COLÉGIO DE APLICAÇÃO DA UNIVERSIDADE
FEDERAL DE PERNAMBUCO – a excelência e as mazelas do IDEB.
José Luiz Gomes escreve
O
IDEB foi criado em 2007 com uma preocupação específica dos gestores da educação
brasileira. O objetivo inicial seria o de identificar aquelas escolas – tanto
da rede pública quanto da rede particular – que estivessem em condições
insatisfatórias, ou seja, não atendessem minimamente as exigências do MEC no
que concerne à aprendizagem e permanência do alunado. Logo, como tantos outros
indicadores concebidos pelo MEC, o IDEB se tornaria um ranking onde a sociedade poderia, em tese, aferir o desempenho
dessa ou daquela escola, uma informação importante na hora de os pais decidirem
matricular seus filhos num estabelecimento de ensino.
Uma
informação bastante difundida sobre esse último IDEB é que algumas escolas
estariam “preparando” seus alunos para o teste. Confesso ainda não ter
entendido como isso é apresentado como algo positivo, mas as melhores escolas
do ranking apontaram esse procedimento como uma variável de competitividade no
contexto das escolas submetidas ao exame. Na época do famigerado “Provão”,
também tomamos conhecimento de que algumas faculdades estariam promovendo
alguns “cursinhos” intensivos com o objetivo de obter um melhor desempenho
naquele teste.
Mesmo
diante de seus modestos propósitos iniciais, o fato é que o IDEB se transformou
num dos mais importantes indicadores sociais, uma referência para nos
colocarmos entre as nações mais desenvolvidas. Sempre que seus resultados são
anunciados, algumas questões cruciais são postas para o país, como, por
exemplo, a saúde de nossa economia – que carece de pessoas qualificadas para
tocá-la -; nossos ainda persistentes indicadores de desigualdades de
oportunidades educacionais; a competitividade do país no contexto das economias
emergentes do BRICS etc. Expressões como as utilizadas pelo senador Cristovam
Buarque de que passamos por um momento de “apagão intelectual” com os
resultados apresentados pelo último IDEB, dimensionam o problema. O professor
pernambucano voltou a falar na sua “idéia fixa” de um esforço nacional pela
melhoria de nossa qualidade de ensino.
Como
parâmetro, o Brasil orienta-se com objetivo de atingir a média das economias
desenvolvidas, ou seja, a média 6,0, da comunidade OCDE, até o ano de 2021. No
outro ano, nós até obtivemos alguns números favoráveis, amplamente comemorados.
No IDEB divulgado agora, no entanto, a renitente dificuldade de o país atender
às demandas mais urgentes do ensino fundamental parece-nos que voltaram à tona.
Ou seja, nossos avanços tem sido num ritmo bastante lento. Há problemas
crônicos que jamais foram devidamente enfrentados ao longo das últimas décadas,
apesar da adoção de políticas públicas de corte mais eficaz, republicano e
inclusivas adotadas a partir do Governo Lula, dispostas a atacar o mal pela
raiz, como sempre se preconizou, centradas no gargalo da educação básica.
Embora
seja prudente tomar cuidados com os recursos investidos no setor – a questão da
qualidade do ensino exige o controle de outras variáveis tão ou até mesmo,
seguramente, mais importantes – entidades de classe estabelecem 10% do PIB em
investimentos em educação como uma meta ideal a ser atingida, embora algumas
autoridades do Governo já tenham afirmado que isso quebraria o país. Trava-se
uma batalha no poder Legislativo no tocante a esse percentual.
Uma
melhor educação, portanto, nunca foi um insumo tão importante para o
desenvolvimento do país. Os sócios do Brasil no BRICS investem pesado nessa
área, a exemplo da China. Alguns deles, caso da Rússia, historicamente e em
razão da experiência socialista, ainda ostentam bons indicadores nessa área. O
Brasil, portanto, está atrasado em seu dever de casa. Forjado numa cultura
hierarquizada, o Estado brasileiro sempre ofereceu uma educação diferenciada
aos seus alunos, com prejuízo dos mais empobrecidos. Os críticos dos programas
de cotas para ingresso no ensino superior apontam, com certa razão, que as
desigualdades educacionais deveriam ser enfrentadas em sua origem, ou seja, no
sistema de ensino fundamental, facultando aos alunos de origem mais humilde o
acesso a uma educação de qualidade, criando as condições ideais de
competitividade de acesso ao ensino superior.
