pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
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segunda-feira, 6 de abril de 2015

Heitor Scalambrini Costa: As denúncias de Roldão



Tijolinho Real: Reinaldo Azevedo, o embola bosta?

Muita gente já entrou em polêmica com o blogueiro da revista Veja, Reinaldo Azevedo. Reinaldo era editor da Revista Primeira Leitura. Salvo pela linha editorial, já então bastante tendenciosa, devo afirmar que, em termos de alguns conteúdos, tratava-se de uma publicação de bom nível. Pouco tempo depois, a revista entrou em processo falimentar. Eles honraram o compromisso com os assinantes, oferecendo a possibilidade de devolução do dinheiro pago. Por essa época, poderia não concordar com Reinaldo Azevedo em muitos aspectos, mas a forma como foi conduzida a crise da revista Primeira Leitura nos causou uma boa impressão do sujeito. Logo em seguida, ele passou a ser colunista da Revista Veja. Penso que aqui, de fato, começou sua descida ao inferno. Contingenciado pela linha editorial da nova publicação e aliado às primeiras indisposição com o público, ele deixou cair de uma vez a carapaça e passou a assumir posições marcadamente de direita, tornando-se uma espécie de intelectual orgânico de nossa elite, assim como Pondé, Olavo de Carvalho e Diego Mainardi. Agora foi o teólogo Leonardo Boff que entrou nesse polêmica, afirmando que o blogueiro bem que poderia ser comparado ao besouro embola bosta. Na nossa infância, esses besouros eram muito comuns, principalmente nas casas onde havia a criação de porcos. Trata-se de uma espécie sanitarista, destas que ajudam bastante a natureza. Eles possuem um hábito curioso: se alimentam de fezes de animais. No processo reprodutivo, costumam depositar seus ovos dentro de torrão de fezes e empurrá-los até um local seguro, onde cavam um buraco e o enterra. Quando os ovos eclodem, já encontram o primeiro alimento. Há quem afirme que Leonardo Boff nunca foi tão feliz ao estabelecer essa comparação.

Fernando Da Mota Lima: A herança das utopias




Se é possível falar em debate público nas redes sociais, ele está restrito a questões políticas imediatas ou conjunturais. Há questões de fundamento que, sei, não podem ser razoavelmente discutidas nessas vitrines moventes. Se no entanto teimamos em ignorá-las, continuaremos repetindo nossos erros e brigando em torno dos efeitos alheios às causas. Um exemplo: a esquerda, da qual procedo e dentro da qual formei minha concepção da realidade histórica, continua cegamente presa a ideais utópicos e a projetos políticos que foram profundamente abalados pela história do século 20. As utopias de esquerda (comunismo) e direita (nazi-fascismo) resultaram em Estados totalitários e conflitos armados sem precedente histórico. O custo social disso tudo é inominável. Há pouco li um livro obrigatório para quem deseja conhecer líderes da esquerda como Stalin. Refiro-me a Stalin – the court of the red tsar, de Simon Montefiore. Também recomendo este de Orlando Figes: The Whisperers. Eduquei-me politicamente aprendendo que Stalin era o grande benfeitor da humanidade. Hoje sei que foi um dos maiores tiranos da história. Seus crimes e os horrores que praticou para converter um país feudal e autocrático em uma grande potência são simplesmente inomináveis. Não conheço um intelectual ou militante de esquerda do Brasil que tenha feito publicamente um exame dos nossos erros e ilusões, dos enganos e crimes que cometemos, como agentes ou cúmplices omissos, da história de horrores do século 20, que se estende para o presente. Não falo da direita porque todo mundo sabe, pelo menos via cinema e a mídia de massa em geral, dos horrores que praticou. Além disso, o ideário dela nunca enganou às pessoas inspiradas por autênticos ideais humanistas. É por isso que miro a esquerda neste comentário que ou será ignorado ou servirá para que alguns dogmáticos e cegos intransigentes atirem pedras no meu telhado de vidro. No entanto, é preciso enfrentar essa história, se de fato queremos saber o que significam a história da revolução cubana, nosso bolivarianismo novamente em ascensão e a degradação do PT.

