Quando a seleção brasileira perdeu a Copa do Mundo realizada na França, o ex-ministro Rubens Ricúpero se saiu com uma que cabe como uma luva no atual estado de comoção da população brasileira: ele disse-: "Nós não sabemos perder!". Ganhar é sempre mais fácil na vida, do que perder. Ao vitorioso se concede tudo. Ao perdedor, o opróbrio. Na verdade, difícil é perder e ter a dignidade de reconhecer a derrota e os méritos do competidor. Existe, no Brasil, uma perigosa tendência de se superestimar as nossas capacidades (futebolísticas) e menosprezar a capacidade dos adversários. Os nossos cronistas esportivos, quando não falam o óbvio ululante, não narram. Torcem pelos nossos jogadores. E o técnico da Seleção, figura mais importante que o presidente da República, sempre está com a razão, mesmo quando está errado.
Faria bem a nacionalidade de chuteiras uma leitura atenta ao poema de Fernando Pessoa: Poema em linha reta. Diz o poeta: "arre! estou cheio de tanto semideuses, onde há humanos na face da terra...." Pelos menos, pessoas que tenham honestamente o senso da autocrítica, a humildade de dizer errei, estava errado etc. Não, entre nós, só sabichões, pessoas que nunca erraram nem no jogo do bicho. São campeões em tudo, sempre. São os cidadãos do curriculum vitae, campeões invictos em tudo na vida.
Naturalmente, um tal estado de espírito não faz bem a ninguém. Ser capaz de reconhecer os limites e as fraquezas é demasiado humano, muito humano. Gente que nunca teve medo, hesitação, ou angústia, é capaz de condenar milhões à morte sem pestanejar, em nome da ciência, da lei ou da normalidade. Desconfie dessas pessoas. São as mais perigosas.
Saber ganhar não é tripudiar sobre os despojos do derrotado - como fizeram alguns políticos em Pernambuco. Saber ganhar é ser magnânimo, generoso, cordial, compassivo. Ter o sentimento da tristeza do outro, se colocar na posição do outro e estender-lhe a mão. A população brasileira - instada nesses dias a pensar que tinha o melhor time da Copa e que seria hexacampeã, precisa entender a "elaborar o luto", como dizem os psicanalistas e a pensar que a vida é feita de vitórias e muitas derrotas. E que sempre é possível aprender (muito) com as derrotas. Mas aí, em lugar do curriculum vitae e a ideologia do sucesso a qualquer custo - precisa fazer o seu curriculum mortis e admirar o valor da autocrítica sincera.
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador e professor da Universidade Federal de Pernambuco
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