Em visita ao Cemitério de Sto. Amaro, para recolher os restos mortais do meu sogro - morto por negligência hospitalar numa das unidades administradas pelo IMIP – me deparei com a imagem de um morto, dependurada na sala da administração do cemitério. Era a única fotografia que havia lá, sendo que ali não era capela ou igreja e a figura obviamente não era o retrato de nenhuma autoridade pública viva. A imagem – pasmem – era a do ex-governador de Pernambuco, Eduardo Henrique Accioly Campos. Já tinha presenciado isso antes numa das salas da delegacia da Polícia Civil de Boa Viagem. Indaguei quem tinha posto e por qual razão, o retrato de finado: ele não era santo, não fez nada pelo cemitério e nem era autoridade pública viva: além de ser objeto de investigação da Justiça Federal, por conta do desvio de recursos públicos da refinaria Abreu e Lima. Naturalmente, ninguém forneceu nenhuma explicação.
Acredito que se fosse para escolher uma obra (faraônica) para homenagear a figura do ex-governador, deviam ter escolhido a Arena Pernambuco, que vai permanecer como símbolo da obra administrativa do finado, inútil, dispendiosa e cercada de indícios criminosos. Esta sim seria digna de ostentar o seu nome. Não o cemitério ou a delegacia da polícia civil. Mas como vivemos tragicamente uma época de inversão completa de valores, onde os ladrões, corruptos e bandidos tornaram-se juízes naturais para condenar os outros, entende-se.
A propósito, voltemos ao conceito de familismo amoral ou patrimonialismo. Quando vejo o nome de avenidas, viadutos, hospitais, logradouros com o nome de novas autoridades já mortas, fico imaginando que o ideal republicano de uma administração que se paute pela legalidade, impessoalidade, moralidade e transparência, ainda está muito longe de ser entendida, quanto mais seguida, em nossa província. Esses retratos, essas homenagens e decretos comemorativos ou laudatórios devem ter o sentido de explicar a nós, humildes cidadãos contribuintes e votantes, que o Estado tem dono, amo e senhor. E que tudo, ou quase tudo pertence – pela força da tradição familista – a esse dono ou a seus sucessores e prepostos. Direitos dinásticos que passam de pai para filho, de esposo para a esposa, primos, sobrinhos, cunhados, noras e genros etc.
Pernambuco seria uma imensa capitania hereditária, governada pelos donos ou seus prepostos, mais sempre em benefício da oligarquia dominante, ciosa e gananciosa dos empregos, cargos de confiança, obras e recursos públicos. Tudo em nome do povo, da terra, das briosas tradições nativistas e republicanas desde a Insurreição contra o domínio holandês, a guerra dos mascates, o mata-mata marinheiro, a praieira, a confederação do equador etc. Uma tradição suficientemente equívoca para legitimar o poder oligárquico e oferecer um sentimento de pertencimento à nação pernambucana.
O último episódio dessa ópera bufa foi a participação dessa fraude partidário que atende pelo nome do PSB. Um partido que já teve João Mangabeira como líder e acabou participando da conspiração contra um governo legalmente eleito, depois de ter feito parte e recebido muitos benefícios desse mesmo governo. Nós, cidadãos e cidadãs pernambucanos não merecemos isso. É preciso que urgentemente se restabeleça o respeito e a moralidade, sob pena de lançarmos fora o legado de luta, de resistência e conquista sociais, duramente alcançados pelos que nos precederam. A sua memória não perdoará um regime tão nefasto de privilégios, de auto interesses e de mau uso dos recursos públicos.
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE
Nenhum comentário:
Postar um comentário