Fernando Da Mota Lima é professor da UFPE.

(Publicado originalmente em seu perfil da Rede Facebook, hoje, 06/04)

Tijolinho Real: Afinal, por que o Governo do Estado não concede o reajuste aos professores?



Estamos acompanhando, com muita atenção, a gestão do senhor Paulo Câmara (PSB), governador do Estado de Pernambuco. Sobretudo nos últimas dias, aconteceram algumas situações emblemáticas para entendermos para onde caminha a gestão do Estado sob o seu comando. Pouco tempo depois da morte do ex-governador, Eduardo Campos(PSB), especulou-se que o Estado de Pernambuco estava quebrado, com um rombo superior a 8 bilhões nas contas. Isso só veio à tona, naturalmente, a partir das circunstâncias políticas provocadas pela morte do ex-governador. Naquele momento, as autoridades fazendárias do Estado trataram de informar que o quadro não seria assim tão cinzento. Mas, a julgar pelo andar da carruagem política, pode-se concluir que, de fato, as finanças não vão muito bem por aquelas bandas do Palácio do Campo das Princesas. 

Sob a ameaça da decretação de uma greve da categoria dos professores, o Secretário de Administração informa que o Estado já estaria no limite do comprometimento com a folha de pagamento - algo em torno de 46,66% - com a observância da Lei de Responsabilidade Fiscal - impossibilitado, portanto, de assumir qualquer compromisso de recomposição salarial da categoria. Penso que estamos diante de um impasse. O mais interessante disso é a "circularidade" da elite neo-socialista tupiniquim, o que lhes faculta conhecer, em minúcias, as contas do Estado. Tanto o atual governador, assim como o Secretário da Fazenda são oriundos do TCE e passaram pela área fazendária da administração estadual. Outros dois fatos nos credenciam a imaginar que as contam não "fecham".  Outro dia alguém reclamava dos possíveis atrasos dos repasses dos recursos do Funcultura, o carro-chefe da política cultural do Estado. A Polícia Civil está abastecendo suas viaturas na base do "pendura".

Isso é muito grave. Somente nos últimos três meses foram registrados quase mil homicídios no Estado, índice que compromete sensivelmente as metas do Pacto pela Vida. Vários fatores estão contribuindo para que essa política de segurança pública - para sermos fiéis a José Luiz Ratton - seja solapada neste início de Governo do senhor Paulo Câmara. Depois de anos registrando indicadores positivos, o PPV começou a dar sinais de cansaço. Faltam liderança, recursos, engajamento de outros setores da sociedade, investimentos em capital humano. Não poderia dar noutra coisa. O "sucateamento" da Polícia Civil é apenas a ponta do iceberg. 

Melhor seria que o Governo do Estado assumisse logo o problema e comunicasse à sociedade pernambucana que o Governador Paulo Câmara herdou uma herança maldita, de uma máquina pública combalida onde, o que, de fato, funcionava a contento era a publicidade institucional, cujas verbas para a área eram, registre-se, bastante generosas. A rigor, o problema não é da Lei de Responsabilidade Fiscal. Ao constranger os gestores com as despesas de pessoal, ela, na realidade, mira os investimentos em políticas públicas que atendam as demandas da sociedade. Até aqui, tudo bem. O problema é quando você olha para a contabilidade pública como um todo e, em particular, nas prioridades estabelecidas pela gestão ou, mais particularmente ainda, passa um olhar sobre as rubricas da folha de pagamento, onde o comprometimento com as despesas dos chamados cargos comissionados (DAS) ainda é bastante expressiva. Percebendo que o grande número de cargos de confiança na máquina - além de contradizer o discurso de meritocracia - poderia arranhar seu projeto presidencial, o ex-governador Eduardo Campos, nos últimos meses de governo estava reduzindo esses números. 

