Não costumo
acompanhar os noticiários de uma determinada rede de TV, mas tive a curiosidade
de observar sua cobertura local sobre os últimos protestos ocorridos no Recife.
Sem nenhuma surpresa, a edição dos noticiários
correspondeu exatamente ao que se esperava, ou seja, uma ação deliberada no
sentido de desacreditar os manifestantes, adjetivando-os de vândalos, baderneiros,
depredadores do patrimônio público e privado ou coisas afins. Um direcionamento
explícito no sentido de criminalização do movimento. Em nenhum momento seus
repórteres invocaram sobre o que estava em jogo, ou seja, reivindicações
legítimas de uma população cujos direitos estão sendo aviltados pelo Estado, ou
a leniência do poder Legislativo em encaminhar corretamente suas demandas. Para
completar o circuito, uma longa entrevista com os responsáveis pela Segurança
Pública do Estado, "tranquilizando" o establismment sobre as providências que deverão ser adotadas no
sentido de coibir a ação desses "baderneiros".
Poderíamos
invocar aqui uma série de teorias a respeito do papel da grande mídia nesses
episódios que sacudiram o país desde Junho. Convocaríamos Gramsci, Louis
Althusser e Noam Chomsky para sentarem à mesa, mas os leitores, certamente bem
informados, já estão familiarizados com essas teorias. Posso assegurar que o
cardápio seria mais modesto do que o adquirido pelo Palácio da Abolição
(Ceará), que incluía até bolinhas de salmão com caviar, uma orgia gastronômica
que custará R$ 3,5 milhões aos cofres públicos. Uma tradicional buchada,
servida no Bar de Dona Maria, no Mercado de Santa Cruz, possivelmente, deixaria
esses teóricos lambendo os beiços.
Duas
coisas em particular nos preocupam. Uma delas diz respeito à postura das
autoridades da área de Segurança Pública do Estado. Estão batendo cabeça no que
concerne a essa questão e isso é muito grave. Sinceramente, desejo todo o
equilíbrio ao governador Eduardo Campos, neste momento, para manter a situação
sob os rígidos padrões do Estado de direito. Muito calma nessa hora para a
carruagem não sair dos trilhos, reproduzindo o que vem ocorrendo no Rio de
Janeiro, onde o prestígio do governador Sergio Cabral ficou mais baixo do que
poleiro de pato, depois de chacinas e "desaparecimentos", dignos dos
momentos de rupturas institucionais.
Em
certo momento, a polícia se diz surpresa com a ação dos manifestantes, mas ora
diz saber quem seria o responsável, identificando cabalmente a liderança dos
mascarados. As ações excessivas, aquelas relacionadas a depredações do
patrimônio público, como o incêndio a uma moto da CTTU, foram praticada por
pessoas que não estavam utilizando máscaras, como mostra as imagens amplamente
divulgadas.
A
solução proposta pela SDS, portanto, foi a de proibir o uso de máscaras durante
os protestos, algo que nos parece, juridicamente, não encontrar nenhum respaldo.
Há registro de casos, durante os
protestos que ocorrem a partir de junho, onde a polícia infiltrou-se entre os
manifestantes ou agiu sem identificação, o que, aí sim, contraria os preceitos
legais. Por falar em ordenamento democrático, no que diz respeito aos episódios
recentes, surgem nas redes sociais uma série de informações que, se
confirmadas, dão uma demonstração de que o governador precisa ficar mais atento
às ações do aparato de segurança pública do Estado, sob pena de ser acusado de
ser omisso, arbitrário, truculento ou mesmo conivente, o que seria mais grave.
O jovem que foi atingido por uma bala de borracha no rosto estaria sendo vítima
de constrangimentos e ameaças após registrar um BO. Ele, que costuma realizar
reuniões de monitoramente com os seus subordinados, precisa intensificá-las.
