No livro “A identidade cultural na pós-modernidade”, escrito pelo
antropólogo jamaicano Stuart Hall, há um exemplo bastante elucidativo para compreendermos
a diluição do conceito de identidade na pós-mordernidade, notadamente naquilo que
concerne a uma espécie de descentramento do indivíduo. Ali para tantas, Hall
cita o ex-presidente Norte-americano, George Bush, no momento em ele
imagina ter construído uma estratégia de mestre, ao nomear um juiz negro, Clarence Thomas, para a
suprema corte americana. Um juiz negro, porém conservador no tocante às
políticas de igualdade raciais. A cor negra talvez levasse muitos eleitores
negros a se identificarem com a indicação. O fato de ser conservador no tocante
aos direitos da etnia negra, por sua vez, não afugentaria os eleitores
conservadores negros e, possivelmente, os de maioria branca. Quando dos debates no Senado
para consolidar a indicação, observa Hall, descobriu-se uma denúncia, formulada
por uma mulher negra e de status social modesto, acusando-o de um suposto assédio sexual.
Como se comportaria, agora, as feministas e não feministas? mulheres brancas, conservadoras, não feministas e ricas?
Como se comportaria o eleitorado formado por homens brancos, machistas, orientados por um comportamento racista?
Esse enredo criado pelo antropólogo Stuart Hall também
nos remetem aos estudos do cientista político polonês, Adam Przeworski, sobre o
que determina o voto do eleitorado, a partir da sua condição social, política
econômica, religiosa. Ele propõe um dilema: um eleitor evangélico, militar e
microempresário se inclinaria mais a votar num candidato de perfil evangélico
ou naquele candidato que oferecesse melhores condições para a atuação e crescimento do seu
negócio, como a diminuição de impostos e menos burocracia, por exemplo? Qual dessas condições seria mais
determinante na definição do seu voto? Pensei bastante neste assunto quando
surgiram as primeiras matérias em torno da surpreendente performance do
ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, nas pesquisas de
intenção de voto, onde ele, mesmo não admitindo a candidatura, aparece com o
índice nada desprezível de 10%.
A biografia e a trajetória do ex-ministro
Joaquim Barbosa, como se sabe, seria capaz de dar um nó ainda mais difícil de
desatar do que o proposto como exemplo no livro do antropólogo jamaicano Stuart
Hall. Joaquim Barbosa é negro, de origem humilde, que conseguiu realizar uma
brilhante carreira no campo jurídico. Mesmo com o seu respeitável currículo não
chegaria à Suprema Corte sem uma indicação do PT, ou, mais precisamente, como
uma escolha pessoal do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que recomendou
a Márcio Thomaz Bastos, à época seu Ministro da Justiça, que escolhesse um juiz negro
para a indicação. Lula quebrou um longo tabu no STF. Mas, por uma dessas
idiossincrasias da vida, Joaquim Barbosa constituiu-se num dos mais ferrenhos
opositores do PT, levando o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos a
apontá-lo como um dos principais expoentes do golpe parlamentar de 2016, quando
reforçou juridicamente a figura do domínio do fato, condenando os petistas no
processo do mensalão. Para Wanderley, Joaquim escancarou as porteiras jurídicas para a consolidação do golpe.
Neste contexto político que atravessamos - uma espécie de esquizofrenia coletiva -, ele agiganta-se junto a um estrato do
eleitorado que o enxerga como um paladino da moralidade, um juiz implacável
contra a corrupção. Sabe-se também do seu comportamento pessoal intempestivo,
furioso em alguns momentos. Gilmar, que já provou dessa bílis que o diga. Num
país onde a democracia racial é apenas um devaneio de um certo sociólogo pernambucano do
bairro de Apipucos, no Recife, há de se fazer muitas indagações sobre o
comportamento do eleitorado em relação a uma possível candidatura do senhor
Joaquim Barbosa. A começar sobre quem são esses eleitores que já lhes conferem
10% das intenções de voto.
Como reagiriam os “coxinhas” diante dessa eventual
candidatura? Em sua maioria eles são formados por estratos médios, altos, identificados
com uma elite escravocrata, conservadora e com um ódio visceral aos pobres. O
eleitor negro teria uma identificação “natural” com Joaquim Barbosa? E quanto
ao eleitor negro, instruído e politizado, que conseguiu o maior
reconhecimento dos seus direitos justamente no Governo do PT? O eleitor negro e
pobre, certamente os mais beneficiados pelas políticas redistributivas de renda
da era petista, como se comportaria em relação a esta candidatura?
Naturalmente, não posso responder a nenhuma dessas questões no momento, mas
elas estão aqui postas como uma provocação para pensarmos sobre os possíveis efeitos de uma eventual
candidatura do senhor Joaquim Barbosa nas próximas eleições presidenciais de
2018, se, de fato, elas vierem a ocorrer, uma vez que o timing político que
enfrentamos não é nada alvissareiro.
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