Por
outro lado, apesar das críticas, também se entende a sensibilidade social do
Governo Lula em procurar, mesmo que por essas vias tortuosas, corrigir as
distorções de ingresso ao ensino superior entre pobres e ricos, criando dispositivos
e programas como o ProUni, um dos instrumentos inclusivos mais eficazes,
permitindo aos mais empobrecidos o acesso ao ensino superior. Com o ProUni, o
Governo Lula promoveu uma verdadeira revolução no ensino superior do país. Para
dimensionar o alcance social desse instrumento, sempre lembro uma fala do
professor Sérgio Abranches, ex-diretor do Centro de Educação da UFPE, numa
palestra em faculdade onde ministrávamos aulas. Depois de encerrar sua preleção,
teve a curiosidade de perguntar aos alunos, quantos ali os pais haviam feito um
curso superior. Ninguém levantou a mão. Ou seja, oportunizava-se o acesso ao
ensino superior a uma geração cujos pais jamais tiveram acesso.
Em
razão desses acertos, não raro menciono em nosso blog que, certamente, teria
sido melhor manter o Fernando Haddad naquela pasta. Por teimosia de Lula,
Haddad embarcou na canoa furada das eleições paulistas, com poucas chances de
reverter o quadro que vem se desenhando. Permanece como um lulodependente e o
seu padrinho político não irá ajudá-lo como gostaria. Por razões distintas,
Marta Suplicy e Dilma Rousseff também não se engajarão na campanha, o que
representa mais um revés para o candidato. Pelos últimos números do Datafolha,
ele permanece “empacado”, mantendo 8% das intenções de voto. Quem lidera a
pesquisa é o deputado Celso Russomanno, que dispensa apresentações.
Muita coisa precisa ser feita até 2021 para
atingirmos a média das economias mais desenvolvidas. Nossa média geral, para as
primeiras séries do fundamental, foi de 3,8. Para as séries finais, 3,9. Como
diria Cristovam Buarque, com essa nota não dar para “passar”. Ainda não
significa dizer que não tenhamos condições de atingir os índices da OCDE em
2021, mas estamos fazendo uma caminhada cheia de obstáculos, com alguns êxitos
pontuais, ainda assim bastante dispersivos, o que nos coloca com as barbas de
molho.
Esse
fosso entre algumas escolas de referência de desempenho, como o Colégio de
Aplicação da UFPE e o média geral obtidas por obscuras escolas da rede pública
de periferia, nos coloca num dilema bastante preocupante. Escolas e programas
excepcionais são exceções à regra e não podem servir como parâmetro, salvo para
meia dúzia de privilegiados que podem freqüentar aqueles estabelecimentos.
Em
Pernambuco, por exemplo, o Governo vem fazendo uma enorme propaganda do
Programa Ganhar o Mundo, que permite o intercâmbio de estudantes do Estado com
alguns países, com o objetivo de aprimorar o aprendizado de idioma. Certamente,
esses alunos, a partir de programas dessa natureza, poderão, um dia, sair da
conjugação do verbo To Be e dizer, em inglês, algo além do The book is on the table.
Mas, se o Governo não investir efetivamente na melhoria do ensino de língua
estrangeira na Rede Pública Estadual como um todo, isso não irá fazer grandes
diferenças.
Na
Região Nordeste, por exemplo, o Estado do Piauí apresenta alguns indicadores
interessantes em algumas escolas que funcionam em condições precárias e a
capital, Teresina, obteve um dos melhores desempenhos entre as capitais. Por
outro lado, na média, está um pouco acima apenas de Alagoas, o Estado que
apresenta um dos resultados mais sofríveis. Salvo algum engano, durante uma
palestra sobre as linhas de ações da Fundação Joaquim Nabuco consoante as suas
articulações com as políticas educacionais do MEC, o presidente da Instituição
mencionou a disposição da FUNDAJ em colaborar com o Governo no sentido de melhorar
nossos indicadores educacionais, citando nominalmente aquele Estado.
Em
Pernambuco, Recife permanece com um desempenho sofrível, mas cidades como
Petrolina e, pasmem, Quixadá, surpreenderam-nos, obtendo uma média considerada
razoável, embora, voltamos a repetir, a única coisa que essas cidades podem nos
ensinar para melhoramos nossos resultados no IDEB, tão somente, é a pedagogia
de sua práxis cotidiana, em termos de gestão, empenho e qualificação dos
professores, estruturação do plano de ensino, metas estabelecidas, instrumentos
eficazes de acompanhamento de aprendizagem etc. Fora disso, não passam
rigorosamente de “ilhas”.
