FRANCISCO
JULIÃO, CABRA MARCADO NA LUTA PELA TERRA E PELOS DIREITOS DO HOMEM DO CAMPO.
José Luiz Gomes escreve
Há algumas memórias que não se
dissipam com o tempo. Algumas referências tornam-se emblemáticas em nossas
vidas. Uma delas é aquela figura franzina, de olhar penetrante, cabelos em desalinhos,
carismática, quase mítica, de Francisco Julião. Falecido em 1999, está presente
em nosso imaginário, sempre que somos acionados pelos conflitos no campo.
Começamos a nos interessar pelas Ligas Camponesas nos primeiros anos dos bancos
do CFCH, da UFPE, embora estejamos longe de nos colocar-nos como um
especialista no assunto. Por falar nas lembranças, nos ocorre agora, nitidamente,
uma aula do professor Flávio Brayner, onde ele relatava as precárias condições
de vida do homem do campo, um pouco antes da agudeza do conflito com os
interesses dos grandes proprietários de terra.
O problema, como sempre, não se resume à
concentração da terra em grandes latifúndios, mas, sobretudo, em relação aos
danos ambientais, econômicos e sociais daí decorrentes. É neste aspecto que o
conceito de “reforma agrária” merece uma reflexão bem mais aguda, conforme
proposta de alguns autores. Pesquisas recentes continuam apontando os
gravíssimos danos sociais proporcionados, ainda, pela cultura canavieira em
nosso Estado, sobretudo nos períodos de entressafra, como os altos índices de
prostituição infantil na Zona da Mata, o desemprego, alcoolismo, degradação
ambiental, a violência contra os jovens (sobretudo, negros), os acachapantes
índices de aproveitamento escolar.
Brayner, lembrava que, naquela época em que
as Ligas foram fundadas, na década de 50, um dos problemas que mais incomodavam
e indignavam os camponeses era o ritual do enterro, onde, invariavelmente, era
utilizada uma rede. O camponês era jogado numa cova rasa e a rede era
reutilizada. Por incrível que possa parecer, essa foi uma das principais
preocupações dos líderes camponeses que resolveram fundar a Liga.
Personalidade singular na luta pela terra e o
reconhecimento dos direitos do homem que nela trabalhava, Francisco Julião
envolveu-se em muitas polêmicas, como se poderia supor. O establishment sempre
o tratou como um agitador, figura ligada ao revolucionário Fidel Castro. Apesar
de suas fotos ao lado do líder da Revolução Cubana, salvo engano em visita
oficial à ilha, assim como Fidel, na realidade, Julião nunca foi comunista. Era
um líder, ativista dos direitos humanos, um militante político e advogado dos
camponeses. Ao lado de Otávio Mangabeira, inclusive, figura entre os autênticos
socialistas que fundaram o PSB, hoje um partido que rasgou seu estatuto em função
das conveniências políticas de suas lideranças.
Esteve diretamente envolvido com as Ligas
Camponesas desde a sua fundação, mas como advogado, como adverte em livros. Na
realidade as Ligas foram fundadas por um conjunto de camponeses com militância
política e alguma experiência sindical, que o convidaram para ser o advogado da
entidade, proposta aceita de pronto. Salvo engano, por essa época, Julião era
deputado.
Nem comunista e muito menos marxista. Na
realidade, um “chardinista”, que seguia a orientação de Teilhard de Chardin,
teólogo progressista da Igreja Católica. Ontem, em comentário aqui no blog,
alguém contestou uma nota da Comissão Pastoral da Terra, onde sua direção
reconhecia a luta do ex-deputado Plínio de Arruda Sampaio, falecido
recentemente, sempre em favor do homem do campo. Como dizem os matutos, em
relação a Francisco Julião isso é nódoa de caju. Não sai. Já em relação a
Plínio, por maior que seja o nosso respeito por ele, surgem controvérsias sobre
esse envolvimento tão orgânico em ralação à luta pela terra. Em razão disso,
uma questão que nos vem à mente: qual a relação da CPT com Francisco Julião,
que tinha entre seus suportes teóricos um membro do clero progressista?
