pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
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segunda-feira, 20 de abril de 2015

Michel Zaidan Filho: O homem cordial


  


                                                               Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor 
                                                               da UFPE e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários  
                                                               e da Democracia - NEEPD/UFPE.



                                              Essa  expressão foi criada por Sérgio Buarque de Holanda, o pai de Chico Burque de Holanda, para designar a contribuição que o Brasil daria à civilização ocidental: o "homo cordis". 0 homem cordial não é necessariamente bonzinho, gentil ou atencioso. É o homem passional, aquele que age sob o influxo das paixões de amor ou ódio. E que divide o mundo social em duas categorias: amigo e inimigo. Segundo o historiador paulista, este tipo humano é dotado de um fundo anímico muito rico e se comporta no mundo social a partir dos desafetos e dos afetos." Não gostei, não concordo": "gostei, sempre tem razão". O homem cordial está ligado ao familismo ou ao patrimonialismo. Não conhece ainda o Estado republicano e seus ritos. Confunde a sua casa com o espaço público, o erário particular com o privado. Seus eleitores e apoiadores são seus amigos. A oposição é coisa de inimigo. Nunca tem razão. O homem cordial não obedece (ou reconhece nenhuma lei acima de si). 0 que é legal é a sua vontade, o seu desejo (e o desejo dos seus).
 
 
                                               Vê-se que na terra do homem cordial, não pode haver meio termo, naturalidade ou independência. É aquela história: "quem não está comigo, está contra mim". A crítica, quando há, é a "crítica do algodão doce", a troca de elogios mútuos, numa espécie de mercado de aplausos e interesses. Quem crítica mesmo é mal visto, é inimigo. 0 argumento racional, o discurso, a prova é chamado de "ódio", de "raiva", "perseguição". Criticar alguém, aqui, é odiar, perseguir, ofender a honra ou a dignidade do criticado. Por isso é passível de criminalização, de ajuizamento ou pedido de explicação através da Justiça.
 
                                               Só se entende um tal estado de coisas, numa comunidade linguístico-cultural de baixa socialização da política. Onde o debate de idéias, de programas, práticas e ações de governo ou de aspirantes aos cargos públicos é substituído pela infâmia, pela calúnia  ou pela difamação. Por outro lado, os que cometem ilícitos políticos ou eleitorais, não admitem ser denunciados publicamente, agem como donos da verdade ou dos canais de expressão da liberdade de opinião. Se for a favor, tudo bem. É a democracia. Se a opinião ou a notícia for contra, aí é crime contra a honra, contra a dignidade etc.
 
                                               Ora, os chamados crimes contra a honra (os crimes de ódio) são de natureza subjetiva. Não precisa de prova ou testemunha. Basta que o injuriado, o difamado ou caluniado se sinta ofendido, atingido ou magoado. Dada a impressão subjetiva, a "vítima" pode ajuizar qualquer ação contra o suposto agressor. Difícil vai ser provar ou convencer a autoridade judicial da natureza objetiva do crime.
 
                                                Mas independentemente disso, há sim um objetivo (extra-judicial) nesse tipo de ação: o uso da imprensa e do aparelho judicial para intimidar os críticos e fazer calar a crítica, sobretudo em época de eleição. Mas ainda, encobrir ou inibir qualquer tentativa de denúncia dos ilícios cometidos pelos pretensos candidatos e pré-candidatos.
 
                                                 Essa manobra é velha entre os políticos mau- humorados de Pernambuco. E não cola mais.


Tijolinho Real: Qual a receita desse cozido, deputado?




Todos os anos, um ex-senador da República, realiza um tradicional cozido em sua casa de praia localizada na Praia do Janga, em Paulista. Quando Dr. Miguel Arraes era vivo, a turma que se reunia em torno dessa mesa ficou conhecida como "a turma do cozido". Por essa época, existia um acirramento de ânimos entre ambos e a turma era observada com muita cautela pelo Palácio do Campo das Princesas. Mal podia prever Arraes que, depois de sua morte, o próprio neto, o ex-governador Eduardo Campos, não teve a menor cerimônia em se lambuzar nas guloseimas servidas na orgia gastronômica do Janga. Uma reaproximação apenas de conveniência, onde ambos tentavam, cada um ao seu modo, viabilizar seus projetos políticos. Eduardo Campos era candidato à presidência e, àquela época, tentava construir uma alternativa de contraposição ao PT, cujo senador havia se tornado um ator político estratégico neste processo. Logo depois do encontro, o ex-senador, ainda com os lábios adocicados pelo doce de leite da sobremesa, não teve a menor cerimônia de alardear que o caminho do ex-governador seria irremediavelmente afastar-se do PT. Diante da "eduardolização" da política pernambucana, o último suspiro do ex-senador seria aquela aliança com neto do seu desafeto político. Era isso ou o fim melancólico de sua carreira política. Ele mesmo reconheceria isso, diante da fragilização do PMDB pernambucano. Assim como no preparo do cozido, os ingredientes - adquiridos no Mercado da Encruzilhada - foram se ajeitando. Elegeu-se deputado federal, emplacou um afilhado na vice-governadoria do Estado e arrumou um emprego para o filho na Prefeitura da Cidade do Recife, comandada por Geraldo Júlio, que esteve presente à festa. Independentemente da situação caótica em que se encontra o Estado, os convivas pareciam muito felizes, sorrindo bastante, embora não se saiba exatamente do que. Afinal, do que eles riam? Há alguns dias começaram algumas especulações em torno de uma provável candidatura do ex-senador à Prefeitura da Cidade do Recife, nas eleições de 2016. Segundo comenta-se nas coxias, esse assunto tornou-se recorrente entre a bancada pernambucana. Podemos até estarmos enganados, mas nos parece que os neo-socialistas tupiniquins andam à procura de uma liderança política que possa, digamos assim, galvanizar o grupo. Pouco provável que o ex-senador possa cumprir esse papel. 

domingo, 19 de abril de 2015

Tijolinho Real: Operação Lava Jato: Dois pesos e duas medidas.





Não somos partidários de teorias conspiratórias, tampouco vamos de encontro as evidências. Penso ser um equívoco o PT continuar jurando inocência do seu tesoureiro, João Vaccari Neto, preso no processo da Operação Lava Jato. Há depoimentos robustos dos delatores no sentido de envolvê-lo nos malfeitos de arrecadação irregular de fundos para as campanhas eleitorais do partido. O Vaccari chegou em casa com a cueca suja de batom e está encrencado. Aliás, a observação não seria sequer pertinente, uma vez que há informações que dão conta de depósitos na conta bancária de sua esposa. Se for verdade, então, ela já conhecia as suas "escapadinhas". 