Penso que timidamente. E, pior, as "acomodações políticas" na máquina tiveram continuidade na gestão atual, quando, na realidade a tesoura deveria ter sido amolada. Não sei se alguém já teve a curiosidade de pesquisar - possivelmente na academia - os resultados concretos dessa política de isenção fiscal do ponto de vista dos benefícios para a população. Renúncia fiscal e fundiária, registre-se. Essas empresas se instalam em zonas exclusivas - não raro com comprometimentos ambientais e sociais - e sequer empregam mão-de-obra local, dadas as carências de formação e as "reservas de mercado" para os patrícios. Em certo sentido, trata-se de uma política predatória, onde o Estado renuncia aos recursos que poderiam ser utilizados em políticas públicas estruturadoras. Em educação, por exemplo. 

Mas, no nosso caso, são os reformadores educacionais da educação quem está dando as cartas das políticas educacionais. Outro dia alguém lembrou num comentário a uma postagem nossa, na rede social Facebook, que se tratava de um modelo de gestão inspirado no empresário Gerdau, que deu tão certo em Minas quanto em Pernambuco. Aparecem alguns números "pontuais" - como aqueles alunos que viajam aos Estados Unidos para fazerem "imersão" no idioma inglês- mas, quando se abre a caixa-preta, percebe-se os reais problemas. 

No geral, na rede pública, a maioria dos alunos não passam da conjugação do verbo To Be. É certo que a Lei de Responsabilidade Fiscal deveria ser respeitada. O problema é que, em alguns casos, ela serve apenas para ser utilizada para se tentar justificar a má gestão da máquina; negar pleitos justos de algumas categorias - caso da categoria dos professores; além de permitir que alguns gestores deixam - pasmem - de cumprir outras medidas constitucionais igualmente importantes. No Estado, por exemplo, há um déficit de aproximadamente 6 mil agentes penitenciários, alguns deles com os cursos de formação já concluídos. Na Paraíba, a Justiça está "obrigando" o Estado a fazer a contratação de pessoas concursadas, mas   que ainda não foram chamadas. Não faltam recursos mesmo é para as licitações das casas famosas de buffet do Recife, que cobram os olhos da cara, para oferecer banquetes para a elite política, econômica e diplomática. Dizem que aqui não pode haver cortes. Imagina se esses estômagos sensíveis suportariam ingerir uma rabada com caninha de engenho?  

PS do Realpolitik: Não se entenda, aqui, que o corte do custo desses buffets seriam suficientes para honrar os compromissos de recomposição salarial da categoria dos professores. Evidentemente que não. A questão maior mesmo está relacionada com essa famigerada política de isenção fiscal, de resultados bastante duvidosos, cuja conta acaba sendo paga pelos servidores do Estado. Ainda no governo de Eduardo Campos, recursos de programas como o Chapéu de Palha estavam sendo contingenciados para honrar pagamentos da construtora que ergueu a Arena da Copa, um investimento a cada dia mais inviável.    

