Ariano Suassuna
Por Ariano Suassuna
Não concordo com a afirmação, hoje muito comum, de que não mais existem esquerda e direita. Acho até que quem diz isso normalmente é de direita.
Talvez eu pense assim porque mantenho, ainda hoje, uma visão religiosa do mundo e do homem, visão que, muito moço, alguns mestres me ajudaram a encontrar. Entre eles, talvez os mais importantes tenham sido Dostoiévski e aquela grande mulher que foi santa Teresa de Ávila.
Como consequência, também minha visão política tem substrato religioso. Olhando para o futuro, acredito que enquanto houver um desvalido, enquanto perdurar a injustiça com os infortunados de qualquer natureza, teremos que pensar e repensar a história em termos de esquerda e direita.
Temos também que olhar para trás e constatar que Herodes e Pilatos eram de direita, enquanto o Cristo e são João Batista eram de esquerda. Judas inicialmente era da esquerda. Traiu e passou para o outro lado: o de Barrabás, aquele criminoso que, com apoio da direita e do povo por ela enganado, na primeira grande “assembléia geral” da história moderna, ganhou contra o Cristo uma eleição decisiva.
De esquerda eram também os apóstolos que estabeleceram a primeira comunidade cristã, em bases muito parecidas com as do pré-socialismo organizado em Canudos por Antônio Conselheiro. Para demonstrar isso, basta comparar o texto de são Lucas, nos “Atos dos Apóstolos”, com o de Euclydes da Cunha em “Os Sertões”. Escreve o primeiro: “Ninguém considerava exclusivamente seu o que possuía, mas tudo entre eles era comum. Não havia entre eles necessitado algum. Os que possuíam terras e casas, vendiam-nas, traziam os valores das vendas e os depunham aos pés dos apóstolos. Distribuía-se, então, a cada um, segundo a sua necessidade”. Afirma o segundo, sobre o pré-socialismo dos seguidores de Antônio Conselheiro: “A propriedade tornou-se-lhes uma forma exagerada do coletivismo tribal dos beduínos: apropriação pessoal apenas de objetos móveis e das casas, comunidade absoluta da terra, das pastagens, dos rebanhos e dos escassos produtos das culturas, cujos donos recebiam exígua quota parte, revertendo o resto para a companhia” (isto é, para a comunidade).
Concluo recordando que, no Brasil atual, outra maneira fácil de manter clara a distinção é a seguinte: quem é de esquerda, luta para manter a soberania nacional e é socialista; quem é de direita, é entreguista e capitalista. Quem, na sua visão do social, coloca a ênfase na justiça, é de esquerda. Quem a coloca na eficácia e no lucro, é de direita.
Ariano Suassuna (1927 – 2014)
(Publicado originalmente no site Pragmatismo Político)
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ResponderExcluirMuito bom! ele sempre foi fiel a causa popular, até morrer! Não fosse isso, teria apoiado o ex-governador a quem era aliado e conhecia desde menino...Nesse aspecto, ao se declarar nem de direita nem de esquerda, ele, quica propositadamente, se contradiz no final do texto, se declarando um homem de tendencia socialista ( de verdade! ), visto que defendia os oprimidos e injustiçados. Talvez tenha se deixado levar pela "malemolência" de muitos de seus personagens, ao não admitir a dicotomia entre esquerda e direita, o que resultou nesse seu tirocínio, já bastante indisfarçável...
ResponderExcluirAriano sempre apoiou o projeto de reeleição de Dilma Rousseff, apesar da relação até mesmo afetiva com o ex-governador e sua família. Segundo análise de Michel Zaidan, essa tendência mais à esquerda do escritor estava sendo observada mais recentemente, nos últimos anos. Concordo plenamente com você que, sobretudo no que se refere aos posicionamentos políticos, Ariano parece mesmo ter incorporado a "malemolência" dos seus personagens. Muito grato pelos comentários. Um forte abraço. Apareça mais vezes por aqui.
ResponderExcluirInfelizmente Ariano já devia estar senil, por escrever um texto tão anacrônico quanto descontextualizado e equivocado. Lamentável!
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