É um triste paradoxo constatar que, numa época em que aumenta a violência e a criminalidade violenta, o garantismo jurídico seja substituído pelo chamado "terrorismo penal", através daquela odiosa inversão em que a vítima se transforma em réu. A grande maioria das pessoas tende a tomar o efeito pela causa e responsabilizar criminalmente os excluídos de todas as oportunidades sociais pelos transtornos da sociedade. Em primeiro lugar, todos somos responsáveis por esses transtornos. Ninguém está, absolutamente, isento de responsabilidade pelos problemas da nossa sociedade. Por comissão ou omissão, cada um de nós tem parte nesse desajuste moral que assistimos pelo rádio, a TV, os jornais e as redes sociais.Segundo, é pouco cristão adotar a vindinta, a retaliação, o ódio como forma de tratar aqueles que nos ofendem ou nos ameaçam, sobretudo quando se trata de menores e incapazes moralmente. Terceiro, não é boa política criminal endossar o ponto de vista Kantiano da "retribuição" como fundamento do direito penal, ou a chamada "lei de Talião": olho por olho, dente por dente. Não é esse o fundamento da pena ou do castigo. A não ser que não acreditemos mais nas palavras: ressocialização, reeducação, reinserção do apenado ao convívio social. Aí, seria mais honesto defender as políticas de higienização social, faxina social ou o puro extermínio daqueles que ameaçam à "paz social".
Esse preâmbulo foi feito a propósito da
manobra regimental (ou chicana regimental) que permitiu a aprovação da
emenda que antecipa a maioridade penal para os jovens e adolescentes de
16 anos. A PEC já tinha sido derrotada na primeira votação na Câmara dos
Deputados. Mas graças a um artifício regimental, o discípulo da Igreja
Sara Nossa Terra conseguiu reapresentá-la, sob o argumento de que se
tratava de um outro texto, um outro projeto de lei. Não sei se vai ou
não prosperar essa manobra, que ainda tem de passar por uma segunda
votação, na Câmara, e duas votações no Senado. É possível que seja
modificada no Senado, se for formado um consenso em torno da proposta do
PSDB, que aumenta o tempo de internação dos menores delinquentes e
aumenta a pena para os maiores que aliciam jovens para o cometimento de
ilícitos penais.
0 que chama mais atenção é o perfil dos que
serão atingidos por essa perversa manobra, caso ela prospere: menores e
adolescentes pretos, pardos, pobres e analfabetos. Será este o
contingente alcançado pelo "terrorismo penal" da bancada da bala e da
Bíblia, na Câmara dos Deputados. Ao invés de mais escolas de tempo
integral, mais bolsas de estudo, mais profissionalização, lazer e
oportunidades sociais, mais cadeias, mais celas, mais vagas nas prisões
superlotadas de detentos e apenados. Seria mais honesto defender uma
política de extermínio social, sem cotas, para este grupo. Admitir que o
fabuloso processo de (EX)inclusão social brasileiro não comporta esse
grupo. Ou que a sombra de Cesare Lombroso voltou a pairar sobre a cabeça
de legisladores (evangélicos) e juristas. É que há um relativo
consenso na população brasileiro de que o paraíso não é para todos. É
para alguns. E que "o crime de colarinho branco" compensa no Brasil.
Rende aposentadoria milionária, estandarte e dia feriado.
Aqueles que costumam esgrimir o Poder de
Polícia contra os outros e a necessidade de prisão para os mais pobres, provavelmente nunca foram presos (e acham que nunca serão). Invoque-se o
exemplo do Pizzolato na Itália ou de Maluf na cela da Polícia Federal
de São Paulo! Ou dos ricos empresários pegos na Operação Lava-jato: é
chato, deselegante e pouco confortável ser preso no Brasil. As cadeias
não são devidamente aparelhadas, são úmidas, frias ou quentes, não tem
televisão, frigobar ou um cardápio sob medida, com comida italiana ou
árabe. Ou seja, cadeia mesmo só para pobre e miserável que só depende da
defensoria pública e do juiz das execuções penais. Para os demais,
liberdade assistida ou prisão domiciliar, com pizza e coca-cola e jogos
do Brasil.
Segundo o sociólogo francês Pierre Bourdieu, o
"habitus" e o "Animus" limita a história de vida das pessoas, mais ou
menos determinando o destino de cada um, em sociedades competitivas e
desiguais. Mas nada, absolutamente nada impede de que aqueles que vieram
de baixo, que não nasceram em berço de ouro, não foram a Boston para
aprender inglês, possam mudar esse destino e ter uma vida melhor. Tudo
depende da disposição, da vontade política da sociedade em oferecer
oportunidades sociais, educacionais, profissionais, artísticas que
resgatem esses milhões de jovens e crianças brasileira....da morte certa
na guilhotina que está sendo preparada para eles.
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE
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