Muito pouco provável que esses delatores estejam mentindo, o que significaria incorrer em mais um ilícito. E a riqueza de detalhes é que impressiona. Um deles identificou até o hotel onde o agora ex-tesoureiro do partido se encontrava com os operadores do esquema. Vaccari não negou, mas disse que esses encontros eram encontros sociais. Imaginem. O juiz federal que está à frente do caso não deve ter se orientado apenas pelos depoimentos que, como afirmei, são robustos. Mas há também indícios de que uma gráfica era utilizada como fachada para essas operações irregulares. É preciso fazer uma leitura - sem emoções - sobre os procedimentos "regulares" de arrecadação de campanha. Neste caso em particular, quero crer que o tesoureiro talvez não tenha adotado um procedimento dos mais transparente e dentro do estrito regime legal. 

A princípio, o partido tentou defendê-lo, apresentando-o como mais um caso de um inocente acusado injustamente.  Depois, refez as contas e considerou prudente afastá-lo do cargo que ocupava na agremiação partidária, para evitar maiores desgastes. Se, por um lado isso é verdade, embora a justiça tenha a obrigação de julgar verdadeiros ou falsos os fatos envolvendo o ex-tesoureiro do PT, por outro lado, há um punhado de gente do bico fino envolvida e a justiça - com a palavra aquele juiz federal do Paraná - nos parece deliberadamente interessado em punir apenas os integrantes da agremiação petista. Na realidade, foram poucos os partidos que não estiveram envolvidos nos esquemas de corrupção e desvios de verbas públicas da estatal Petrobras. Naquela empresa, durante anos, funcionou um esquema muito bem lubrificado de desvios de recursos públicos, que envolvia funcionários, empreiteiras e partidos políticos. O prejuízo para a Viúva foi enorme. 

Há um desejo da população de que os culpados sejam punidos, mas há um sentimento - igualmente forte - de que o juiz Moro parece desrespeitar aqui alguns princípios bastante salutares, como a equidade no julgamento dos envolvidos. Um caso emblemático  é o do tesoureiro do PSDB, Rodrigo de Castro, tão encaracolado quanto Vaccari, mas que permanece livre e solto, como bem convém a um tucano nas matas do Cerrado. Parcela significativa dos formadores de opinião - até a Folha de São Paulo, imaginem - começam a questionar sua postura diante desse caso. Ou ele muda sensivelmente essa atitude ou corre o risco de perder alguns pontinhos  preciosos em termos de credibilidade. 

sábado, 18 de abril de 2015

Paulo Freire: Ser professor e não lutar é uma contradição pedagógica.





José Luiz Gomes escreve: 



O momento econômico e político do país não é dos melhores e isso pode ser sentido em todos os Estados da Federação, com raríssimas exceções. Em alguns desses Estados começaram a pipocar greves de algumas categorias profissionais importantes, como a dos professores, em Pernambuco. Cito assim de memória o Paraná, São Paulo, Maranhão e Pernambuco. Aqui, talvez se aplique a máxima do escritor Machado de Assis, "aos vencedores, as batatas". A leva de governadores eleitos em 2014 parecem que estão herdando uma "herança maldita", embora alguns deles insistam em não admitir a grave situação das finanças públicas estaduais. Esse quadro é reflexo, inclusive, por um lado, de um pacto federativo já bastante fragilizado e, por outro, de uma guerra dos entes federativos no sentido de atrair grandes investimentos - com isenções fiscais ou renúncia tributária e fundiária - que, no fim das contas, não foi muito benéfica aos interesses públicos. 

O Estado deixou de arrecadar tributos que poderiam ser aplicados no sentido de atender às demandas da sociedade; os empregos não foram necessariamente gerados dentro das expectativas esperadas. Ao contrário, como no caso de SUAPE, existe mesmo é uma onde de demissões; os investimentos em obras de infraestrutura não trouxeram retorno dentro do previsto. Ao contrário, algumas dessas obras estão "bichadas" e deixaram o Estado endividado; além dos problemas ambientais/sociais, provocados pela liberação acintosa de obras sem um julgamento correto dos impactos ao meio-ambiente. Claro que isso é apenas parte do problema. A questão, naturalmente, merecia uma análise mais aprofundada. O fato concreto é que alguns Estados estão literalmente "quebrados". No Maranhão, o senhor Flávio Dino - além das peças publicitárias do momento de "ruptura" vivido pelo Estado - ainda se utiliza da retórica da "herança maldita deixada pelos Sarney". Não sabemos quando ele vai se livrar desse discurso, até porque muitos sarneysistas integram o seu Governo.

Mas, o problema de os Estados estarem quebrados não é de responsabilidade dos professores ou de outras categorias do funcionalismo público estadual. Isso tem a ver com um problema cíclico de crise do sistema e, muito em particular, de má gestão da máquina. Como o governador Paulo Câmara vai se arranjar para colocar as contas do Estado em dia, permitindo uma margem de manobra que lhes faculte estabelecer outra estratégia de negociação com a categoria dos professores - que se encontra em greve - vai aqui um longo percurso. É emblemático que ele esteja adotando essas medidas radicais. Não há o que negociar, para além do que já foi vergonhosamente oferecido. Infelizmente. Essa greve tende a um profundo acirramento de ânimos entre a categoria e o Governo do Estado. Queremos estar enganado, mas tudo leva a crer que esse jovem terminará o seu governo melancolicamente. 

O Estado está com as finanças comprometidas e ele nada pode falar sobre a gestão anterior, pelas razões já conhecidas. Uma categoria como a dos professores - historicamente penalizada - naturalmente, não quer nem saber quem pariu mateus. Num cenário como este é muito improvável a construção de consensos. Ao externamos essa opinião, parece que estamos assumindo a defesa do Governo. Não é verdade. Apenas estamos constatando que o quadro não é dos melhores, dificultando enormemente as negociações.

Na realidade, diante dos embates da PL 4330, o que se observa, na realidade, são ações invasivas contra as conquistas históricas da classe trabalhadora. Competia ao governador, neste momento, ampliar o diálogo com a categoria e não adotar essas medidas radicais, como a possível demissão de trabalhadores da educação. Faltam ao senhor Paulo as credenciais de credibilidade e habilidade política para tanto. Onde fica a promessa de valorizar a categoria e dobrar o salário dos professores? Indicou para secretário da pasta alguém que não entende nada do assunto. Um burocrática, que antes dirigiu o complexo de SUAPE. Assim como ocorre com a constelação de neo-socialistas tupiniquins, ele também reúne aquelas "qualidades" conhecidas. 

O fato é que, como afirmamos desde o início, estamos diante de um impasse. Como professor, queremos aqui manifestar toda a nossa solidariedade á categoria dos professores. Também torcemos que, mesmo diante dessas circunstâncias, os consensos sejam construídos. Essa intransigência não conduz a um equacionamento da questão. O Governo envia seus representantes à mesa de negociação apenas para informar que o Estado está no limite de comprometimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, ou seja, 46,6%, portanto impossibilitado de atender ao pleito da categoria. Na outra ponta, contratação de temporários, corte de ponto e demissões.

