O advogado geral da União, José Eduardo Cardozo, teve a oportunidade de
ministrar uma excelente aula aos conspiradores presentes na Comissão Especial
do Senado da República, que analisa o pedido de admissibilidade do processo de
Impeachment contra a Presidente Dilma Rousseff. Citando um autor argentino que
estudou os vários processos de Impeachment ocorridos na América Latina, ele
chegou a uma constatação curiosa: esse instituto constitucional vem sendo
empregado no subcontinente sul-americano como um remédio para resolver crises
eminentemente políticas. Ou seja, naqueles casos onde há “legislaturas
beligerantes” contra o ocupante do Poder Executivo, o processo de impedimento
contra o Presidente, substitui o clássico voto de censura, no regime
parlamentarista, lançado sobre o governo, quando a maioria parlamentar e seu
gabinete de ministros perde a confiança de seus pares e da sociedade. No Parlamentarismo,
a figura do Chefe de Estado (o Presidente) é preservada, enquanto a crise política
é resolvida pela convocação de novas eleições gerais.
Disse José
Eduardo Cardozo que o uso que vem se fazendo do instituto do Impeachment no
Brasil, na ausência de amortecedores e para-choque para a crise, é absolutamente
inadequado, inconstitucional, uma vez que na falta de crime de responsabilidade
ou de tipos penais que justifiquem o processo contra Dilma, estão querendo usar
o Impeachment para tirar a Presidenta da República, de qualquer jeito, por
qualquer motivo ou justificativa. Ingovernabilidade, falta de apoio, gestão
temerária, impopularidade, enfim, crise política não é base legal para o
impedimento de um ocupante da Poder Executivo Federal. O uso inadequado (para
não dizer golpista) desse instrumento constitucional equivale a uma banalização
do Impeachment e a uma insegurança jurídica para qualquer governante que se
sente na cadeira de Presidente da República. O uso golpista do processo de
impedimento permite que qualquer maioria eventual – produzida por uma união
eventual de interesses na Câmara e no Senado – possa mover esse processo contra
o governante de turno, seja de que partido for, tenha ou não cometido crime de
responsabilidade.
Naturalmente,
num ambiente como esse, onde a desinformação e a má-fé andam juntas, muito
ajudadas pela ação reconstrutiva dos meios de comunicação de massa, a suprema
corte judiciária do País teria a grande responsabilidade de fazer valer a
Constituição, esclarecendo, através de seus pareceres e sentenças, o perigoso
equívoco de se usar o expediente impeditivo como antídoto contra a eventual
beligerância do Parlamento ou o revanchismo da oposição ou um meio
diversionistas daqueles que estão hoje na mira da Justiça (como o presuntivo futuro vice-presidente da
República, Eduardo Cunha). Os ministros são, por força da lei, os guardiões da
Constituição, são os principais responsáveis pela chamada jurisdição
constitucional, são eles que dizem a lei, não podem – por consequência – se
omitirem diante desse possível estrupo constitucional, dessa ruptura
constitucional, sob pena de serem acusados de coniventes, acovardados, omissos
diante da crise que se avizinha.
Permitir que se demova de seu cargo
legitimamente conquistado pelo voto soberano de 54 milhões de eleitores, um
Presidente da República, em função da desídia de um Parlamento cheio de réus,
denunciados, investigados pela Justiça, é ajudar abrir a caixa de pandora de
todos os malefícios, malquerenças, interesses escusos, antinacionais, antipopulares
e antidemocráticos que hoje não ousam mostrar a sua cara. Mas uma vez consumado
o golpe, não terão nenhum escrúpulo de aprovar no congresso, aquilo que negaram à Presidente da República, para dessangrá-la até
a paralisia e a inação do Poder Executivo.
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE
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