domingo, 5 de abril de 2015

Luciano Martins: Novos ídolos mostram pobreza intelectual da lumpenburguesia

publicado em 02 de abril de 2015 às 13:11

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VOZ DAS RUAS’
Os novos ídolos da imprensa
Uma das tarefas mais difíceis da observação da imprensa é interpretar a narrativa subjacente ao conjunto de textos e sua organização nas páginas dos jornais. Como os diários procuram abranger o máximo de temas que seus editores consideram importantes para compor a agenda pública, supõe-se que basta entender o contexto de cada caderno especializado para montar o quebra-cabeças proposto a cada dia.
Nesse modelo clássico de observação, bastaria analisar os editoriais para identificar a opinião de cada veículo e ler os artigos para circunscrever a amplitude de interpretações que a imprensa tolera em suas páginas. O resto estaria explícito ou implícito na hierarquia que vai das manchetes até as notas curtas, ou até mesmo nos temas que foram deixados de fora.
O mesmo processo serviria para observar o noticiário da televisão, pois os dois meios se complementam e os principais diários costumam esperar o fim do Jornal Nacional, da TV Globo, para concluir suas edições. No entanto, a homogeneização da mídia tradicional exige que o observador leia todos os jornais de circulação nacional e acompanhe o noticiário de maior audiência para entender a lógica do jornalismo praticado no Brasil.
As grandes empresas de comunicação estabeleceram, nos últimos anos, uma relação de parcerias que eliminou a concorrência entre elas, enquanto o propósito político comum unificou os discursos e as narrativas, fazendo com que os jornais ficassem muito parecidos entre si.
Se já não havia uma diversidade aceitável em cada um deles, agora fica ainda mais patente que os principais meios de comunicação do país atuam como uma só redação, um só corpo editorial orientado por uma visão de mundo dominante e conservadora. Essa característica fica escancarada na forma como os conteúdos de um jornal são complementados e referendados pelos demais, em sequências nas quais uma declaração, um boato ou uma anedota percorre todo o campo midiático, acabando por se afirmar como verdade incontestável.
Seguindo esse roteiro, é possível identificar claramente na narrativa comum e mutuamente referente dos três diários de circulação nacional uma agenda política que tem como eixo central a manutenção de um quadro de crise em torno da presidente Dilma Rousseff, ao mesmo tempo em que se procura minar a reputação do ex-presidente Lula da Silva.
Abominações políticas
Faz sentido: não é conveniente dar guarida aos manifestantes que pedem o impeachment da atual presidente, se Lula continuar com chances de voltar ao Planalto em 2018. Por isso, a imprensa busca dar consistência ao discurso desses atores recentemente inseridos na cena pública após os protestos do dia 15 de março passado. Repórteres, editores e âncoras de programas de entrevistas procuram tornar compreensíveis e palatáveis as ideias politicamente toscas expressas por tais protagonistas, apresentando-os como exemplos da razão nacional.
Essa ação tem sido mais intensa na Folha de S.Paulo e na TV Cultura de São Paulo – e, por extensão desta, na revista Veja –, mas se repete em entrevistas e artigos nos outros jornais, nos quais se procura apresentar um engenheiro, um adolescente de traços orientais e um jovem negro como representantes da “voz das ruas”.
Lidos no original, os discursos dos personagens que a imprensa selecionou para representar esse movimento exemplificam com clareza o que a filósofa Marilena Chauí chamou, há três anos, de “abominações” (ver aqui).
É difícil analisar diretamente as visões de mundo expressadas por esses novos ídolos da mídia, porque, como verdadeiras aberrações do pensamento político, escapam aos paradigmas clássicos. Mas pode-se ler a versão revista e palatável de suas ideias, que a imprensa procura apresentar ao público.
Na edição de quinta-feira (2/4), o Estado de S.Paulo assume, em editorial, a crença de tais personagens, de que há uma orientação “bolivariana” no poder Executivo – o que soa quase como achincalhe à inteligência do leitor mais exigente. Na Folha de S.Paulo, um articulista recomenda que os movimentos que organizam os protestos simplifiquem e unifiquem suas bandeiras, e afirma que eles representam “o que a rua quer”.
Esses personagens não representam as ruas. São a expressão da pobreza intelectual que caracteriza a lumpenburguesia, essa extração das classes médias urbanas composta pelos abastados abestados, analfabetos políticos que desprezam a democracia e repudiam a mobilidade social, da qual são beneficiários.
É com essas excrescências que a imprensa produz diariamente seus quitutes.
(Publicado originalmente no site Viomundo)

