liberdade de expressão ganha o número fatídico da besta ferra do apocalipse:
666.
Não
se constitui uma tarefa complexa entender as razões pelas quais os
atores políticos identificados com projetos autoritários odeiam tanto os
intelectuais. A razão mais óbvia é que os intelectuais, em princípio, são menos infensos a
projetos políticos desta natureza, esboçando maiores resistências à sua consolidação. De
qualquer forma, recomenda-se a prudência necessária, no entanto, quando
se trata dos intelectuais brasileiros, cuja origem é notadamente a
classe média e a elite, com os valores e vieses daí decorrentes. Em todo
caso, anpassant, a principal razão parece ser mesmo o esboço da reação
desse grupo social aos projetos autoritários.
Coincidentemente, atores
políticos identificados com projetos autoritários são pessoas com sérios
recalques e frustrações pessoais, não raro com a academia. A investida e o
projeto de desmonte da estrutura pública universitária brasileira, assim como a
queima de livros na obra de Ray Bradburry parecem evidenciar a assertiva
acima, ou seja, o ódio ao conhecimento. Na próxima semana, daremos prosseguimento a essas reflexões, tratando da abolição da verdade ou o seu relativismo. Embora comprovadamente verdadeiros, o conteúdo dos áudios perdem em importância em relação aos métodos utilizados para obtê-los.
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