Vamos muito mal de gestão pública e gerenciamento de crises. O educador pernambucano, Paulo Freire, foi secretário de educação da Prefeitura de São Paulo, na gestão de Luíza Erundina. Certo dia, resolveu visitar algumas escolas da periferia, com o objetivo de saber como as políticas públicas da rede estavam sendo implementadas. Encontrou uma diretora que afirmou não concordar com a sua gestão, muito menos com a suas recomendações ou as políticas públicas da rede municipal. Na condição de secretário, formou-se uma expectativa de que ele poderia adotar alguma medida radical. Mas, coerente com o seu pensamento e tolerante com os que discordavam dele, afirmou que ela tinha todo o direito de pensar e agir diferente e que, em razão disso, não temesse, de sua parte, nenhuma represália. Ser professor e não lutar é uma contradição pedagógica, moçada. Vamos nos manter unidos e enfrentar de cabeça erguida esses dias sombrios.

A cada dia ficamos mais preocupados com essa equipe formada pelo ex-governador Eduardo Campos, um escrete de ouro em termos de arrogância, prepotência, práticas persecutórias e intimidadoras. Estão transformando o Estado numa espécie de capitania hereditária, com danos inimagináveis aos interesses republicanos. Depois das fotos risonhas dos nossos gestores, publicadas pela imprensa, por ocasião de mais uma edição do tradicional "cozido" organizado por um  ex-senador da República, talvez torne-se mais simples entender esses laços de "afinidades".  

Michel Zaidan Filho: Pavimentando a estrada para a prefeitura de Olinda


0 advogado, literato, editor, mecenas e pré-candidato à Prefeitura de Olinda, Antonio Campos, também conhecido nos meios eleitorais como "Tonca", prestou a informação - publicada no Blog de Jamildo - de que é candidato à Prefeitura de Olinda, pelos relevantes serviços prestados ao município, na categoria de patrocinador (junto com Mário Hélio) da Fliporto. Embora não seja engenheiro ou construtor, disse o referido cidadão que estava pavimentando a estrada rumo à chefia da edilidade olindense. Melhor faria o ilustre rebento da casa dos Campos que aplicasse o seu imenso e versátil saber jurídico para se livrar de processo judicial, apresentado por dois promotores da Justiça Eleitoral, no dia 4 de abril, por crime eleitoral cometido por Tonca, ao antecipar a campanha eleitoral, em Olinda, através de Out-doors, santinhos, telefonemas para residencias e outros cometimentos. Do ato de seu saber jurídico, devia saber "doutor" Campos que é crime eleitoral fazer propaganda (de si mesmo) antes do prazo da campanha eleitoral (que só ocorrerá em 2016). Mas o advogado/literato usou a malandragem do personagem de seu tio, Renato Carneiro Campos, para ignorar a proibição legal de fazer propaganda política antes da hora, levar vantagem sobre os adversários, e se apresentar aos cidadãos e cidadãs olindenses como uma pessoa à disposição do distinto público, doando uma fundação de direito privado sobre a leitura e o livro infantil à cidade. 

Bonzinho, esse neto de Miguel Arraes. Tudo feito, sem nenhum interesse,a não ser renovar e dar nova vida ao município de Olinda, há 3 mandatos governado pelo aliado de todas as horas, o PC do B. Campos, malandramente, mudou o domicilio eleitoral para o município vizinho e tornou-se dirigente do PSB municipal. Perguntado sobre a pretensão de Tonca, o mandatário estadual e membro nacional do PSB (Paulo Câmara) respondeu que só depende do interessado a decisão de disputar ou não a Prefeitura de Olinda. O que só demonstra o servilismo do dirigente ao irmão do ex-governador e cunhado da viúva (que dizem os jornais, pretende se candidatar a uma vaga na Câmara Federal nas futuras eleições federais). Tudo em família, como se ver.
                                    Antes de ameaçar com interpelação judicial - como anunciou o Blog do Jamildo - os críticos de suas manobras polítco-literárias, a oligarquia da família Aciolly/Campos devia olhar para seus próprios malfeitos. Crime é usar as relações de família e de parentesco para "pavimentar" o caminho para um cargo público. mas ainda, fora de época, como disseram os dois promotores da Justiça Eleitoral. Ou será que Tonca se acha acima das leis do País, porque é irmão do ex-governador, neto de Miguel Arraes e cunhado da viúva? - Se for eleito, coisa que duvido muito - não será pelos méritos literários e de mecenas (assessorado por Mario Hélio). Mas em função da pequena esperteza dos políticos de província, que se acham imunes aos rigores da lei por fazerem parte da oligarquia que ora nos governa. Transcrevo abaixo as notícias publicadas pela imprensa do país (Globo, Estadão) sobre o processo movido pelo Ministério Público contra Tonca.

Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE

http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,familia-de-eduardo-campos-mantem-tradicao-politica-e-planeja-candidaturas-nas-proximas-eleicoes,1664432#

quarta-feira, 15 de abril de 2015

"Lei da terceirização é a maior derrota popular desde o golpe de 64"

Para Ruy Braga, professor da USP especializado em sociologia do trabalho, Projeto de Lei 4330 completa desmonte iniciado por FHC e sela "início do governo do PMDB"
Reprodução/Facebook

