Acabo de ler uma excelente entrevista com a professora Maria Luiza Quaresma Tonelli, Doutora em Filosofia pela USP e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Recorrente em seus trabalhos, as consequências para o tecido democrático do processo de judicialização da política, abordagem de sua tese de doutoramento. No contexto dessas discussões semanais sobre o tema de nossa experiência democrática, naturalmente, utilizo a metáfora do tecelão - juntando os fios de forma coordenada - para entender como chegamos a este estágio de desmoronamento do edifício democrático, um fenômeno que, conforme já observamos, se consolida em vários quadrantes do planeta, com a ascensão de grupos ultradireitistas e seu receituário brutal de violência física e simbólica contra indivíduos, grupos e movimentos sociais que se lhes opõem.
Numa quadra de normalidade democrática, ainda se podia falar em adversários. Hoje, não mais. Nestes dias bicudos de retrocesso autoritário, adversários tornaram-se inimigos a serem eliminados. A entrevista de Maria Luiza é longa e densa, envereda por alguns pontos nevrálgicos da realidade brasileira pós-democracia e pós-verdade, mas antecipo apenas um ponto, deixando os demais para as discussões desses editoriais pelas próximas semanas. O ponto que gostaria de destacar em sua entrevista diz respeito à participação de setores ou agentes públicos ligados ao poder judiciário nas tessituras de caráter autoritário. Lá para as tantas, categoricamente, Maria Luísa, observa que em todas as ditaduras do século XX o poder judiciário sempre teve uma participação efetiva, corroborando com os achaques e assédios ao Estado Democrático de Direito e, consequentemente, à democracia.
No Brasil, como já observamos por aqui noutra ocasião, essa brincadeira de mau gosto começou "inocentemente", com a figura do domínio do fato, que condenou indivíduos sem provas, sem a prerrogativa inalienável da presunção de inocência, tampouco respeitando o direito ao contraditório. Ali começou o descaminho jurídico que culminou com as aberrações hoje denunciadas pelos vazamentos dos áudios do site The Intercept Brasil, onde se evidenciam nitidamente o componente dos acordos políticos determinando decisões que estão longe de atenderem aos requisitos jurídicos mínimos para a condenação de um réu. Como diria o falecido juiz Teori Zavascki, são métodos medievalescos, ao se referir às práticas recorrentes de se encarcerar um provável delator, contingenciando-o a fazer delações dirigidas, orientada para fins específicos, beneficiando-os em termos de redução de pena e manutenção de patrimônio amealhado de forma duvidosa. Um tribunal de exceção sem qualquer sombra de dúvidas. E olha que o membro da Suprema Corte sequer tomou conhecimento sobre esses áudios ainda em vida.
A onda fascista ensandecida deixa seus rastros por onde passa. No Brasil, a cada 16 horas um homossexual é assassinado. Neste último final de semana, perdemos o militante da causa LGBTQIA+, o professor Sandro Cipriano, da Serta, uma ONG que trabalha com tecnologias alternativas e inovadoras para enfrentar os problemas do semiárido nordestino. Não raro, levava os nossos alunos para conhecerem este trabalho. Militante da causa na região, tudo leva a crer que se trata de mais um caso de crime de homofobia. Ele havia se queixado com os colegas e amigos, dias antes, de sofrer hostilidades motivadas por sua orientação sexual.
E, por falar em hostilidades, mais um caso, desta vez do Norte, da terra do tio Trump. Depois daquele acidente envolvendo pai e filha que tentavam fazer a travessia do Rio Grande, na fronteira entre o México e os Estados Unidos, o chargista Michel Adder resolveu fazer uma charge sobre o tema, onde aparece o presidente Trump jogando golf, ao lado dos corpos inertes, perguntando: Se importam se eu continuar o jogo? Num rompante de intolerância, o chargista registra retaliações sofridas pelos órgãos de imprensa que publicavam suas charges. Noutros tempos, os homens do traço eram poupados até por sanguinários ditadores. Nesses tempos de cólera, surreais, tanto no Brasil como em países estrangeiros, ninguém está imune à sanha persecutória. Ninguém mesmo. Nem os criativos chargistas.
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