Um dos maiores nomes da literatura brasileira, que venceu em 2008 o Prémio Camões, morreu nesta sexta-feira, aos 73 anos.
O escritor João Ubaldo Ribeiro morreu nesta sexta-feira, aos 73 anos, na sua casa no Leblon no Rio de Janeiro, divulgou o jornal O Globo onde era cronista. O prémio Camões 2008 sofreu uma embolia pulmonar durante a noite. Autor de uma obra vasta, que engloba as culturas portuguesa, africanas e brasileira e com um alto nível literário, considerava-se discípulo de Jorge Amado. Os romances Sargento Getúlio e Viva o Povo Brasileiro são já considerados clássicos. Para o seu editor português, Nelson de Matos, era " um dos mais exímios manipuladores da língua portuguesa".
Neto e sobrinho de portugueses de Fafe, João Ubaldo Ribeiro nasceu na ilha de Itaparica, em 1941, viveu um ano em Lisboa, em 1981, graças a uma bolsa concedida pela Fundação Gulbenkian. Poliglota, estudou e formou-se nos Estados Unidos, Alemanha e França, era mestre em Ciências Políticas e também membro da Academia de Letras do Brasil desde 1993.
Quando lhe foi atribuído o Prémio Camões, o júri, que deliberou por maioria, era presidido por Ruy Espinheira Filho (escritor, jornalista e professor da Universidade Federal da Bahia) e incluía Maria Lúcia Lepecki (professora na Universidade de Lisboa), Maria de Fátima Marinho (professora na Universidade do Porto), Marco Lucchesi (professor na Universidade do Rio de Janeiro), João Melo (poeta e jornalista angolano) e Corsino Fortes (presidente da Associação de Escritores Cabo-Verdianos). Na sua decisão teve em consideração "o alto nível da obra literária de João Ubaldo Ribeiro, especialmente densa das culturas portuguesa, africanas e dos habitantes originais do Brasil", lia-se na acta.
Depois de uma infância marcada pelos estudos literários orientados pelo pai, João Ubaldo Ribeiro estreia-se aos 16 anos como jornalista no Jornal da Bahia, ainda antes de ingressar no curso de Direito, licenciando-se numa profissão que nunca chegará a exercer. Na universidade, toma parte nos movimentos literários estudantis, mas só em 1963 escreve o seu primeiro romance, Setembro não Faz Sentido (já depois de ter assinado vários contos), livro que seria editado dois anos volvidos, com o patrocínio de Jorge Amado.
Seguem-se Sargento Getúlio (1971), obra que lhe valerá a atenção da crítica e que viria a ser editado nos EUA oito anos depois. Sargento Getúlio, que recebeu o Prémio Jabuti para autor-revelação e que a crítica considerou ser herdeiro do melhor de Graciliano Ramos e de Guimarães Rosa, espantosamente só teve a primeira edição em Portugal no final de 2010. “É um livro que está aí há uns 40 anos e até hoje é publicado. Então, em alguma coisa eu acertei”, disse João Ubaldo Ribeiro quando participou na Festa Literária Internacional de Paraty, em 2011.
Essa divertida sessão na Festa Literária Internacional de Paraty foi conduzida por outro escritor brasileiro, Rodrigo Lacerda, que por email, pouco depois de saber a notícia, disse ao PÚBLICO que o autor de O Albatroz Azul era "um dos poucos escritores de talento excepcional" com quem conviveu directamente. "Mas, além do talento, sempre foi um modelo de artista para mim, pois era um homem capaz da mais alta erudição e, ao mesmo tempo, muito simples, que não via a literatura como o território do esnobismo, vício profissional infelizmente muito comum. Generoso com o leitor, portanto."
"Era talvez o único escritor que, hoje, no Brasil, mantinha viva a tradição barroca, a que na minha opinião melhor explora as riquezas plásticas e sonoras da nossa língua. Se me tornei escritor, foi por causa dele, ao ler Viva o Povo Brasileiro aos 15 anos. Esse ano comemoraríamos os 30 anos de publicação do livro, para o qual eu e o poeta Geraldo Carneiro escrevemos pequenos textos de apresentação (como se precisasse....). A edição comemorativa tinha lançamento marcado para Outubro/Novembro", acrescentou o autor de Outra Vida (editado em Portugal pela Quetzal).
Um dos grandes amigos de João Ubaldo Ribeiro, o escritor brasileiro Rubem Fonseca, prémio Camões 2003, autor de Agosto (ed. Sextante), do Brasil, através da sua filha a jornalista, escritora e editora Bia Fonseca do Lago, fez uma curta declaração ao PÚBLICO: "Estou sofrendo muito, é como se tivesse perdido um irmão."
João Ubaldo Ribeiro "renovou a literatura brasileira", disse ao jornal O Globoo presidente da Academia Brasileira de Letras, Geraldo Holanda Cavalcanti. E com Sargento Getúlio "inaugurou uma nova etapa do romance brasileiro". Alguns dos seus livros foram sucessos internacionais. Quando lhe foi atribuído o Prémio Camões, o presidente do júri destacou Viva o Povo Brasileiro como o seu "livro principal". Foi publicado em 1984. O romance é passado na ilha natal de Itaparica e percorre quatro séculos da história do Brasil. Numa entrevista que deu ao PÚBLICO, Ubaldo Ribeiro aconselhava quem não conhecesse a sua obra a começar por Viva o Povo Brasileiro – porque, dizia, tem "a ver com a colonização portuguesa, com o inter-relacionamento" dos dois povos e – parodiando os livros tradicionais de História do Brasil – narra ironicamente a luta contra o chamado "opressor português": "Era assim que nós aprendíamos na escola do meu tempo : 'O opressor lusitano foi vencido...'"
Em 1996, foi responsável pela adaptação para o cinema do romance de Jorge Amado Tieta do Agreste, e três anos depois publica A Casa dos Budas Ditosos, que obtém enorme sucesso de vendas e é rapidamente traduzido para várias línguas. Quando A Casa dos Budas Ditosos (sobre a luxúria e escrito no feminino) foi publicado em Portugal, houve uma pequena polémica. Duas cadeias de hipermercados (Continente e Jumbo/Pão de Açúcar) não o quiseram vender. Estávamos em 2000, e o livro acabou por vender na época mais de 13 mil exemplares em cerca de dois meses.
Em Portugal a sua obra está publicada nas Edições Nelson de Matos. Para o seu editor português, Ubaldo era "um dos mais exímios manipuladores da língua portuguesa". "A sua grande imaginação e criatividade linguística enriqueceu a nossa língua com um vocabulário muito próprio." Nelson contou ao PÚBLICO que na semana passada recebera um email do escritor perguntando-lhe pela sua saúde. "Esta morte foi para mim, portanto, totalmente imprevisível. A surpresa é enorme. Quando um escritor como ele desaparece, uma parte de nós fica mutilada. Restam-nos os seus livros e a vida que ele deixou lá dentro", acrescenta.
O editor lembra também que, quando João Ubaldo viveu em Portugal, ficou amigo dos nossos maiores escritores portugueses, entre eles José Cardoso Pires e Almeida Faria. Este também recorda o amigo ao PÚBLICO: "Nunca ninguém me fez rir tanto como ele."
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