Ruy Braga
Contratados com idade entre 18 e 25 anos devem ser os maiores afetados, afirma Ruy Braga
Especialista em sociologia do trabalho, Ruy Braga traça um cenário delicado para os próximos quatro anos: salários 30% mais baixos para 18 milhões de pessoas. Até 2020, a arrecadação federal despencaria, afetando o consumo e os programas de distribuição de renda. De um lado, estaria o desemprego. De outro, lucros desvinculados do aumento das vendas. Para o professor da Universidade de São Paulo (USP), a aprovação do texto base do Projeto de Lei 4330/04, que facilita a terceirização de trabalhadores, completa o desmonte dos direitos trabalhistas iniciado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na década de 90. “Será a maior derrota popular desde o golpe de 64”, avalia o professor em entrevista a CartaCapital.
Embora o projeto não seja do governo, Braga não poupa a presidenta e o PT pelo cenário político que propiciou sua aprovação. Ele cita as restrições ao Seguro Desemprego, sancionadas pelo governo no final de 2014, como o combustível usado pelo PMDB para engatar outras propostas desfavoráveis ao trabalhador, e ironiza: “Esse projeto sela o fim do governo do PT e o início do governo do PMDB. Dilma está terceirizando seu mandato”.
Leia a entrevista completa:
CartaCapital: Uma lei para regular o setor é mesmo necessária?
Ruy Braga: Não. A Súmula do TST [Tribunal Superior do Trabalho] pacificou na Justiça o consenso de que não se pode terceirizar as atividades-fim. O que acontece é que as empresas não se conformam com esse fato. Não há um problema legal. Já há regulamentação. O que existe são interesses de empresas que desejam aumentar seus lucros.
CC: Qual a diferença entre atividade-meio e atividade-fim?
RB: Uma empresa é composta por diferentes grupos de trabalhadores. Alguns cuidam do produto ou serviço vendido pela companhia, enquanto outros gravitam em torno dessa finalidade empresarial. Em uma escola, a finalidade é educar. O professor é um trabalhador-fim. Quem mexe com segurança, limpeza e informática, por exemplo, trabalha com atividades-meio.
CC: O desemprego cai ou aumenta com as terceirizações?
RB: O desemprego aumenta. Basta dizer que um trabalhador terceirizado trabalha em média três horas a mais. Isso significa que menos funcionários são necessários: deve haver redução nas contratações e prováveis demissões.
CC: Quantas pessoas devem perder a estabilidade?
RB: Hoje o mercado formal de trabalho tem 50 milhões de pessoas com carteira assinada. Dessas, 12 milhões são terceirizadas. Se o projeto for transformado em lei, esse número deve chegar a 30 milhões em quatro ou cinco anos. Estou descontando dessa conta a massa de trabalhadores no serviço público, cuja terceirização é menor, as categorias que de fato obtêm representação sindical forte, que podem minimizar os efeitos da terceirização, e os trabalhadores qualificados.
CC: Por que os trabalhadores pouco qualificados correm maior risco?
RB: O mercado de trabalho no Brasil se especializou em mão de obra semiqualificada, que paga até 1,5 salário mínimo. Quando as empresas terceirizam, elas começam por esses funcionários. Quando for permitido à companhia terceirizar todas as suas atividades, quem for pouco qualificado mudará de status profissional.
CC: Como se saíram os países que facilitaram as terceirizações?
RB: Portugal é um exemplo típico. O Banco de Portugal publicou no final de 2014 um estudo informando que, de cada dez postos criados após a flexibilização, seis eram voltados para estagiários ou trabalho precário. O resultado é um aumento exponencial de portugueses imigrando. Ao contrário do que dizem as empresas, essa medida fecha postos, diminui a remuneração, prejudica a sindicalização de trabalhadores, bloqueia o acesso a direitos trabalhistas e aumenta o número de mortes e acidentes no trabalho porque a rigidez da fiscalização também é menor por empresas subcontratadas.
CC: E não há ganhos?
RB: Há, o das empresas. Não há outro beneficiário. Elas diminuem encargos e aumentam seus lucros.
CC: A arrecadação de impostos pode ser afetada?
RB: No Brasil, o trabalhador terceirizado recebe 30% menos do que aquele diretamente contratado. Com o avanço das terceirizações, o Estado naturalmente arrecadará menos. O recolhimento de PIS, Cofins e do FGTS também vão reduzir porque as terceirizadas são reconhecidas por recolher do trabalhador mas não repassar para a União. O Estado também terá mais dificuldade em fiscalizar a quantidade de empresas que passará a subcontratar empregados. O governo sabe disso.
CC: Por que a terceirização aumenta a rotatividade de trabalhadores?
RB: As empresas contratam jovens, aproveitam a motivação inicial e aos poucos aumentam as exigências. Quando a rotina derruba a produtividade, esses funcionários são demitidos e outros são contratados. Essa prática pressiona a massa salarial porque a cada demissão alguém é contratado por um salário menor. A rotatividade vem aumentando ano após ano. Hoje, ela está em torno de 57%, mas alcança 76% no setor de serviços. O Projeto de Lei 4330 prevê a chamada "flexibilização global", um incentivo a essa rotatividade.
CC: Qual o perfil do trabalhador que deve ser terceirizado?
RB: Nos últimos 12 anos, o público que entrou no mercado de trabalho é composto por: mulheres (63%), não brancos (70%) e jovens. Houve um avanço de contratados com idade entre 18 e 25 anos. Serão esses os maiores afetados. Embora os últimos anos tenham sido um período de inclusão, a estrutura econômica e social brasileira não exige qualificações raras. O perfil dos empregos na agroindústria, comércio e indústria pesada, por exemplo, é menos qualificado e deve sofrer com a nova lei porque as empresas terceirizam menos seus trabalhadores qualificados.
CC: O consumo alavancou a economia nos últimos anos. Ele não pode ser afetado?
RB: Essa mudança é danosa para o consumo, o que inevitavelmente afetará a economia e a arrecadação. Com menos impostos é provável que o dinheiro para transferência de renda também diminua.
CC: Qual a responsabilidade do PT e do governo Dilma por essa derrota na Câmara?
RB: O governo inaugurou essa nova fase de restrição aos direitos trabalhistas. No final de 2014, o governo editou as medidas provisórias 664 e 665, que endureceram o acesso ao Seguro Desemprego, por exemplo. Evidentemente que a base governista - com PMDB e PP - iria se sentir mais à vontade em avançar sobre mais direitos. Foi então que [o presidente da Câmara] Eduardo Cunha resgatou o PL 4330 do Sandro Mabel, que nem é mais deputado.
CC: Para um partido de esquerda, essa derrota na Câmara pode ser considerada a maior que o PT já sofreu?
RB: Eu diria que, se esse projeto se tornar lei, será a maior derrota popular desde o golpe de 64 e o maior retrocesso em leis trabalhistas desde que o FGTS foi criado, em 1966. Essa é a grande derrota dos trabalhadores nos últimos anos. Ela sela o fim do governo do PT e marca o início do governo do PMDB. A Dilma está terceirizando seu mandato.
CC: A pressão do mercado era mesmo incontornável?
RB: Dilma deixou de ser neodesenvolvimentista a partir do segundo ano de seu primeiro mandato. Seu governo privatizou portos, aeroportos, intensificou a liberação de crédito para projetos duvidosos e agora está fazendo de tudo para desonerar o custo do trabalho. O governo se voltou contra interesses históricos dos trabalhadores. O que eu vejo é a intensificação de um processo e não uma mudança de rota. Se havia alguma dúvida, as pessoas agora se dão conta de que o governo está rendido ao mercado financeiro.
CC: A terceirização era um dos assuntos preferidos nos anos 90, mas não passou. Não é contraditório que isso aconteça agora?
RB: O Fernando Henrique tentou acabar com a CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] por meio de uma reforma trabalhista que não foi totalmente aprovada. Ele conseguiu passar a reforma previdenciária do setor privado e a regulamentação de contratos por tempo determinado. O governo Lula aprovou a reforma previdenciária do setor público e agora, com anos de atraso, o segundo governo Dilma conclui a reforma iniciada por FHC.
CC: Mas a CLT não protege também o trabalhador terceirizado?
RB: A proteção da CLT é formal, mas não acontece no mundo real. Quem é terceirizado, além de receber menos, tem dificuldade em se organizar sindicalmente porque 98% dos sindicatos que representam essa classe protegem as empresas em prejuízo dos trabalhadores. Um simples dado exemplifica: segundo o Ministério Público do Trabalho, das 36 principais libertações de trabalhadores em situação análoga a de escravos em 2014, 35 eram funcionários terceirizados.
CC: A bancada patronal tem 221 parlamentares, segundo o Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar). Existe alguma relação entre o tão falado fim do financiamento privado de campanha e a aprovação desse projeto?
RB: Não há a menor dúvida. Hoje em dia é muito simples perceber o que acontece no País. Para eleger um vereador em São Paulo paga-se 4 milhões de reais. Para se eleger deputado estadual, são 10 milhões. Quem banca? Quem financia cobra seus interesses, e essa hora chegou. Enquanto o presidente da Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo], Paulo Skaf, ficou circulando no Congresso durante os últimos dois dias, dando entrevista, conversando com deputados e defendendo o projeto, sindicalistas levavam borrachada da polícia. Esse é o retrato do Congresso brasileiro hoje: conservador, feito de empresários, evangélicos radicais e bancada da bala.
(Publicado originalmente na Revista Carta Capital)