O Colégio de Aplicação do Centro de Educação
da Universidade Federal de Pernambuco tornou-se um centro de referência de
ensino, aparecendo nas primeiras colocações em sucessivos IDEBs. Trata-se, como
chamamos no título desse artigo, um exemplo emblemático para analisarmos os
possíveis êxitos e, muito mais que isso, as mazelas do IDEB. O colégio obteve
uma média de 8,1 no último levantamento, conseguindo o primeiro lugar geral nas
últimas séries do ensino fundamental. Segundo tomei conhecimento, eles
planejavam obter a nota 8,4. Em todo caso, pontualmente, trata-se de um
desempenho excepcional, comemorado por pais, professores e gestores daquele
estabelecimento de ensino.
O
Centro de Educação da UFPE, ao qual está vinculado aquele colégio, também goza
de uma reputação elevada em termos de reflexões e produção acadêmica na área de
educação. Durante as últimas décadas, exerceu forte influência sobre as
políticas de educação implementadas pela Prefeitura da Cidade do Recife, tendo
saído daquele Centro vários gestores municipais, alguns ex-professores e
colegas que prefiro não mencionar. Se, por um lado, isso significa o
reconhecimento do nível de reflexão daquela entidade sobre o assunto, por
outro, é de se lamentar que os bons indicadores na área do ensino fundamental
não estejam se refletindo na Rede Pública da Cidade do Recife, que alcançou um
dos piores resultados do Brasil.
Um
dos gestores daquele Centro foi o professor Ives de Mapeau, de saudosa memória,
uma pessoa simples, sensível, que, algumas décadas atrás, quem sabe pelo hábito
trazido da França, já usava a bicicleta como um meio de transporte, numa
postura ecologicamente correta. Uma de suas declarações causou espanto nos
meios acadêmicos ao afirmar que o Colégio de Aplicação não teria competência
para trabalhar com alunos empobrecidos. À época, isso repercutiu muito mal,
porque o Centro era(?) hegemonizado pelo pensamento de esquerda e a franqueza
do professor pareceu algo conservador, elitista.
Por
outro lado, se estávamos num Centro de excelência em educação, como admitir
essa incapacidade de conceber um programa de educação que fosse competente o
suficiente para enfrentar as desigualdades inerentes aos alunos mais
empobrecidos? O professor foi muito mal interpretado e vítima do patrulhamento
ideológico – limitado ao discurso – dos departamentos mais identificados com o
pensamento de esquerda na educação, notadamente o de Fundamentos Sócio-Filosóficos
da Educação. O curioso naquele Centro é que o Departamento de Gestão Educacional,
perdoe-nos por não lembrar-nos do nome correto - quem sabe pelo viés
instrumental – sempre manteve uma postura mais conservadora.
Na
realidade, retirado esse pano de fundo ideologizado, logo se compreende as
afirmações do professor Ives de Mapeau, com quem tive a oportunidade de
conviver e conhecer sua seriedade. Há verdades e mitos que precisam ser
refletidos, sem a coloração ideológica que costuma anestesiar o pensamento.
Primeiro, há de se reconhecer todo o bom desempenho do Colégio de Aplicação da
Universidade Federal de Pernambuco, elogiando-se todos os seus servidores e
alunos. A nota obtida no IDEB é fruto da meritocracia. Possivelmente há um
programa de ensino e um planejamento muito bem estruturado; uma gestão atenta,
que acompanha todo processo – ou seja, tira a bunda da cadeira -; os
professores são bem qualificados e contratados consoante os critérios adotados
pelo mesmo processo de ingresso na Universidade.
Embora
não haja nenhuma indicação de que professores com melhor remuneração sejam
melhores professores, não resta dúvida de que eles possuem uma vida mais
sossegada, tendo acesso à dispositivos culturais que melhoram sua atuação em
sala de aula. A clientela atendida pelo Colégio é muito bem-selecionada,
através de um teste aplicado com regularidade, todos os anos. Isso permite
àquele estabelecimento trabalhar com uma público oriundo dos estratos sociais
remediado ou melhor favorecido da sociedade recifense e adjacentes. As enquetes
sociais aplicadas devem indicar isso.
Afora
esses procedimentos pedagógicos que podem ser repicados em escala em toda a
rede pública, caso haja recursos, vontade política e mobilização da sociedade, num
contexto mais geral, pouco contribuirá para socializar a melhoria da qualidade
do ensino no país. Quando muito, no final, serve apenas para aprofundar o fosso
que separa a sociedade brasileira, construindo-se muros, num país que precisa urgentemente
de pontes para se encontrar enquanto nação... até 2021. Chegaremos lá?
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