pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO: Editorial: Democracia decapitada: Em torno de um nome de auditório, em torno da estátua de Borba Gato.
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segunda-feira, 2 de agosto de 2021

Editorial: Democracia decapitada: Em torno de um nome de auditório, em torno da estátua de Borba Gato.





Há uma semana atrás, o país foi sacudido por uma grande mobilização nacional em torno de uma pauta progressista, cuja agenda preconizava a defesa das garantias constitucionais da democracia, além de medidas sanitárias mais efetivas para o enfrentamento da pandemia da Covid-19. Nesta manhã de domingo, dia primeiro de agosto,  os partidários do presidente Jair Bolsonaro foram às ruas para defender, entre outras questões, o tal do voto impresso, uma discussão que tem esticado a corda entre os poderes Executivo e Judiciário. Ambas mobilizações fazem parte de um exercício perfeitamente concebível num regime democrático, desde que não se atente, naturalmente, contra os seus alicerces fundantes, ou seja, as garantias das regras do jogo do próprio regime democratico. 

É preciso ter muita responsabilidade em relação a esses princípios, que não podem ser violados pelos atores políticos que os integram. É o preço que precisa ser pago, no contexto de um regime que tem suas falhas, seus problemas, mas, como recomenda uma máxima, é, talvez, o menos ruim entre os piores modelos de governança entre os homens... e entre as mulheres também, antes que nos acusem de misogenia. A democracia é o regime do argumento, do convencimento, da persuação. Daí, por exemplo, a polêmica gerada em torno da destruição da estátua do bandeirante Borba Gato, mesmo em se considerando o seu status de capataz da classe dominante, de capanga dos ricos, de perseguidor e matador de negros e indígenas. 

Aliás, esta é uma tendência mundial, principalmente depois das mobilizações promovidas pelo movimento Vidas Negras Importam, que desencadeou uma onda de destruição de monumentos em homenagem à personalidades que estiveram organicamente vinculadas ao tráfico e ao genocídio de negros e índios. Uma "onda' que começou em solo norte-americano, e já se espalha pelos cinco continentes, suscitando discussões acaloradas em torno do assunto, inclusive entre os museus históricos e antropológicos que tem, entre as suas missões, construir uma narrativa sobre essas etnias em seus circuitos expositivos. Aqui, inclusive, abre-se um campo bastante fértil para uma "Museologia da Reparação', uma discussão teórica que ganha musculatura nesses tempos bicudos que enfrentamos. 

Os mais radicais advogam que essas memórias devem ser destruídas, mas há grupos de perfil progressista e menos radicais que advogam que tais monumentos devem ser preservados, simbolicamente associados a um passado sombrio, como é o caso da estátua de Edward Colston, um famoso traficante de escravos inglês, que foi retirada do mar, mais colocado numa instituição museológica na sua posição mais adequada, ou seja, deitada no chão, no aguardo de um plebiscito popular que deverá definir o futuro do seu passado. Talvez não fosse o caso de simplesmente destruir essas referências históricas, mas encontrar uma "solução expositiva" que dê conta desse passado sombrio e permita às novas gerações, pedagogicamente, entender, o que, de fato, eles representaram para a humananidade. 

A linha argumentativa acima talvez explique uma polêmica recente, ocorrida aqui no Estado de Pernambuco, em relação à proposição da troca do nome de um auditório do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco, em homenagem a um professor daquele centro, vinculado à ditatura militar instaurada no país com o golpe civil-militar de 1964. Os professores ficaram dividos em relação ao assunto, mesmo em se tratando de um dos departamentos mais progressistas da Instituição, muito identificado com o educador Paulo Freire, que, naqueles idos, integrava o MCP, cujo homenageado no nome do auditório, foi um dos interventores e, segundo o pesquisador, Evson Malaquias, moveu moinhos para apagar o seu legado para a educação brasileira.  

Repercutiu bastante na imprensa pernambucana - e entre os professores e professsoras daquele Centro - um artigo do professor aposentado Flávio Henrique Brayner, defendendo a manutenção do nome do auditório, argumentando sobre o caráter pedagógico de se preservar essa 'memória autoritária', quem sabe, levando a uma reflexão necessária acerca das fragilidades de construção de nosso tecido democrático. O passado, argumento o professor, não é algo apenas do pertencimento das classes oprimidas. Ele também pertence aos opressores, quer gostemos ou não. Neste caso, convém às futuras gerações com as quais o professor demonstra estar preocupado, uma consideração deste humilde escriba: Que tal acrescentarmos um aposto: Auditório Fulano de Tal, interventor do Movimento de Cultura Popular? Como observava Adorno, isso talvez ajude a adiar a repetição de catástrofes que já aconteceram. 

 

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