Michel Zaidan Filho: Religião e barbárie



Estava assistindo o noticiário internacional e fiquei surpreso como os movimentos políticos de inspiração muçulmana (fundamentalista) estavam em franca expansão na África e no Oriente Médio, no rastro da destruição dos governos da Síria, Iraque, Iêmen, Líbia, Tunísia, Quênia, Nigéria. E me lembrei do nosso país, particularmente do avanço da proposta de redução da maioridade penal na Comissão de Constituição e Justiça, da Câmara dos Deputados. Imaginei como um projeto inconstitucional e equivocado como esse passou 20 anos para ser aceito na CCJ! Então me dei conta de outro projeto de autoria de um deputado pernabucano, ligado à Assembléia de Deus, sobre o estatuto da família, e do ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos, na Câmara, o pastor Marcos Feliciano, homofóbico e intolerante. Fiquei pensando com os meus botões: o que fazer com essa turma, com a intromissão solerte dos neo-penteconstais e pentecostais no política brasileira, graças à alianças espúrias com governos de centro e de centro-esquerda, que lhe garantam a tal de governabilidade? - Em primeiro lugar, é a barbárie mesma. O anti-iluminismo. 0 ataque a todas as conquistas democráticas das inúmeras minorias (e maiorias) perseguidas e ignoradas  durante muito tempo pelo legislador brasileiro. Será que esse pessoal está também estimulando a deposição da Dilma e pedindo a volta da Ditadura Militar nas ruas? - O que fazer para conter essa avalanche obscurantista, anti-democrático e avesso aos direitos dos vários grupos  multiculturais?
 
                                 0 conceito de Estado de Direito Democrático inclui o direito à liberdade de expressão, como de reunião e confissão religiosa. Mesmo das igrejas fundamentalistas e antidemocráticas. E é melhor que elas se manifestem claramente à luz do dia, do que conspirarem contra o Estado às escuras. Mas é imperioso para a manutenção dos valores da democracia a preservação da laicidade do Estado brasileiro. Permitir que essas igrejas, seus pastores ou sacerdotes queiram ditar as regras das políticas públicas no Brasil é condenar uma imensa maioria de pessoas que professam os mais diversos credos (ou nenhum credo), a ficar à margem da sociedade ou se converterem a ferro e fogo ao evangelho obscurantista dessa grei. Quando Cristo separou o seu reino do reino secular de César, estava deixando claro que não era um messias terreno ou político. O que lhe custou o desprezo dos hebreus (e sua condenação). Na verdade, em face da babel cultural religiosa dos nossos dias, o caminho a seguir é aquele definido pelo filósofo alemão como "o patriotismo da Constituição". Nenhum grupo cultural ou religioso pode impor sua hegemonia sobre as demais culturas e sub-culturas num mesmo espaço geo-político. Todos serão respeitados, mas terão um tratamento isonômico do Estado. Viva a liberdade de expressão, desde que ela não se transforme no alimento venenoso da intolerância, da discriminação e do ódio.

Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEDP-UFPE

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Tijolinho Real: A esquerda caviar dos pós-comunistas.

O caboclo morre e ainda deixa de ver muito coisa pela vida. Talvez faça algum sentido essa história de reencarnação. Por via das dúvidas, já recomendei que gostaria de ser enterrado com um protocolo para entregar ao Chico Xavier, solicitando, tão depressa quanto possível, a nossa volta ao torrão. Uma das maiores decepções nossa ocorreu no circuito acadêmico. Ali se formam núcleos ditos de "esquerda"; capazes de produzir teses; realizar eventos; atrair multidões às suas palestras; orientar - ou seria doutrinar - incautos; sempre orientando-se pela defesa intransigente do combate às desigualdades, das injustiças sociais. Os padrões de relações internas desses núcleos, entretanto, diferem bastante dos discursos. São capazes de cometer injustiças, discriminam, solapam companheiros, se apropriam indevidamente de ideias. 