"Dizer que a terceirização não precariza é tentar fazer todo mundo de idiota"


publicado em 13 de abril de 2015 às 15:01
terceiriza
Terceirização: desabafo, desmascaramento e enfrentamento
por Jorge Luiz Souto Maior* 
1. Desabafo
Não consigo deixar de iniciar um texto sobre a aprovação de um projeto de lei que amplia a terceirização no país sem fazer um desabafo, afinal tentei, insistentemente, conforme expresso em várias manifestações e artigos escritos desde meados da década de 90[1], quando a Súmula 331 foi adotada, a qual tantos defendiam por constituir um limitador da terceirização, alertar que sem uma resistência efetiva à terceirização como um todo a presente situação acabaria ocorrendo.
Ora, a Súmula 331 apesar de limitar a terceirização a admitia, constituindo, pois, o fundamento de legitimidade para manter em situação de extrema precariedade e de discriminação (e mesmo de invisibilidade) milhões de trabalhadores brasileiros, abrindo, inclusive, a porta para a superação da conquista constitucional da exigência do concurso na administração pública, do que se valeu, inicialmente, o governo FHC e, posteriormente, os de Lula e Dilma, sem falar, é claro, de todos os governos nos âmbitos estaduais e municipais, em todas as esferas de Poder (Executivo, Legislativo e Judiciário). Assistia-se, assim, em silêncio, à institucionalização de agressão frontal à Constituição Federal e à exploração desumana dos terceirizados.
Era por demais evidente que, sobretudo diante da própria fragilidade do critério diferenciador entre “terceirização lícita” e “terceirização ilícita”, pautada pela natureza da atividade exercida pelo trabalhador, se atividade-meio ou atividade-fim, cedo ou tarde adviria uma reivindicação empresarial pela ampliação da terceirização. Os argumentos “ponderados”, pautados, inclusive pelas lógicas do “mal menor” e da inevitabilidade, que dominaram o Judiciário e mesmo o movimento sindical, o qual, inclusive, chegou a visualizar a terceirização como uma forma de auferir maiores ganhos para os trabalhadores “efetivos” (não terceirizados), recusaram qualquer posição de resistência à terceirização, acusando-a de “radical” ou de “inexequível”.
Mas, agora, a história mostra, de forma bastante dura para a classe trabalhadora, que, infelizmente, a previsão se consumou, sendo, portanto, necessário reconhecer que a culpa pelo advento dessa grande derrota para a classe trabalhadora, que foi a aprovação do PL n. 4.330, não pode ser debitada unicamente aos congressistas que aprovaram o projeto de lei, mas também às diversas instituições que não apenas validaram a terceirização, ou mais propriamente, as violências cometidas por ela contra milhões de trabalhadores terceirizados, como também se valeram, elas próprias, dessa fórmula perversa e inconstitucional de exploração de pessoas.
Presentemente, nos posicionamentos contra a aprovação do PL 4.330 muito se tem dito sobre os horrores da terceirização, mas os horrores narrados (baixos salários, direitos desrespeitados, alto índice de acidentes do trabalho, discriminação, assédio e invisibilidade) referem-se a uma realidade concreta, já existente, e não ao futuro, ou seja, dizem respeito à situação dos trabalhadores terceirizados, os que já estão por aí com o permissivo da generalidade de juízes, membros do Ministério Público, juristas, governantes e sindicalistas, apoiados na Súmula 331 do TST.
2. Desmascaramento
Isso não quer dizer, que se possa atribuir alguma razão, mínima que seja, àqueles que ora defendem a aprovação do PL 4.330/04, pois todos os argumentos que utilizam são falaciosos, cínicos e ideológicos, visando escamotear as duas razões principais que detêm, sendo uma de ordem político-partidária e outra de natureza estritamente econômica no sentido restrito do favorecimento a interesses localizados e não à melhor organização do processo produtivo.
No primeiro aspecto, o que se pretende é minar de vez a influência política do PT, pois a aprovação do projeto, ainda que o governo federal o tenha encabeçado durante os últimos anos, na conjunta atual representa a explicitação muito nítida da descaracterização do PT como partido que, no Poder, poderia encaminhar projetos políticos favoráveis aos direitos trabalhistas. No segundo aspecto, significa a chance, em razão da configuração ideológica do Congresso, que os segmentos empresariais ligados ao grande capital possuem para, enfim, atingirem os objetivos que buscam há décadas: aniquilar os sindicatos e explorar a força de trabalho sem qualquer limitação que venha a ser imposta por um projeto, mínimo que seja, de atribuição de responsabilidade social às empresas e de distribuição mais justa da riqueza produzida.
Vejamos, de todo modo, a fragilidade dos argumentos utilizados em defesa do PL ou, mais propriamente, o seu cinismo.
a) “Modernização”
Diz-se que a terceirização é técnica moderna do processo produtivo, quando, em verdade, o que chamam de terceirização não é nada além do que a intermediação de mão-de-obra que já existia nos momentos iniciais da Revolução Industrial, e cujo reconhecimento da perversidade gerou, na perspectiva regulatória corretiva, a enunciação do princípio básico do Direito do Trabalho de que “o trabalho não deve ser considerado como simples mercadoria ou artigo de comércio” (Tratado de Versalhes, 1919), do qual adveio, inclusive, a criminalização, em alguns países como a França, da “marchandage”, ou seja, da intermediação da mão-de-obra com o objetivo de lucro. O próprio conceito de “subordinação jurídica” é uma construção teórica forjada para superar o obstáculo obrigacional advindo da formalização de contratos entre tomadores de serviços e prestadores de serviços, de modo a atribuir, em concreto, responsabilidades jurídicas ao capital que efetivamente se vale da exploração final da força de trabalho (“subordinação estrutural”, atualizada para “subordinação reticular”).
Cumpre acrescentar que o argumento retórico em torno da “modernidade” nos acompanha, na realidade brasileira, há várias décadas[1], valendo lembrar que esteve presente quando se aniquilou com a estabilidade no emprego, em 1967, substituindo-a pelo FGTS, bem como quando se instituíram o trabalho temporário, em 1974, o contrato do vigilante, em 1984, a terceirização, em 1993, as cooperativas de trabalho, em 1994, o banco de horas, em 1998, o contrato provisório, em 1998, o contrato a tempo parcial, em 1999…
O que ocorre é que a redução de direitos obviamente não gera o efeito concreto da melhora da economia e sem a revelação do embuste de foi vítima a classe trabalhadora novas reivindicações de retração de direitos acabam sendo propostas e, pior, com o mesmo argumento da “necessidade de modernização”.
