Durante os
últimos anos do regime militar, nós – docentes universitários – lutamos
bravamente contra o projeto de transformação das Autarquias Universitárias em
Fundações. Alegavam os militares que a transformação traria mais autonomia de
gestão aos reitores e eles podiam criar receitas para suas instituições,
através da venda de serviços e produtos, sem a participação do governo federal.
Era uma clara tentativa de transferir o ônus do financiamento público-estatal
para a venda de serviços ao mercado, às
empresas e a investidores privados, numa tentativa de alienação da autonomia científica
e didático-pedagógica das universidades públicas do país.
Essa
tentativa espúria, que copiava o modelo de financiamento de algumas
universidades americanas, onde o sistema de cátedras patrocinado por fundações
privadas é comum, foi largamente rechaçado pelo movimento docente e sua
entidade representativa, a ANDES. Agora, volta com nova roupagem, tentando
seduzir os reitores com a promessa de mais recursos e mais autonomia
administrativa. Ledo engano. Está
configurado aí um imenso passo curto para a privatização do sistema
universitário brasileiro e sua domesticação ante os interesses das empresas
privadas (e instituições de ensino privadas).
O sistema
universitário brasileiro (onde predomina o modelo autárquico e financiamento
público-estatal) é uma das grandes conquistas do nosso povo. Ele se destaca no
contexto latino-americano. E algumas das nossas universidades públicas estão
entre as melhores do mundo. E não é só pela acessibilidade pública, ampliada
com o sistema de cotas raciais, étnicas e sociais. É pela excelência acadêmica,
em todas as áreas de pesquisa, ensino e extensão. Se nossas instituições de
ensino fossem meros apêndices de empresas privadas ou fundações empresariais,
jamais teriam conquistado o respeito e a admiração e todo o mundo. Não há no
planeta, países que se desenvolveram e se tornaram prósperos, sem universidades
livres, fortes, autônomas e produtivas. Os únicos financiadores da pesquisa
pura, das humanidades, das benfeitorias na saúde, na nutrição, no esgotamento
sanitário, na construção de habitações populares, transporte público etc. são
os órgãos do governo federal.
Mas não de qualquer governo. Só os gestores que
se inspiravam em objetivos nacionais e democráticos se preocupam com a vida das
universidades. Um presidente que se
comporta como um gerente de empresas e investidores privados, pouco vai se
importar com a qualidade pública e democrática da educação. Vai, sim,
privatizá-las e neutralizar o potencial de crítica e invenção dessas
instituições de ensino. Se o gerente não fosse tão estúpido, entenderia o valor
das universidades públicas, inclusive para a reprodução do capital. Afinal, a
ciência e a tecnologia transformaram-se há muito tempo em forças produtivas de
primeira grandeza. Mas a miopia e o estreitamento de visão impede ao
“analfabeto político” de entender essa afirmação.
Nenhum reitor que tenha sido
eleito democraticamente pela sua comunidade vai se deixar seduzir por este
autentico “canto das sereias” de mais liberdade administrativa, mais recurso e
mais produção. Mas os oportunistas e carreiristas de plantão vão se manifestar
– na hora difícil de defender o patrimônio
educacional público – a favor, entrevendo possibilidades de auferir
muitas vantagens pessoais e profissionais com sua adesão a essa pá de cal se se
jogará sobre as universidades brasileiras.
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE
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