Para eles, na realidade, "esquerda" torna-se apenas uma linha de pesquisa, o que proporciona a formação de redes, captação de recursos e intercâmbio - principalmente junto à academia francesa, cujos intelectuais são muito sensíveis aos problemas da exclusão em países latino-americanos e africanos.Isso vem a propósito da decomposição ideológica - e moral - a que foram submetidos os comunistas brasileiros, principalmente as correntes dissidentes do PPS e do PCdoB. Salva-se aqui, naturalmente, as honrosas exceções de um Gregório Bezerra, Cristiano Cordeiro, Carlos Prestes, entre outros. 

Hoje esses "comunistas" agem por puro oportunismo e fisiologismo. Como afirma o filósofo Renato Janine - futuro ministro da Educação - O que temos é uma ex-esquerda que age e pensa mais à direita. A esquerda perdeu o conteúdo. Ontem os jornais do Estado trouxeram uma notícia curiosa sobre um dos representantes ilustres desse pós-comunismo. O PPS compôs a base de apoio ao candidato Paulo Câmara(PSB) nas últimas eleições. Nos parece que ainda não foi contemporizado com a sua parte do latifúndio governista, mas uma rearrumação no secretariado do governador, favoreceu o partido, abrindo uma vaga para este cidadão assumir uma cadeira de Deputado Federal.

Até então, ele havia assumido uma vaga de vereador na Casa de José Mariano. Mesmo convocado à Câmara Federal, segundo o jornal, ele continuou recebendo os proventos de vereador do Recife, numa prática absolutamente pouco condizente com a sua postura de homem público e de parlamentar. O cidadão coloca-se como um paladino da moralidade. aliás, a moralidade pública, a rigor, constitui-se no principal eixo de sua plataforma política. Nos últimos anos, esteve envolvido em praticamente todas as lutas da sociedade recifense no tocante a essa questão, cobrando satisfações do poder público, acionando os órgãos de controle e fiscalização do Estado. Penso que, numa dessas - caso da Ocupação do Cais José Estelita - ele chegou a ser expulso pelos líderes do movimento. Na realidade, se analisarmos direitinho, a figura nunca foi lá grande coisa, mas, com essa atitude o seu prestígio caiu de uma vez. Está mais baixo de poleiro de pato, como costuma dizer o padre Reginaldo, eterno pároco do Morro da Conceição.

terça-feira, 31 de março de 2015

Tijolinho Real: Os segredos da agenda de Décio Sá.


Há uns dois anos atrás, o blogueiro e jornalista Décio Sá foi assassinado na região litorânea de São Luís, no Maranhão. Estava num bar, possivelmente tomando umas cervejinhas, quando foi abordado por um motoqueiro e um carona, que desferiu vários tiros contra ele. O crime alcançou repercussão nacional. Até os Sarney mexeram nos pauzinhos no sentido de que o crime fosse esclarecido. Décio mexia com interesses de gente graúda e várias possibilidades surgiram como motivação para o crime, entre as quais vingança contra as suas denúncias dos trens da alegria organizado por políticos locais com garotas de programa do Piauí. Mas, como sempre, seguindo o velho conselho do "Garganta Profunda", do Escândalo Watergate, convém seguir o dinheiro. A polícia do Estado agiu e conseguiu identificar e prender os executores do crime. A justiça julgou-os e condenou-os. Réus confesso. Quanto aos mandantes... aí a porca torce o rabo, como sempre. Até hoje as malhas da Justiça não conseguiu alcançá-los. Hoje, o Estado amanheceu em polvorosa. A partir da agenda deixada pelo ex-jornalista, foi possível destrinchar mais um enredo de corrupção na máquina pública, desta vez envolvendo o financiamento de campanha. Mais de 40 prefeituras do Estado estão envolvidas na maracutaia. Há, naquele Estado, uma relação curiosa, que envolve uma espécie de agiotagem com dinheiro público. Segundo um colega das terras dos Sarney, o Maranhão é dominado pela agiotagem. Acontece mais ou menos assim: um cidadão se candidata à prefeitura de um município, recebe recursos de campanha de um agiota e, depois, o caboclo cobra a fatura, por vezes paga com dinheiro público, nos casos em que o candidato foi eleito. Até o Fundo de Participação dos Municípios foi usado com essa finalidade. Isso dispensa qualquer comentário.