b) “Preserva direitos trabalhistas”
Diz-se que os direitos trabalhistas, previstos na CLT e na legislação em geral, serão todos garantidos no regime de contratação da PL 4.330/04. Em outras palavras, que a terceirização não significará a retirada de direitos.
Ora, as pessoas e instituições que defendem a ampliação da terceirização com essa afirmação são exatamente as mesmas que até dias atrás se valiam dos argumentos retórica e historicamente construídos de que os direitos trabalhistas foram outorgados por Vargas sem que houvesse uma necessidade real para tanto, de que são excessivos e de que impedem o desenvolvimento econômico. Não se pode, pois, atribuir qualquer crença ao fato de que estejam, agora, de fato, preocupadas em fazer valer as leis trabalhistas.
Ademais, a realidade das relações de trabalho no Brasil é a da completa ineficácia da legislação, a qual, portanto, só existe no papel, e isto se dá exatamente por obra dessas mesmas pessoas e instituições, que têm se valido de todos os ardis possíveis para negar a aplicação de direitos aos trabalhadores. Assim, seria no mínimo ingênuo se deixar levar pela promessa de que por conta da terceirização, que fragiliza a classe trabalhadora, essa realidade seria, como passe de mágica, alterada. É evidente, pois, que a ampliação da terceirização se insere na estratégia dessa gente de suprimir os direitos trabalhistas.
c) “Gera empregos”
Para defender o PL 4.330/04 tenta-se vender a ideia de que a terceirização seria instrumento de estímulo ao emprego. Ora, cabe frisar, em primeiro lugar, que quando se fala em terceirização não se está tratando de emprego, mas de subemprego, quando não de trabalho em condições de semi-escravidão. Então, na essência, a terceirização no máximo poderia aumentar os postos de trabalho nessas condições, sendo que como em concreto não é a forma como se regulam as relações de trabalho que impulsiona a economia, mas a dinâmica da produção e da circulação de mercadorias, o que se verificaria com a ampliação da terceirização seria apenas a transformação dos atuais empregos em subempregos, de modo, inclusive, a favorecer o processo de acumulação do capital e até da evasão de divisas, vez que o grande capital está sob domínio de empresas estrangeiras.
E ainda que se pudesse conceber algum benefício para a economia com a redução dos direitos trabalhistas e mais propriamente com a redução da participação do trabalho no produto interno bruto, o que se aceita apenas como mera hipótese argumentativa, mesmo assim a proposição seria indefensável, na medida em que o preço a ser pago pelos trabalhadores seria alto demais. Concretamente, qual o interesse na preservação de um modelo de sociedade que para se sustentar impõe sacrifícios exatamente àqueles que produzem as riquezas, mantendo uma parcela bem pequena da sociedade, incluindo os que se integram à burocracia de Estado, em situação economicamente bastante confortável? Preconizar a redução de ganhos dos trabalhadores como forma de salvar a economia, sem redução proporcional dos ganhos das empresas, dos diretores, acionistas e burocratas do Estado, é antes de tudo ofensivo, além de ser economicamente ineficaz.
De todo modo, é oportuno verificar esse argumento, que admite a existência da sociedade do trabalho, da essencialidade do trabalho para a estabilização e o desenvolvimento do modelo de produção capitalista e das potencialidades desse modelo de criar emprego, com garantias jurídicas, e não apenas trabalho, sem qualquer proteção, integrado à fala daqueles que até dias atrás diziam que o trabalho não existe mais, que estávamos vivendo a sociedade do fim do trabalho, sendo que utilizavam essa retórica exatamente para dizer que quem possuía emprego era um privilegiado e que privilégios não se coadunam com direitos.
d) “Terceirização não precariza”
Dizer que a terceirização não precariza é tentar fazer todo mundo de idiota, afinal, a situação das condições de trabalho dos terceirizados na realidade brasileira tem sido, há mais de 20 (vinte) anos, a de um elevadíssimo número de acidentes do trabalho, inclusive fatais; de trabalho em vários anos seguidos sem gozo de férias; de jornadas excessivas; de não recebimento de verbas rescisórias; de ausência de recolhimentos previdenciários e fundiários, sem falar do assédio provocado pela discriminação e, mais propriamente, pela invisibilidade.
Neste aspecto, aliás, é bastante reveladora a preocupação do governo federal, que em vez de se colocar contrário ao projeto, já que advindo do denominado Partido dos Trabalhadores, tentou alterar o PL de modo a evitar que a terceirização pudesse gerar prejuízos aos cofres do governo no que se refere à falta de recolhimentos previdenciários, fundiários e fiscais, buscando fazer com que tais obrigações fossem assumidas diretamente pelas empresas tomadoras dos serviços. A preocupação do governo, que acabou não sendo acatada, ao menos por enquanto, é uma confissão de que terceirização precariza. É evidente, ademais, que se uma empresa, que detém capital, contrata outra para a realização de serviços, a tendência é a de que a empresa contratada não possua o mesmo potencial capitalista, sofrendo muito mais facilmente as variações da economia, descarregando as consequências sobre a parte mais fraca, os trabalhadores. De todo modo, a forma tentada pelo governo em preservar o seu interesse é uma ilusão porque a sua perda se consumaria mesmo que a medida intentada fosse acatada, pois com a precarização os ganhos dos trabalhadores tendem a diminuir, reduzindo, por conseguinte, a base sobre a qual o governo faz suas arrecadações.
f) “Preocupação com o negócio principal”
Diz que a terceirização advém da “necessidade de que a empresa moderna tem de concentrar-se em seu negócio principal” – grifou-se. Ocorre que o objetivo do PL é ampliar as possibilidades de terceirização para qualquer tipo de serviço. Assim, a tal empresa moderna, nos termos do PL, caso aprovado, poderá ter apenas trabalhadores terceirizados, restando a pergunta de qual seria, então, o “negócio principal” da empresa moderna? E mais: que ligação direta essa empresa moderna possuiria com o seu “produto”?
