É de um grande estudioso, de confissão presbiteriana, a
tese de que a recepção do Cristianismo reformado no Brasil foi muito
prejudicada pelo conservadorismo, já que veio na bagagem missionária de
religiosos americanos batistas com o zelo catequético, sem muito espaço
para a liberdade de consciência que caracterizou a grande reforma
cultural de Martinho Lutero na Europa. Ao contrário da revolução que
representou na constituição da subjetividade humana, na constituição do
capitalismo e nas origens dos valores democráticos do Ocidente, entre
nós, a chegada da Igreja reformada já veio subsumida a objetivos
catequéticos, comunitários e sociais. Perdeu-se a principal conquista da
reforma protestante na História: a criação do indivíduo e da
subjetividade moderna, com a chamada liberdade de consciência e o
livre-exame das escrituras sagradas.
Entre nós, grosso modo, a Igreja
reformada divide-se entre um ramo de elite (mais rico e esclarecido) os
Presbiterianos, Anglicanos ou Episcopais; um segundo ligado às classes
médias, os batistas e um terceiro ramo, os pentecostais e
neopentecostais, associados ao povo, aos pobres, às pessoas mais
humildes. Longe de mim, que nem sociólogo sou, diminuir ou minimizar a
importância social dessas Igrejas na socialização das pessoas, sobretudo
de seus vínculos comunitários e na ética puritana do trabalho, pela
valorização a vida cotidiana como ascese religiosa.
No entanto, é preciso destacar duas características dessas
Igrejas que incomodam muito àqueles que não professam seus cultos e
dogmas. No que diz respeito às Igrejas pentecostais e neopentecostais, o
zelo missionário deu lugar a uma atitude fundamentalista, dogmática,
auto-suficiente que se traduz rapidamente em intolerância religiosa e
civil. Aqueles incréus e pagãos que não rezam pela sua cartilha estão
errados e serão condenados ao eterno fogo do inferno. Já no que tange à
certas igrejas episcopais, aí impera uma atitude de prepotência,
arrogância e desprezo pelos que não fazem parte da sua Igreja. Acham que
podem tudo, inclusive desrespeitar as leis do país e os mais comezinhos
direitos dos demais cidadãos "incréus".
Digo isso com tristeza, não com satisfação. Não sei como
juntar a grande transformação ética do Cristianismo com provas de
incivilidade, falta de urbanismo, cortesia e sensibilidade social.
Existe há muito tempo, uma igreja reformada no bairro dos Aflitos que
em tudo se parece com uma dessas casas de evento. O templo cristão foi
transformado em palco iluminado para a realização de festas, cerimônias e
atividades sociais. Acredito que remuneradas, dada a pompa e o glamour
dessas festividades mais sociais do que religiosas. Nesses dias de
glamour, a rua é praticamente interditada, com carros enormes sobre as
calçadas. Motoristas que dirigem na contramão de uma das principais
avenidas dos Aflitos, com a conivência de flanelinhas e dos dirigentes
da Igreja, que segundo se apurou, aproveita o prestígio e a posição
social de seus membros para "solicitar" às autoridades que abrandem a
fiscalização e as penalidades.
Ouviu-se, de um feita, de guardas da
Ciretran que estavam próximos ao templo, que estavam ali a serviço de
um casamento milionário, a pedido de um figurão ligado à Igreja, fosse
se queixar em outra freguesia. 0 cume de todos esses abusos impiedosos e
não cristãos foi a realização, no sábado passado, no estacionamento da
Igreja, a céu aberto, até às 22:00, de uma imenso, barulhento show
Gospel, procedido de culto de Louvor e tudo. A vizinhança sofreu, sofreu
muito com o estrondoso som das guitarras elétricas, bateria e outros
instrumentos. De nada adiantou reclamar do incômodo da vizinhança e da
poluição sonora, em zona residencial, a céus aberto, noite à dentro. A
resposta dos "maurícios" e suas acompanhantes era de que a Igreja tinha
obtido permissão (de quem?) para realizar a algazarra pseudo-religiosa,
até as 22:00, com música, e até as 24:00 sem música.
É de se clamar aos céus como é possível que pessoas que se
dizem cristãs (e ricas materialmente) não possuem o menor senso de
respeito pelos outros, pelo sossego alheio. Essa fé deve ser produto da
arrogância social, com o auto-convencimento religioso e da necessidade de
exposição pública. Que Deus, Alá, Buda, Confúncio tenha condescedência
com esses fariseus, ou como dizia Cristo, sepulcros caiados.