Tijolinho Real: Primeiro as novas salas, depois cuida-se dos acervos.


Passei a ler com mais assiduidade o jornalista Elio Gaspari depois de uma série de livros publicados por ele sobre a Ditadura Militar no Brasil. Já havia lido muita gente boa sobre o assunto, mas fiquei impressionado com a qualidade das informações que ele reuniu a respeito do assunto. Logo em seguida fiquei sabendo que ele foi contemplado com uma bolsa de estudos e mergulhou fundo nos arquivos de uma dessas instituições americanas. Sabe-se que um bom material de pesquisa é fundamental para a produção acadêmica. Estava explicado porque seus livros apresentavam informações até então desconhecidas pelos leitores. No último domingo, li sua coluna semanal, publicada originalmente no Globo. Nela, além dos escândalos no coração - ou seria melhor cérebro - da Receita Federal, uma matéria sobre a abertura de novas salas de museus no Rio de Janeiro. Com a carência que temos de equipamentos culturais para a população, este país precisa de milhares de bibliotecas, cinemas e museus. Há centenas de municípios no país que não possuem sequer um desses equipamentos, sobretudo em regiões como o Norte e o Nordeste. O Sudeste, a rigor, é uma região relativamente privilegiada. No Rio estão sendo construídos dois novos museus, enquanto o Museu da Cidade está fechado desde 2011. Segundo Gaspari, cuida-se primeiro dos prédios e somente depois - muito depois - do acervo. Talvez fosse o caso de inverter essa ordem.  

segunda-feira, 30 de março de 2015

Mais Paulo Freire, menos Paulo Coelho


Antes do golpe militar, lá no Nordeste, Freire foi conversar com um grupo de camponeses. Em poucos minutos eles se calaram e houve um grande silêncio. Até que um deles falou:
— O senhor me desculpe, mas é o senhor que deve falar, e não nós.
— Por quê? Perguntei eu.
— Porque o senhor é o que sabe, e nós não sabemos.
— Aceito. Eu sei e vocês não sabem! Mas por que é que eu sei e vocês não sabem?
— O senhor sabe porque foi à escola, e nós não.
— Aceito. Fui à escola e vocês não foram. Mas por que é que eu fui à escola e vocês não foram?
— Ah, foi porque seus pais puderam, e os nossos não.
— Concordo. Mas porque seus pais tinham condição, bom trabalho, bom emprego, e os nossos não.
— Tá certo. Mas, por que os meus tinham e os de vocês não?
— Porque os nossos eram camponeses. Meu avô era camponês, meu pai era camponês, eu sou camponês, meu filho é camponês, meu neto vai ser camponês.
(Aí, a concepção fatalista da história)
— O que é ser camponês?
— Ah, é não ter nada, é ser explorado.
— Mas, o que é que explica isso tudo?
— Ah, é Deus! Deus quis que o senhor tivesse e nós não.
— Tá certo, concordo. Deus é um cara bacana, um sujeito poderoso! Agora, eu queria fazer uma pergunta: quem aqui é pai? Todo mundo era. Olhei para um e disse:
— Você tem quantos filhos?
— Tenho seis, disse ele.
— Você seria capaz de botar cinco filhos aqui no trabalho forçado e mandar um pra capital com comida, hotel, pra ele estudar e ser doutor, e os outros cinco morrendo no porrete e no sol?
— Não, não fazia isso não!
— Então você acha que Deus é poderoso, que é pai, ia tirar essa oportunidade de vocês? Será que pode? Houve um silêncio e por fim um falou:
— É não, não é Deus nada! É o patrão!

