pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO. : Belo Monte: modelo para aniquilar os povos tradicionais
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quarta-feira, 29 de julho de 2015

Belo Monte: modelo para aniquilar os povos tradicionais


A vida real em Altamira e região não é uma história sobre o desenvolvimento e o progresso. É uma história de destruição e abandono da população local.



Najar Tubino
Regina Santos/ Norte Energia
É um método requintado, aprimorado durante a construção da terceira maior hidrelétrica do mundo, que atinge quase 40 mil pessoas em uma população original de 100 mil, caso da cidade de Altamira. São oito mil casas destruídas, sendo que cinco mil já foram abaixo. Parte da população, chamados de beiradeiros, porque vivem na beira do rio e trabalham dentro da floresta, é obrigada a optar: urbano ou rural. Escolhe qual situação vai aderir, ou fica sem nada. Esta a opção da terceirizada da Norte Energia S.A., a sociedade de propósito específico, responsável pela usina. O Instituto Socioambiental (ISA) elaborou um Dossiê sobre Belo Monte.
 
Por um motivo fundamental: em fevereiro desse ano, a empresa entrou com o pedido de Licença de Operação, o que praticamente encerra o poder de barganha da população atingida, de conseguir amenizar seu sofrimento. São 202 páginas abordando a questão em várias áreas – educação, saúde, Terras indígenas, Unidades de Conservação, condicionantes não cumpridas-, mas o principal são as Vozes do Xingu, em forma de depoimento de pessoas que participam diretamente da questão, como um defensor público, uma militante do SUS e uma conselheira tutelar. É a vida real em Altamira e região, contada detalhadamente. E não é uma história sobre o desenvolvimento e o progresso. É uma história de assombração, onde uma balsa destruidora percorre o rio Xingu atrás de moradias dos moradores nas ilhas e nos beiradões para derrubar.
 
Documentos preenchidos somente com a digital
 
Um trecho do depoimento do defensor público federal, Francisco Nóbrega:
 
“- Testemunhar esse processo brutal de remoção compulsória da população urbana de Altamira, conduzido pelo empreendedor ao arrepio de inúmeras determinações do licenciamento e sem fiscalização efetiva do IBAMA, é tarefa difícil, em certos momentos desesperadora. O fosso entre o poderio do empreendimento e a capacidade de resistência da população é atroz e a sensação de impotência, em alguma medida é inevitável. Contudo, se há algo de belo nesse monte de atrocidades é a coragem e a determinação do povo em lutar pelos seus direitos.”
 
Nas duas primeiras semanas de trabalho da defensoria pública federal foram atendidas 400 famílias, elas já realizaram 700 procedimentos jurídicos e têm agendado centenas de outros casos. A maior parte: indenizações abaixo do valor, famílias que não estavam incluídas no cadastramento socioeconômico da terceirizada da Norte Energia, uso de papel em branco, com apenas a digital do atingido para ser preenchido posteriormente e por aí vai. Grande parte da população atingida é analfabeta e são inúmeros os casos de documento preenchido nos escritórios da empresa. Sem contar um tal Caderno de Preços, que foi fixado unilateralmente pela Norte Energia, responsável direta pelo surto epidêmico de especulação imobiliária na região.
 
Na realidade o grande problema das grandes obras de infraestrutura é que não existe canal entre o responsável privado – o mercado – e os órgãos oficiais com os atingidos diretamente. Quanto mais longe a obra, pior para as populações atingidas. IBAMA e FUNAI não são órgãos em condições de fiscalizar uma obra do porte de Belo Monte. Aliás, o IBAMA tem sete analistas ambientais exclusivos para atender o licenciamento ambiental da hidrelétrica, mas eles trabalham em Brasília e fazem visitas semestrais. O grande informante, a fonte primária, sobre o andamento das obras das condicionantes obrigatórias na área socioambiental é a própria empresa.
 
Ribeirinhos sem o rio
 
Dois exemplos importantes: os reassentamentos urbanos coletivos, chamados de RUCs, onde milhares de famílias estão morando. Todos na periferia da cidade, ao contrário dos bairros antigos, ficavam perto do centro. As casas foram montadas, não construídas, porque a estrutura é de laje de concreto pré-moldada. A mudança ocorreu sem nenhuma infraestrutura de transporte público, posto de saúde, escola ou delegacia. É um amontoado de casas, sem uma área de lazer e um pé de arvore, longe do rio. Na Amazônia o rio é a essência das pessoas, porque dele tiram seu sustento, comem, se deslocam, se divertem, enfim, fazem tudo.
 