Um
outro episódio nebuloso envolve o incêndio a um ônibus, nas proximidades da Rua
do Príncipe. Neste caso em particular, louve-se o trabalho dos agentes e
delegados que estão diretamente envolvidos na elucidação dos fatos. Há indícios
de que um bandido conhecido pela polícia como “Cinquentinha” teria recebido
dinheiro de uma pessoa não identificada para praticar o ato, o que sugere
várias possibilidades, inclusive uma ação deliberada no sentido de sabotagem
das manifestações organizadas, entre outros, pelo Black Bloc, tentando responsabilizá-los
pelo ato. Muita coisa ainda precisa ser esclarecida sobre esse episódio.
Comenta-se, igualmente, que várias quantias de R$ 150,00 teriam sido
distribuídas entre os diretamente envolvidos com o incêndio do coletivo.
A
violência é uma constante em nosso cotidiano. Algumas ações de violência -
inclusive as perpetradas pelo Estado passam incólumes entre os porta-vozes das
classes dominantes, como a violência funcional, aquela praticada para garantir
os privilégios e a "ordem burguesa", seja pelos agentes do Estado ou
até por grupos clandestinos ao seu serviço. Muito interessante as postagens das
redes sociais sobre a violência simbólica, traduzida por eles como verdadeiros
atos de “vandalismo”, como a ausência de escolas públicas decentes, hospitais
públicos deficitários, mobilidade caótica e coisas do gênero. Por falar em
mobilidade, verdadeiros atos de vandalismo estão ocorrendo com o trânsito do
Recife. As Av. Cabugá, Agamenon Magalhães, Norte e a Estrada de Belém, nas
proximidades da Encruzilhada, estão completamente “travadas” nas primeiras
horas da manhã. Um percurso pequeno, entre a Av. Getúlio Vargas, em Olinda, e a
Av. Agamenon Magalhães, nas proximidades da McDonald’s, leva-se mais de uma
hora. Um verdadeiro massacre.
Ninguém
parece se importar com os negros e pobres massacrados nos bairros periféricos
cotidianamente. Agora, quando a violência das classes subalternas ultrapassam
os limites “impostos”, constituindo-se como uma violência disfuncional, dessas
que depõem contra a ordem estabelecida, aí sim as coisas mudam completamente de
configuração, taxando-se de vandalismo tudo aquilo que se contrapõe a ordem
burguesa, como afirma o professor Lincoln Secco, em brilhante artigo publicado no
Viomundo.
Outro
aspecto que nos chama atenção é a proposta do Black Bloc, marcadamente
orientada pela democracia direta, anticapitalista, cujos símbolos mais vistosos
dos seus ataques são as instituições bancárias e concessionárias de automóveis.
Não acreditam nos partidos e muito menos nas instituições da democracia representativa
burguesa, com o prestigio – não sem motivos – sensivelmente abalado. Que eles
não nos representam parece óbvio. Representam, na realidade, em sua maioria, interesses
corporativos e personalistas, se locupletando da máquina pública para desvios,
desmandos, tráfico de influência, enriquecimento ilícito e coisas do gênero.
Ocorre, entretanto, que fora desse arcabouço institucional deficiente, as
soluções não são as melhores, algumas delas historicamente inviáveis. Seria
fundamentalmente importante, criarmos mecanismos de aperfeiçoamento dessas
instituições e de controle efetivo da gestão pública, minimizando essas
possibilidades de subversão dos interesses de natureza republicana.
Igualmente
espantoso é a leniência dos poderes republicanos em relação às demandas
encaminhas pelas mobilizações de rua. O que é que efetivamente mudou desde
então? Em alguns casos, os governantes chegaram a pilheriar essas mobilizações,
numa atitude de profundo desrespeito com a população. O “rancor” e a indignação
dos jovens estão nas ruas novamente, prometendo –se um “Setembro Negro”,
criando cenários perigosos que poderiam ser perfeitamente evitadas se houvesse
o compromisso efetivo, por parte dos nossos legisladores e gestores, no sentido
de responder satisfatoriamente a essas demandas. O maior perigo, como já
advertiu um articulista, é que fica evidente que a direita está indo às ruas
pela porta da esquerda.
José Luiz Gomes
(Cientista Político)
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