Gabriela Nogueira Cunha
26/12/2012
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A cena é típica. Parados em frente ao portão da escola dela, apoiados na bicicleta dele, o casal se beija. Um grupo de garotos ri da situação. A maleta de trabalho do rapaz, jogada no chão com desleixo, leva a crer que foi um encontro apressado, mas aguardado. Ninguém jamais saberá seus nomes ou, ao menos, conseguirá ver seus rostos. Eles ficaram reservados à memória do par de colegas de classe da garota que achava graça – o que fazia o casal apaixonado, em plena Paris de 1989, parecer minimamente estranho. Será que ele era mais velho do que ela? Ninguém jamais saberá. A tão corriqueira cena está hoje pendurada na parede da Galeria 2, na Caixa Cultural do Rio de Janeiro, em meio a uma seleção de outras 80 imagens do fotojornalista Flávio Damm.Damm é um fotojornalista que, por opção, só opera com luz ambiente e em formato 35 mm, nunca utiliza equipamento digital e jamais fotografa em cores. Com curadoria de Felipe Taborda, a exposição “Flávio Damm – Passageiro do Preto & Branco – Fotografias 1946-2012” permanece na galeria até 27 de janeiro de 2013. Os registros percorrem mais de 60 anos da carreira do gaúcho em dezenas de cidades espalhadas pelo globo: junto àquela fotografia do casal apaixonado na capital francesa de 1989, aparecem o Rio de Janeiro de 1998, o carnaval de 1950, Portugal em 2010, Ouro Preto em 1999.“Sei escrever, mas gosto de fotografar.” É assim que o jornalista escancara sua preferência pelas imagens, em entrevista à Revista de História. “O papel do fotojornalismo não é outro, se não ilustrar a própria notícia. O fotojornalista vai à guerra e cumpre a tarefa de ver por quem não viu”, conclui. A “guerra”, a qual Damm utiliza como exemplo, é uma referência à Segunda Guerra Mundial que, segundo ele, foi crucial para lhe despertar o interesse pela fotografia.“Eu tinha 11 anos em 1939 e lia o jornal por cima do ombro do meu pai. Um dia, quando começou a Segunda Guerra, eu perguntei pra ele: ‘quem é que faz essas fotografias?’. E ele me explicou que é um soldado, munido de câmera, que vai para a batalha. Naquele momento eu queria ser o criador da imagem, queria ser o cara que leva aquela imagem para as pessoas, queria ser o fotógrafo de guerra.” Não muito por acaso, Flávio Damm começa sua carreira como auxiliar de laboratório do fotógrafo alemão Ed Keffel, que se refugiava do nazismo em Porto Alegre.Na imprensa, Damm realizou seu primeiro grande trabalho em 1948, quando cobriu o retorno de Getúlio Vargas à cena política, após o Estado Novo, para a Revista do Globo. Com isso, conseguiu um convite para trabalhar numa das revistas mais conceituadas da época: O Cruzeiro. E lá ele passou 520 semanas e 330 reportagens. Números que ele sabe de cor e lembra com entusiasmo: “Viajei o mundo inteiro pela revista Cruzeiro. Fui o único fotojornalista que cobriu a coroação da rainha da Inglaterra. Fui até preso duas vezes! Uma vez pelo Perón, na Argentina, em 1951, e outra no Rio, em 66”.P&B
Com mais de 65 anos de carreira, 26 livros publicados e exposições ao redor do mundo, Flávio Damm é conhecido por sua “aversão” à tecnologia digital e adoração, quase religiosa, ao preto e branco. Para ele, a cor não passa de um acessório decorativo e não traz o fator “foto-verdade” que impregna as fotos monocromáticas. Em sua opinião, fotos coloridas passariam algo como falsidade emocional e a cor seria um facilitário fotográfico.“A fotografia em preto e branco exige [mais] do fotógrafo: registrar a cena, compor, transmitir o conteúdo. Exige do espectador uma leitura menos emocional: mais crítica, com mais atenção. Em P&B o leitor coloca a cor que ele quer... Sua própria emoção dele. Esta é a minha linguagem, dela não abro mão.” Photoshop? Nem pensar! Essa “mágica” não tem espaço em sua fotografia.
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