pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO. : Francisco Julião, cabra marcado na luta pela terra e pelos direitos do homem do campo.
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sexta-feira, 11 de julho de 2014

Francisco Julião, cabra marcado na luta pela terra e pelos direitos do homem do campo.



FRANCISCO JULIÃO, CABRA MARCADO NA LUTA PELA TERRA E PELOS DIREITOS DO HOMEM DO CAMPO.

José Luiz Gomes escreve

                    Há algumas memórias que não se dissipam com o tempo. Algumas referências tornam-se emblemáticas em nossas vidas. Uma delas é aquela figura franzina, de olhar penetrante, cabelos em desalinhos, carismática, quase mítica, de Francisco Julião. Falecido em 1999, está presente em nosso imaginário, sempre que somos acionados pelos conflitos no campo. Começamos a nos interessar pelas Ligas Camponesas nos primeiros anos dos bancos do CFCH, da UFPE, embora estejamos longe de nos colocar-nos como um especialista no assunto. Por falar nas lembranças, nos ocorre agora, nitidamente, uma aula do professor Flávio Brayner, onde ele relatava as precárias condições de vida do homem do campo, um pouco antes da agudeza do conflito com os interesses dos grandes proprietários de terra.
                        O problema, como sempre, não se resume à concentração da terra em grandes latifúndios, mas, sobretudo, em relação aos danos ambientais, econômicos e sociais daí decorrentes. É neste aspecto que o conceito de “reforma agrária” merece uma reflexão bem mais aguda, conforme proposta de alguns autores. Pesquisas recentes continuam apontando os gravíssimos danos sociais proporcionados, ainda, pela cultura canavieira em nosso Estado, sobretudo nos períodos de entressafra, como os altos índices de prostituição infantil na Zona da Mata, o desemprego, alcoolismo, degradação ambiental, a violência contra os jovens (sobretudo, negros), os acachapantes índices de aproveitamento escolar.
                        Brayner, lembrava que, naquela época em que as Ligas foram fundadas, na década de 50, um dos problemas que mais incomodavam e indignavam os camponeses era o ritual do enterro, onde, invariavelmente, era utilizada uma rede. O camponês era jogado numa cova rasa e a rede era reutilizada. Por incrível que possa parecer, essa foi uma das principais preocupações dos líderes camponeses que resolveram fundar a Liga.
                        Personalidade singular na luta pela terra e o reconhecimento dos direitos do homem que nela trabalhava, Francisco Julião envolveu-se em muitas polêmicas, como se poderia supor. O establishment sempre o tratou como um agitador, figura ligada ao revolucionário Fidel Castro. Apesar de suas fotos ao lado do líder da Revolução Cubana, salvo engano em visita oficial à ilha, assim como Fidel, na realidade, Julião nunca foi comunista. Era um líder, ativista dos direitos humanos, um militante político e advogado dos camponeses. Ao lado de Otávio Mangabeira, inclusive, figura entre os autênticos socialistas que fundaram o PSB, hoje um partido que rasgou seu estatuto em função das conveniências políticas de suas lideranças.  
                        Esteve diretamente envolvido com as Ligas Camponesas desde a sua fundação, mas como advogado, como adverte em livros. Na realidade as Ligas foram fundadas por um conjunto de camponeses com militância política e alguma experiência sindical, que o convidaram para ser o advogado da entidade, proposta aceita de pronto. Salvo engano, por essa época, Julião era deputado.
                        Nem comunista e muito menos marxista. Na realidade, um “chardinista”, que seguia a orientação de Teilhard de Chardin, teólogo progressista da Igreja Católica. Ontem, em comentário aqui no blog, alguém contestou uma nota da Comissão Pastoral da Terra, onde sua direção reconhecia a luta do ex-deputado Plínio de Arruda Sampaio, falecido recentemente, sempre em favor do homem do campo. Como dizem os matutos, em relação a Francisco Julião isso é nódoa de caju. Não sai. Já em relação a Plínio, por maior que seja o nosso respeito por ele, surgem controvérsias sobre esse envolvimento tão orgânico em ralação à luta pela terra. Em razão disso, uma questão que nos vem à mente: qual a relação da CPT com Francisco Julião, que tinha entre seus suportes teóricos um membro do clero progressista?