Quase duas mil famílias de atingidos são da zona rural, e não há assentamento rural construído, a não ser 30 lotes já demarcados no Travessão 27, na beira da rodovia Transamazônica. Muito mais grave: os ribeirinhos conseguiram nos últimos anos demarcar três Reservas Extrativistas (Resex) no rio Xingu, no Iriri e no Riozinho do Anfrísio. Lá eles coletam castanha e seringa e pescam. Outros moram em ilhas e nas margens dos igarapés e plantam suas roças, criam animais e também pescam. O pessoal da Resex tem o que eles chamam de casas de apoio na cidade, casas coletivas, que atendem o pessoal que sai do mato e vai resolver problemas na cidade. Eles levam de dois a 10 dias, dependendo da embarcação e da época, para chegar a Altamira.
 
É claro que a Norte Energia não aceitou esta classificação. A Casa de Apoio da Resex do Iriri atendia 70 famílias na cidade, que agora superlotam a Casa de Apoio da do Riozinho do Anfrísio, que fica no centro e não será alagada. As empresas de energia elétrica, mesmo que companhias mistas controladas por governos estaduais e o federal, não reconhecem o modo de vida desse povo. Na verdade não querem pagar indenização, ou colocam o máximo de empecilho, para ver se os atingidos desistem. No Brasil, mais de um milhão de pessoas foram atingidas por barragens, sendo que a média é de 70% para os que não recebem indenização.
 
Aumento da gravidez de crianças de 12, 13 e 14 anos
 
A cidade de Altamira inchou de 100 mil para 150 mil habitantes. Em 2012, 24.791 alunos frequentavam as escolas do ensino fundamental e médio, dois anos depois, o número passou a 27.486. Claro, a empresa entregou salas de aula, escolas reformadas, mas ela conta cadeiras e estruturas físicas – cozinha, sala dos professores e de leitura não constam na lista – dos prédios. Pior: os números do INEP apontam para o aumento na taxa de reprovação de 40,5% no ensino fundamental e 70,5% no ensino médio no período 2011-2013. A violência cresceu, o número de assassinatos subiu de 44 para 66, apenas por arma de fogo- entre 2011 e 2014 o número total de assassinatos cresceu de 48 para 86. O número de homens circulando, consequência natural da obra, acarretou num aumento no número de partos – de 1.928 em 2009 para 2.751 em 2014. O enfermeiro do Hospital Municipal São Rafael, Odilardo Júnior, que está entre os depoimentos das Vozes do Xingu declarou o seguinte:
 
“- Estamos percebendo um índice maior de crianças de 12, 13 e 14 anos grávidas, que passam por complicações. As adolescentes de 16 aos 20 anos também têm engravidado mais. Muitas relatam que conheceram barrageiros, que depois foram embora e as abandonaram grávidas. Para mim, entre as principais consequências da obra está o aumento no número de gestantes, principalmente adolescentes, que serão mães solteiras dos ‘filhos da barragem’”.
 
A rede de esgoto não está conectada
 
O número de atendimentos nos hospitais cresceu de 266.475 em 2009 para 536.258 em 2014, com um crescimento de 228% de vítimas do trânsito, principalmente motociclistas que não usam capacete. Claro, a empresa construiu um hospital em Altamira, que está pronto, só falta decidir quem vai gerenciar e pagar a conta. Também construiu uma rede de coleta e esgoto e de água. A coleta de esgoto tem um problema básico, precisa ser conectada. Quem paga e quem será o responsável? Não decidiram. O Xingu já está bloqueado, depois o lago da usina será abastecido com água do rio, que recebe o esgoto da cidade e arredores. Nos acertos das condicionantes que a empresa cumpre parcialmente, o IBAMA diz que sem conectar a rede de coleta às casas, não tem licença de operação.
 
Isso é apenas uma amostra do Dossiê Belo Monte. No próximo texto: a situação dos araras que estão sendo roubados na TI Cachoeira Seca, a terra indígena mais desmatada no Brasil em 2013. Por que o BNDES responsável pelo financiamento de R$25 bilhões, não libera o acesso aos dados da auditoria independente, que analisa a implantação da construção e da compensação ambiental e social? E a inspeção de representantes do MPF, FUNAI, IBAMA, Defensoria Pública Federal e Estadual, além de pesquisadores da USP, UNICAMP e UFPA em 15 ilhas e beiradões em junho desse ano.   

(Publicado originalmente no Portal Carta Maior)  
 

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