Estive neste fim de semana em Garanhuns, a convite do Instituto Histórico e Geográfico, para lançar a revista RUBER e fazer uma palestra sobre a história e a historiografia de Garanhuns. Nas noites frias, chuvosas e cerradas da minha terra natal, o que mais ouvi foi reclamação. Parece que o governo do estado resolveu punir a cidade das 7 colinas e do clima maravilhoso, por conta da sua baixa popularidade e aceitação pelos garanhuenses. Fala-se da pouca afluência aos eventos, dos próprios convidados e sobretudo, da intolerância política e cultural da organização do FIG em relação à programação do mesmo. O ponto alto desse descontentamento foi a explosão de Daniela Mercury, quando ela fêz um discurso político contra os partidos, os administradores e ao próprio governo de Pernambuco, em razão da censura à exibição de uma peça que faz uma leitura transsexual sobre a vida de Jesus Cristo. É curioso isso tudo. Numa cidade, onde a catedral do santo padroeiro da cidade (Santo Antônio) foi palco de vários espetáculos profanos, e onde foi lançado o livro sobre a morte do bispo D. Expedito Lopes, onde quase era realizado o congresso nacional dos integralistas e onde uma das maiores atrações turísticas é o santuário de Mãe-Rainha, a explosão da cantora baiana acendeu uma luz na escuridão do festival.
Não é de hoje que se discute a sexualidade de Maria, de José e do próprio Jesus. Há quem afirme a bissexualidade do nazareno, ou da existência de uma prole com Maria Madalena. De todo jeito a relações do Cristianismo com as questões de gênero e de orientação sexual não são e nunca foram pacíficas. Há na religião, como herdeira dos filósofos neo-platonicos e gregos, uma vocação misogena muito grande, que põe as mulheres numa posição desconfortável. Isso para não falar das influências do primo mais velho - o judaismo - patriarcal, machocentrico, como dizem as feministas. A Igreja Católica ainda precisa pedir perdão às mulheres, pela sua misogenia impenitente.
Na questão da orientação sexual, é pior. Pura hipocrisia. Em razão do celibato adotado pela Igreja (que muitos explicam por meras razões econômicos, sucessórias e legais), a Igreja tem sido conivente com o crime de pedofilia, embora condene o homoerotismo, que não é crime é um direito civil e humano:a escolha da orientação sexual. Sou testemunha de que muitos homossexuais são bons cristãos, sofrem com a discriminação sexual e não querem morrer sem extrema-unção. Ou seja, não há nenhuma incompatibilidade entre gênero, identidade sexual e piedade ou confissão religiosa. Só a elaboração ascética e puritana do Cristianismo paulino é que se tornou incompatível com o sexo, o genero e a transsexualidade.
Portanto, é perfeitamente compreensível a crítica feita aos censores do governador em relação ao direito (constitucional) da liberdade de expressão artística daqueles que propuseram fazer a leitura "heterodoxa" da vida do nazareno. Infelizmente, nestes tempos bicudos que nos foi dado a viver, com um governador rude, despojado de qualquer sensibilidade humana para essas questões (como para outras, aliás) é de se esperar essas e outras patranhas culturais. Mais grave ainda é quando essa campanha digna de Savanarola se insere dentro de uma política mesquinha de punir a cidade e seus habitantes, em decorrência de legítimas discordâncias políticas e partidárias.
Chega de tanta intolerância, senhor governador!
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia.
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