Pelos idos de 1964, ano do Golpe Civil-Militar,
a situação era bastante conturbada no campo. Os militares concentraram muitos
esforços aqui Nordeste, sobretudo na região da Zona da Mata, precisamente na
cidade de Vitória de Santo Antão, onde se previa o estopim de um possível foco
de guerrilha, nos moldes do foquismo guevarista da Sierra Maestra. Na
realidade, a “invasão dos cubanos” somente ocorreria 60 anos depois, para
cumprirem uma missão social das mais importantes, através do Programa Mais
Médicos, do Governo Federal. A população carente daquele município agradece,
mas a resistência de uma elite torpe ainda é flagrante, mesmo decorridas seis
décadas depois.
Através do documentário “Cabra Marcado Para
Morrer”, Eduardo Coutinho reconstrói aqueles dias marcados, na realidade, pela
estupidez e torpeza de militares que atentaram contra a vida de camponeses que
lutavam, tão somente, pelo direito à terra e o reconhecimento de sua condição
de cidadania. Esse documentário é sempre exibido em nossas aulas. Alguns
camponeses que estiveram diretamente envolvidos com aqueles episódios de 1964
ainda estão vivos. São recatados senhores que entraram na lei de crente e
preferem o silêncio.
Interrompido durante aqueles anos
turbulentos, o documentário de Coutinho apenas seria retomado muitos anos
depois. Na realidade, apesar da forte presença dos acontecimentos pernambucanos
da época, trata-se de um documentário sobre a vida de João Pedro Teixeira, um
líder camponês de Sapé (PB), assassinado a mando do latifúndio. Uma curiosidade
que nos ocorre – vamos correndo comprar o livro de Cláudio Aguiar – é: qual a
relação de Julião com o líder camponês assassinado? Durante um período de sua
vida, fugindo dos seus algozes, João Pedro esteve em Pernambuco, trabalhando no
Engenho Massangana, um espaço cultural hoje administrado pela Fundação Joaquim
Nabuco.
Na
condição de governador do Estado da Paraíba, Ricardo Coutinho transformou a
antiga residência de João Pedro Teixeira num Museu em sua homenagem. Uma espécie
de Museu das Ligas Camponesas. Iniciativa do gênero também foi tomada aqui em
Pernambuco em relação ao Engenho Galiléia, mas desconfio que não com o mesmo
empenho oficial, o que é um fato profundamente lamentável. Pelo relato dos
nossos alunos, o antigo engenho vivia, até recentemente, abandonado pelo poder
público.
Francisco Julião passou um período de sua
vida exilado no México, por imposição de um exílio forçado pelos militares,
onde faleceu em 10 de Julho de 1999. Era muito ligado ao ex-governador Miguel
Arraes, com quem chegou a fazer traduções quando estiveram presos juntos. Uma
filha sua, Anatailde de Paula Crêspo, trabalhou durante muitos anos como
pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco. Trocamos muitas idéias pelas redes
sociais com um dos seus filhos, o Anatólio Julião, que possui, além de outras
qualidades, uma verve de ativista político midiático de primeira linha. Anacleto, outro
dos seus filhos, também é um freqüentador assíduo dos jardins da Fundaj. Possivelmente
em razão da educação recebida pelo pai, sobressai-se entre eles, observado em
pequenos gestos, muita solidariedade e sensibilidade social.
O livro biográfico de Cláudio Aguiar sobre o
líder das Ligas Camponeses, o deputado, o escritor, o agitador – “afinal, até
remédio se agita antes de ser tomado” – será lançado no dia 16 de Julho, na
livraria cultura do Passo Alfândega, às 19:00 horas, uma Quarta-Feira,
coincidentemente, uma referência importante na vida de Julião: uma carta
escrita para uma de suas netas, Isabela, informando-a que ele estaria voltando
do exílio para a sua convivência numa Quarta-Feria. Contamos com a presença de
todos. Certamente, algumas das questões invocadas acima, poderão ser respondidas
com a narrativa de Cláudio Aguiar.
P.S: Na realidade, conforme alertou Anatólio Julião - um dos filhos de Francisco Julião - Isabela é sua irmão, também filha de Francisco e não neta, como foi dito no texto.
P.S: Na realidade, conforme alertou Anatólio Julião - um dos filhos de Francisco Julião - Isabela é sua irmão, também filha de Francisco e não neta, como foi dito no texto.
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