E se concretamente a efetivação de uma terceirização de todas as atividades, gerando o efeito óbvio da desvinculação da empresa de seu produto, pode, de fato, melhorar a qualidade do produto e da prestação do serviço, então a empresa contratante não possui uma relevância específica. Não possui nada a oferecer em termos produtivos ou de execução de serviços, não sendo nada além que uma instituição cujo objeto é administrar os diversos tipos de exploração do trabalho. Ou seja, a grande empresa moderna, nos termos do projeto, é meramente um ente de gestão voltado a organizar as formas de exploração do trabalho, buscando fazer com que cada forma lhe gere lucro. O seu “negócio principal”, que pretende rentável, é, de fato, o comércio de gente, que se constitui, ademais, apenas uma face mais visível do modelo de relações capitalistas, que está, todo ele, baseado na exploração de pessoas conduzidas ao trabalho subordinado pela necessidade e falta de alternativa.
f) “Dupla garantia para os trabalhadores”
Diz-se que para os trabalhadores o PL é um avanço porque com ele os trabalhadores teriam duas entidades a lhes garantir a efetividade dos direitos: a prestadora (sua empregadora) e a tomadora.
Primeiramente, vale o registro de que o PL permite que a própria prestadora terceirize, pois se toda empresa pode terceirizar sua atividade-fim, a empresa de terceirização, cuja finalidade é comercializar gente, também poderá, ela própria, terceirizar. Aliás, o PL faz alusão a essa possibilidade expressamente.
Então, segundo o argumento utilizado, esse trabalhador “quarteirizado” teria ainda mais garantias que o terceirizado, o que já demonstra o absurdo da argumentação, pois é por demais evidente que quanto mais o capital se organiza em relações intermediadas, mais o capital das prestadoras de serviço se fragiliza, fazendo com que, obviamente, se diminua a participação do trabalho na distribuição da riqueza produzida.
O que a tomadora, considerada como aquela que efetivamente detém capital, pode fazer é garantir o ressarcimento econômico de direitos que não foram cumpridos, mas esses direitos, na dinâmica da intermediação, já foram reduzidos. Além disso, o percurso para se chegar a essa garantia é necessariamente judicial, vez que não há fórmula que obrigue a tomadora à prática de tal ato senão pela via do processo na Justiça do Trabalho. No processo, prevê-se uma extensa discussão acerca dessa responsabilidade, fazendo com que o recebimento do trabalhador de seus direitos diretamente da tomadora seja incerto e demorado.
Aliás, cumpre advertir que as lides processuais, no contexto de um modelo de produção que tem a terceirização como regra, tendem a se complicar excessivamente, com número elevado de empresas reclamadas em que cada processo e, consequentemente, com majoração de incidentes processuais, recursos etc.
O Judiciário trabalhista, que já se encontra atolado, embora ainda consiga prestar um serviço razoavelmente satisfatório, tende a entrar em estado pleno de falência institucional, provocando, e vendo retroalimentados os seus problemas, a prática do desrespeito deliberado e reiterado da legislação trabalhista.
Em suma, com a terceirização, o trabalhador não está duplamente garantido, mas verá multiplicar em várias vezes a sua dificuldade de fazer valer seus direitos, que, vale repetir, já serão reduzidos, caso acatada a estratégia contida no PL 4.330.
g) Efeito concreto
Por fim, falando de forma mais clara da realidade, o que se almeja com o PL 4.330, que, vale reforçar, está sendo incentivado por segmentos empresariais ligados ao grande capital, não é, e não poderia mesmo ser, a melhoria da condição de vida dos trabalhadores e a efetividade plena dos direitos trabalhistas.
Esquematicamente falando, o que se pretende com o PL 4.330 é:
fragmentar a classe trabalhadora;
- dificultar a formação da consciência de classe;
- estimular a concorrência entre os trabalhadores;
- difundir com mais facilidade as estratégias de gestão baseadas em fixação de metas impossíveis de serem alcançadas e assediantes, detonadoras da auto-estima;
- incentivar práticas individualistas e, consequentemente, destrutivas da solidariedade;
- inibir a capacidade de organização coletiva;
- minar o poder de resistência e de luta dos trabalhadores;
- aumentar a submissão (juridicamente apelidada de subordinação) do trabalhador;
- facilitar a mercantilização da mão-de-obra.
A terceirização, disseminada como legítima e sem qualquer limite ou peia, permite que esses efeitos se produzam muito mais facilmente, ainda mais quando se utilizem das técnicas administrativas que lhe são características, tais como constantes trocas de horários de trabalhoalterações de postos de trabalho e intensificação darotatividade de mão-de-obra.
Tudo isso somado, por certo, faz prever um cenário de grandes perdas e sofrimentos para a classe trabalhadora com a aprovação do PL 4.330, representando, como dito pelo sociólogo Ruy Braga, “a maior derrota popular desde o golpe de 64”[3], mas isso caso seja, de fato, aplicado na forma imaginada e planejada pelo setor econômico.
Ocorre que as complexidades do mundo jurídico vão bem além das vontades daqueles que, detendo hegemonia econômica, se consideram também os “donos do poder”. Como já advertido em outro texto, é uma ilusão considerar que “a ordem jurídica constitucional, que foi pautada pela lógica da prevalência dos Direitos Humanos e da proeminência dos Direitos Sociais, exatamente para inibir que os interesses puramente econômicos fossem utilizados como argumentos para reduzir o patamar de civilização historicamente alcançado, possa ser utilizada como fundamento para garantir valores sem qualquer sentido social, como a ‘liberdade de contratar’ e a ‘segurança jurídica’”, sendo certo que não será “uma lei ordinária, votada por pressão da bancada empresarial, que vai conseguir fazer letra morta da Constituição ou mesmo impedir que juízes trabalhistas cumpram o seu dever funcional de negar vigência a qualquer lei que fira a Constituição e impeçam a eficácia dos Direitos Humanos e dos Direitos Fundamentais Sociais”[4].
3. Enfrentamento
Essa característica do âmbito jurídico faz pressupor que diante de eventual aprovação do PL 4.330/04, por mais trágico que possa ser para a classe trabalhadora, muitas novas tensões advirão, até porque não é minimamente razoável imaginar que o projeto constitucional de justiça social e a racionalidade dos Direitos Humanos não sejam defendidos de forma firme e consistente pelos profissionais ligados ao Direito do Trabalho e às diversas áreas do conhecimento que se interligam com o mundo do trabalho.
Não cabe neste momento antecipar os vários argumentos jurídicos que poderão ser utilizados como resistência a essa tentativa de derrocada da ordem constitucional, vez que a luta agora ainda é pela rejeição do PL 4.330/04.