                        Pelos idos de 1964, ano do Golpe Civil-Militar, a situação era bastante conturbada no campo. Os militares concentraram muitos esforços aqui Nordeste, sobretudo na região da Zona da Mata, precisamente na cidade de Vitória de Santo Antão, onde se previa o estopim de um possível foco de guerrilha, nos moldes do foquismo guevarista da Sierra Maestra. Na realidade, a “invasão dos cubanos” somente ocorreria 60 anos depois, para cumprirem uma missão social das mais importantes, através do Programa Mais Médicos, do Governo Federal. A população carente daquele município agradece, mas a resistência de uma elite torpe ainda é flagrante, mesmo decorridas seis décadas depois.
                        Através do documentário “Cabra Marcado Para Morrer”, Eduardo Coutinho reconstrói aqueles dias marcados, na realidade, pela estupidez e torpeza de militares que atentaram contra a vida de camponeses que lutavam, tão somente, pelo direito à terra e o reconhecimento de sua condição de cidadania. Esse documentário é sempre exibido em nossas aulas. Alguns camponeses que estiveram diretamente envolvidos com aqueles episódios de 1964 ainda estão vivos. São recatados senhores que entraram na lei de crente e preferem o silêncio.
                        Interrompido durante aqueles anos turbulentos, o documentário de Coutinho apenas seria retomado muitos anos depois. Na realidade, apesar da forte presença dos acontecimentos pernambucanos da época, trata-se de um documentário sobre a vida de João Pedro Teixeira, um líder camponês de Sapé (PB), assassinado a mando do latifúndio. Uma curiosidade que nos ocorre – vamos correndo comprar o livro de Cláudio Aguiar – é: qual a relação de Julião com o líder camponês assassinado? Durante um período de sua vida, fugindo dos seus algozes, João Pedro esteve em Pernambuco, trabalhando no Engenho Massangana, um espaço cultural hoje administrado pela Fundação Joaquim Nabuco.
                        Na condição de governador do Estado da Paraíba, Ricardo Coutinho transformou a antiga residência de João Pedro Teixeira num Museu em sua homenagem. Uma espécie de Museu das Ligas Camponesas. Iniciativa do gênero também foi tomada aqui em Pernambuco em relação ao Engenho Galiléia, mas desconfio que não com o mesmo empenho oficial, o que é um fato profundamente lamentável. Pelo relato dos nossos alunos, o antigo engenho vivia, até recentemente, abandonado pelo poder público.
                        Francisco Julião passou um período de sua vida exilado no México, por imposição de um exílio forçado pelos militares, onde faleceu em 10 de Julho de 1999. Era muito ligado ao ex-governador Miguel Arraes, com quem chegou a fazer traduções quando estiveram presos juntos. Uma filha sua, Anatailde de Paula Crêspo, trabalhou durante muitos anos como pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco. Trocamos muitas idéias pelas redes sociais com um dos seus filhos, o Anatólio Julião, que possui, além de outras qualidades, uma verve de ativista político midiático de primeira linha. Anacleto, outro dos seus filhos, também é um freqüentador assíduo dos jardins da Fundaj. Possivelmente em razão da educação recebida pelo pai, sobressai-se entre eles, observado em pequenos gestos, muita solidariedade e sensibilidade social.  
                        O livro biográfico de Cláudio Aguiar sobre o líder das Ligas Camponeses, o deputado, o escritor, o agitador – “afinal, até remédio se agita antes de ser tomado” – será lançado no dia 16 de Julho, na livraria cultura do Passo Alfândega, às 19:00 horas, uma Quarta-Feira, coincidentemente, uma referência importante na vida de Julião: uma carta escrita para uma de suas netas, Isabela, informando-a que ele estaria voltando do exílio para a sua convivência numa Quarta-Feria. Contamos com a presença de todos. Certamente, algumas das questões invocadas acima, poderão ser respondidas com a narrativa de Cláudio Aguiar.  

P.S: Na realidade, conforme alertou Anatólio Julião - um dos filhos de Francisco Julião - Isabela é sua irmão, também filha de Francisco e não neta, como foi dito no texto. 

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