No gosto do povo
Quando o presidente Lula anunciou Dilma Rousseff como sua candidata à
Presidência, a reação foi de completa perplexidade. Executiva decidida e
conhecida por suas opiniões fortes, Dilma nunca havia concorrido a uma
eleição. Tinha uma história de vida complexa, uma reconhecida
competência técnica e uma experiência de sucesso substituindo o até
então insubstituível ministro José Dirceu na Casa Civil do governo.
Mesmo assim, essas credenciais pareciam insuficientes, até porque ela
não era uma petista histórica, suas raízes partidárias estavam no PDT de
Brizola, onde exerceu diversas funções na cidade de Porto Alegre e no
governo do Rio Grande do Sul, adquirindo experiência administrativa.
Primeiro veio a campanha, e ela mostrou-se uma candidata competitiva.
A pupila foi boa aluna, aprendeu lições valiosas com um professor
generoso. Foi bem nos debates e sua personalidade forte começou a
aparecer para quem prestava atenção. Ganhou a eleição com méritos.
Elegemos então a primeira mulher presidente do Brasil. Enchemos o
peito de orgulho e Dilma foi empossada sob os aplausos do mundo,
ratificando o compromisso brasileiro com a modernidade e a igualdade
entre o homem e a mulher.
Iniciou seu governo sob a sombra poderosa do mais popular presidente
da nossa história. Poderia, sem conflito com o antecessor e padrinho,
impor sua própria marca? Aos poucos essa questão foi sendo respondida.
Positivamente. Dilma surpreendeu nos primeiros cem dias, na primeira
crise, nas primeiras insatisfações. Os ataques éticos a membros do seu
governo deram o mote para a imagem de faxineira. As tentativas de
insubordinação trouxeram à tona seu estilo durão. As inquietações na
ampla base foram encaradas com firmeza.
Pouco a pouco se viu que não era apenas a primeira mulher que ocupava
a Presidência. Era uma ex-guerrilheira heroica e determinada. Uma
estudante torturada com o espírito da anistia e da conciliação. Mas sem
fugir do encontro com a história. Está aí a Comissão da Verdade,
avançando, sem revanchismo e com firmeza.
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Era também uma técnica competente, uma política habilidosa, capaz de
administrar sem fraturas a mais extensa base aliada que já se viu neste
país. Participou de pouquíssimas campanhas e exclusivamente quando sua
presença provou-se imprescindível. No ciclone das recentes eleições
municipais, que em muitos lugares conflitaram aliados federais em lutas
sem quartel, conseguiu escapar sem uma defecção sequer. Não é pouco, é
muito.
Existem questionamentos naturais quanto ao desempenho administrativo,
mas vejamos… A prioridade do social continua sendo religiosamente
cumprida. Algumas outras áreas ficam carentes. É a sina administrativa
dos países em desenvolvimento: é simplesmente impossível para qualquer
governo atender a todas as expectativas, mas educação, saúde e segurança
não podem deixar de ser prioridade em nenhuma circunstância. Estamos
com problemas graves a serem resolvidos. Também na infraestrutura, onde
Dilma quer deixar sua marca, está sendo atrasada pela burocracia e pelo
gigantismo de uma máquina antiga, concentrada no poder central. As
agências reguladoras não funcionam. O serviço de telefonia, por exemplo,
transformou-se em um dos piores do mundo. A burocracia continua
emperrando a máquina pública.
Os recursos são mal distribuídos, mas esses males independem do
presidente da vez. Só serão efetivamente combatidos, como já é
lugar-comum mencionar, com uma reforma ampla e profunda do Estado.
A presidenta caiu no gosto do povo. Deu ao cargo uma dignidade
diferente, com um comportamento mais parecido com os dos governantes do
Primeiro Mundo. Sua popularidade, com dois anos decorridos de governo,
supera em muito a votação que recebeu. Sabemos que política é mutável
como as nuvens, mas, consultando os astros, sua situação para a eleição
de 2014 é muito confortável.
No entanto, no meu entender, o mais importante ato do governo Dilma,
até agora, foi a sua decisão de reservar os rendimentos dos royalties do
petróleo para utilização exclusiva na educação. Uma tese antiga,
defendida, entre outros, pelo meu amigo o senador Cristovam Buarque.
Essa decisão, sim, é capaz de garantir de uma vez por todas o encontro
do Brasil com seu futuro. Hoje, esse encontro parece distante. Os
índices educacionais brasileiros podem até ser maquiados para aparentar
melhorias, mas temos de reconhecer, mais uma vez, nossa incompetência.
Pouco melhorou.
No começo de dezembro, um Cristovam Buarque indignado discursou na
tribuna do Senado sobre recente pesquisa na área de educação que coloca o
-Brasil em um vergonhoso 39º lugar entre 40 países. Um Cristovam
indignado surpreendeu-se com a falta de repercussão de tanta vergonha.
Um Cristovam indignado perguntou “se não temos vergonha na cara de
sermos a sexta economia do mundo e apresentarmos índices tão baixos de
educação”. Um Cristovam indignado disse “eu faço esse discurso e,
amanhã, nada acontece”. E continua… “A impressão que me está passando é
de que está faltando vergonha na cara da gente, mas, além de faltar
vergonha, sobra burrice.”
Quero me associar a Cristovam na indignação e na vergonha. Isso tem
de mudar. Tem de haver uma reforma estrutural, a federalização das
escolas públicas de ensino fundamental e médio. Educação tem de ser
prioridade absoluta. E não é e nunca foi. Desde os tempos do império.
Mas poderá ser. A presidenta Dilma pode deixar sua marca na maior
revolução da história deste país. Pode, por meio das melhorias na
educação, ensinar uma nação a pensar, se reinventar e, assim, trabalhar
para fazer do Brasil finalmente o país do futuro que tanto já foi
cantado mundo afora.
Sonho também com uma profunda reforma política. Pareço disco
arranhado, eu sei. Assim como Cristovam e a educação, há anos luto por
mudanças na estrutura política do nosso país.
A reforma tributária, a reforma política, a reforma no Judiciário.
Tudo isso é base, é fundação para o crescimento deste nosso Brasil. Mas
nada, nada disso terá consequências se a educação não for prioridade
antes.
Como é tímido o nosso crescimento na educação, quando o comparamos
com o de outros países emergentes que fizeram e fazem da educação a
plataforma para o seu desenvolvimento.
Caso o Congresso reconheça a importância da iniciativa e referende a
reserva dos rendimentos dos royalties do petróleo para utilização
exclusiva na -educação, e caso a sociedade se mobilize para cobrar e
fiscalizar a sua aplicação, podemos passar da esperança à realidade e
confiar que, finalmente, estamos lançando as bases de uma grande nação.
Com educação de qualidade e sem máscaras.
Fernando Lyra, ex-ministro da Justiça, ex-presidente da Fundação Joaquim Nabuco.
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