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE





![""Contando o passado, tecendo a saudade"
Acabo de receber o livro de @[100004950820506:2048:Diego Fernandes], "Contando o passado, tecendo a saudade". Como sou um homem de raízes; do Cariri; do cacto retorcido; do calango se arrastando pela terra quente; da carne de sol "chorando" sobre o braseiro; do suco de araçás silvestres; do mel de engenho com cuscuz; da cana braba com coxas de arribaçãs;de todo o universo conhecido como Nordeste Brasileir. Logo me interessei pelo trabalho de Diego Fernandes, orientado pelo professor @[1753643986:2048:Durval Muniz Jr]. Ambos, orientador e orientando, realizaram suas pesquisas utilizando o acerco da Fundação Joaquim Nabuco. A Fundação Joaquim Nabuco tem um dos acervos mais importantes do país. Como costumo enfatizar, independentemente de questões ideológicas, ele vai do PCB à rede Globo, passando por Josué de Castro. Durval é um habitué da Instituição. Seja como pesquisador, seja como agraciado com premiação - sua dissertação de mestrado recebeu o prêmio Nelson Chaves - seja como palestrante, seja como consultor para "assuntos de Nordeste", o que não se constitui, convenhamos, numa tarefa simples. Ainda não li o livro, mas, o que mais me impressiona nele é que se trata de um dos primeiros resultados de um grupo de estudos constituído pelo professor para estudar a saudade. Aliado ao universo de José Lins, que embalou minhas leituras de adolescentes, essa questão da "saudade" também nos instigou à leitura do trabalho de Diego. O @[100001561133882:2048:Museu DoHomem DoNordeste], da Fundação Joaquim Nabuco, teve sua primeira exposição e longa duração montada em 1979, realizada com um grande esforço dos seus servidores, concebida a quatro mãos, pelo museólogo Aécio de Oliveira e o sociólogo @[103154269725070:274:Gilberto Freyre]. Inegavelmente, mesmo que anpassant, você encontra - dizem os estudiosos do assunto - as digitais de Aécio de Oliveira. Diria que apenas do ponto de vista da museologia. Do ponto de vista do discurso ideológico, torna-se irrefutável, a presença onipresente do sociólogo Gilberto Freyre ou, mais precisamente, da sua "brasilidade nordestina", para lembrar um termo muito ao gosto do professor @[100004563044615:2048:Michel Zaidan Filho]. Ali existia, sobretudo, a leitura e o discurso da aristocracia açucareira sobre a região Nordeste. Não exista a luta de classes; não existia as contradições sociais; não existia os movimentos sociais; frações ou segmentos sociais estavam suprimidos de representação naquele espaço. Ainda lembro do grande impacto produzido por uma bandeira do MST naquele circuito expositivo, quando se sabe que aqui na região concentra-se uma forte presença do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra. Em 2008, com a exposição: "Nordestes: Territórios Plurais, Culturais, Direitos Coletivos" fez-se uma tentativa de superação desse discurso constituído sob o olhar da Casa Grande. Há alguns questionamentos sociais sobre se o projeto teria sido bem-sucedido. Na nossa modesta opinião foi, embora essa visão "bipolar" da nossa sociedade, em certa medida, nos deixem de alcançar a real dimensão dos problemas. Pude constatar isso com as aulas da professora Danielle de Peron Rocha Pitta. Tivemos uma participação importante nesse processo, sobretudo quando esteve em debate a inserção das comunidades quilombolas no circuito expositivo do MUHNE. Mas, o que nos inquieta é que as pessoas passaram a sentir "saudades". Não raro, os visitantes deixam registros desses sentimentos, informando que gostariam de ver na exposição um determinado acervo relativo, quase sempre, ao período do apogeu dos engenhos de cana-de-açúcar na região. Em palestra na sala Calouste Gulbenkian, Durval já nos alertava sobre a necessidade de clivagens sobre o "resgate desse passado". Aliás, lembrava ele, resgate é coisa de SAMU ou do Corpo de Bombeiros. Por outro lado, é fundamentalmente importante intender o que significa essa tal "saudade". Projetos como o que o professor está desenvolvendo - dos quais esse livro é o primeiro fruto - talvez nos ajudem a entender melhor essa questão. Vamos começar pela leitura do livro do Diego Fernandes. Um bom começo."](https://fbcdn-sphotos-c-a.akamaihd.net/hphotos-ak-xpa1/v/t1.0-9/p296x100/11081288_916998098344224_3064663705361610628_n.jpg?oh=95cb4e0f651c96aba7bd1ee5d0381b93&oe=55A5102B&__gda__=1437897421_549f240340f4bb1d476a08a833edf831)