De todo modo, para que se tenha um pouco do alcance desse movimento de resistência, vale o registro do Manifesto, expedido em 12 de abril de 2015, pela Rede Nacional de Pesquisas e Estudos em Direito Social, com o seguinte teor:
Manifesto contra o PL 4.330
A Rede Nacional de Pesquisas e Estudos em Direito Social (RENAPEDS), formada por Grupos ligados ao Direito do Trabalho e ao Direito da Seguridade Social, instituídos em diversas Universidades do país (USP, UFRJ, UNB, UFPE, UFMG, UFPR, UniBrasil/PR, UVV, UFC e PUC-Minas), cujos coordenadores estão abaixo nominados, vem a público manifestar sua firme oposição ao PL 4.330, vez que tal projeto de lei, a despeito de prometer a efetividade dos direitos trabalhistas e a ampliação das oportunidades de emprego, serve, na verdade, para dividir ainda mais a classe trabalhadora, a tal ponto de impossibilitar sua organização e mobilização sindical. Com isso, favorece a redução concreta dos direitos dos trabalhadores, o que contraria, frontalmente, o objetivo da Constituição Federal, que é o da melhoria da condição social e econômica da classe trabalhadora.
Neste contexto a RENAPEDS repudia qualquer argumento baseado em dificuldade econômica ou melhoria da competitividade que tenha como propósito inverter os princípios constitucionais dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, da dignidade da pessoa humana e do desenvolvimento econômico conforme os ditames da justiça social. Cumpre lembrar, neste tema específico, que a terceirização, presente no cenário das relações de trabalho no Brasil há 22 anos, já deu mostras suficientes dos danos que gera à classe trabalhadora com os diversos casos de trabalho em condições análogas a de escravo, elevado número de acidentes do trabalho, jornadas excessivas, baixos salários, não recebimento de verbas rescisórias, além do natural efeito da invisibilidade a que são conduzidos os terceirizados, tudo isso sem nenhum benefício concreto para as empresas tomadoras de serviços e para a economia em geral, tanto que adveio essa reivindicação de ampliação da terceirização exatamente sob o fundamento de que seria necessária para  “estimular a economia” em franca desaceleração.
A RENAPEDS vale-se do ensejo da discussão do PL 4.330, quando se reconhecem as perversidades da terceirização, notadamente no que se refere às precarizações nas relações de trabalho, para encaminhar uma agenda política voltada à eliminação de toda e qualquer modalidade de terceirização, sobretudo no setor público, em que nem mesmo os argumentos falaciosos de especialidade e de aprimoramento da competitividade têm algum tipo de pertinência, ainda mais porque a prática fere a exigência constitucional do acesso ao serviço público mediante concurso de provas e títulos, além de facilitar a corrupção, o nepotismo e o aumento desmesurado dos gastos públicos.
Por fim, serve o presente manifesto também para deixar claro que caso venha a ser aprovado o PL 4.330 todos os esforços jurídicos pertinentes serão levados a efeito para inviabilizar a concretização da ofensa aos princípios constitucionais e a institucionalização da barbárie.
Brasil, 12 de abril de 2015.
Configurações Institucionais e Relações de Trabalho – CIRT (UFRJ)
Direito do Trabalho e Teoria Social Crítica (UFPE)
Trabalho e Regulação no Estado Constitucional – GP-TREC (UniBrasil/PR)
Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital – GPTC (USP)
Direitos Humanos, Centralidade do Trabalho e Estudos Marxistas (USP)
Núcleo de Estudos em Empresas, Mercado e Regulação (UVV)
Núcleo de Pesquisa Trabalho Vivo (UFPR)
Trabalho, Constituição e Cidadania (UnB)
GRUPE (UFC)
Adib Pereira Netto Salim
Aldacy Rachid Coutinho
Cláudio Jannotti da Rocha
Daniela Muradas Reis
Daniele Gabrich Gueiros
Everaldo Gaspar Lopes de Andrade
Francisco Gerson Marques de Lima
Gabriela Neves Delgado
Grijalbo Fernandes Coutinho
Hugo Cavalcanti Melo Filho
Jorge Luiz Souto Maior
Juliana Teixeira Esteves
Leonardo Wandelli
Márcio Túlio Viana
Marcus Orione Gonçalves Correia
Maria Cecília Máximo Teodoro
Rodrigo de Lacerda Carelli
Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva
Sérgio Torres Teixeira
Valdete Souto Severo
Jorge Luiz Souto Maior é professor livre-docente da Faculdade de Direito da USP.
[1]. Vide, por exemplo:
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz2006SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Terceirização na administração pública – uma prática inconstitucional. Revista LTr, v. 70, p. 1307-1317, 2006.
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. A terceirização e a lógica do mal. In: Adriana Goulart de Sena, Gabriela Neves Delgado. (Org.). Dignidade humana e inclusão social: caminhos para a efetividade do direito do trabalho no Brasil. 1ed. São Paulo: LTr, 2010, v. , p. 23-32.
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Enunciado 331, do TST, ame-o, ou deixe-o!Revista Trabalhista: direito e processo: Brasília, DF, n.4, out./dez. 2002.
- http://www.conjur.com.br/2013-set-08/jorge-luiz-souto-maior-terceirizacao-elimina-responsabilidade-social-capital
- http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/handle/1939/3812
- http://boletimcientifico.escola.mpu.mp.br/boletins/boletim-cientifico-n.-17-2013-outubro-dezembro-de-2005/terceirizacao-na-administracao-publica-uma-pratica-inconstitucional
- http://sindiquinze.jusbrasil.com.br/noticias/2658470/juiz-da-15-regiao-escreve-carta-aberta-sobre-terceirizacao
- https://www.youtube.com/watch?v=dGcaQvQ8hKk
- http://www.redebrasilatual.com.br/trabalho/2012/04/a-terceirizacao-e-a-exploracao-de-forma-explicita-afirma-juiz-do-trabalho
- http://www.sinttelmg.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=605
- http://www.amdjus.com.br/doutrina/trabalhista/320.htm
- http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI100181,31047-Etanois+Neles
- http://www.anamatra.org.br/index.php/artigos/mineiros-do-chile-e-soterrados-do-brasil
- http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Direitos-Humanos/as-Reginas-a-paz-e-os-direitos-/5/30175
- http://www.viomundo.com.br/denuncias/jorge-souto-maiordesprezo-total-da-usp-pelo-salario-atrasado-das-terceirizadas.html
[2]. Vide, a propósito, o texto, “Modernidade e Direito do Trabalho”, in: http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/1939/52486/008_soutomaior.pdf?sequence=1
[3]. http://www.cartacapital.com.br/economia/lei-da-terceirizacao-e-a-maior-derrota-popular-desde-o-golpe-de-64-2867.html, acesso em 12/04/15.
[4]. http://blogdaboitempo.com.br/2015/04/06/pl-4-33094-maldade-explicita-e-ilusao/, acesso em 12/04/15.
(Publicado originalmente no site Viomundo)