(Publicado hoje, no perfil do cartunista Vitor, que teve a charge dos gladiadores censurada pela Igreja Universal)

Tijolinho Real: Governo deixa SINTEPE de fora do convescote sobre educação.


 
 
Tenho a impressão de que a ausência de um diálogo sereno do Governo do Estado com a categoria dos professores pode nos conduzir a uma situação de greve nos próximos dias, o que seria extremamente prejudicial à estudantada. Ainda em jogo está a questão do piso salarial, um eterno problema entre a categoria e os gestores públicos. Tudo seria mais simples se os Governos Estaduais resolvessem cumprir logo a decisão de honrar o pagamento desse piso salarial. Ocorre que, entre a decisão já aprovada e o seu cumprimento, vai aí uma longa novela, com alguns enredos curiosos, recheadas de artifícios. O último deles é que o Governo do Estado de Pernambuco resolveu adotar um critério "seletivo" para o seu cumprimento, acenando que pagaria o piso apenas aos professores que tiverem o curso de magistério, o que se constitui num grave equívoco. Uma simples consulta à sua assessoria jurídica o informaria sobre a irregularidade.

Não sei como esse imbróglio será resolvido, mas até o Ministério Público Estadual já convidou o Secretário de Administração, Milton Coelho, para dar um explicação sobre o assunto. Em meio a essa falta de diálogo, o Governador Paulo Câmara (PSB) cometeu mais um erro estratégico. Oferece um almoço a uma série de entidades  para debater a educação no Estado - Encontro dos Amigos da Educação - excluindo o SINTEPE, o Sindicato dos Trabalhadores da Educação em Pernambuco. Fundação Lemann, Institutos Airton Sena, Unibanco e Natura estão entre os convidados. Um time de reformadores empresariais da educação para ninguém botar defeito. Fico sempre com um pé atrás quando você envolve negócios de Estado com  "essa gente". Não vai aqui nenhum preconceito, penso até que, em alguns casos, a parceria público-privada é muito bem-vinda. 

Ocorre, porém, que, aqui na província, normalmente, isso não vem dando em boa coisa. Tanto do ponto de vista das "negociações em curso", quanto dos reais interesses que deveriam nortear o tema, inserido num Estado com as dificuldades educacionais como o nosso. Quando você deixa de fora desse "Pic-Nic" o sindicato da categoria e segmentos sociais profundamente interessados no tema, aí a porca torce o rabo. Fred Amâncio, o Secretário de Educação, ficará encarregado de fazer uma exposição sobre os avanços conquistados pela educação no Estado nos últimos anos e as projeções para o futuro. Possivelmente, a razão para não se convidar o SINTEPE - e outras entidades do "trabalho" que lidam com o assunto - está relacionada a um confronto de ideias inevitáveis. 

Com essa atitude, o governador Paulo Câmara parece convidar a categoria para um embate. Por outro lado, observa-se, nitidamente, a construção de estratégias - muito ao gosto do governo anterior, do seu padrinho - que alimentam, isto sim, a grande parafernália midiática que ancora a publicidade institucional do Estado. Logo em seguida surgem aquelas medidas de impacto - causadoras de um certo emocionalismo - mas, na prática, quando se procuram resultados concretos sobre a melhoria da qualidade social da educação no Estado, esses ficam bem distantes.

Michel Zaidan Filho: A IGREJA REFORMADA NO BRASIL

 
 
 
 
 
                                      É de um grande estudioso, de confissão presbiteriana, a tese de que a recepção do Cristianismo reformado no Brasil foi muito prejudicada pelo conservadorismo, já que veio na bagagem missionária de religiosos americanos batistas com o zelo catequético, sem muito espaço para a liberdade de consciência que caracterizou a grande reforma cultural de Martinho Lutero na Europa. Ao contrário da revolução que representou na constituição da subjetividade humana, na constituição do capitalismo e nas origens dos valores democráticos do Ocidente, entre nós, a chegada da Igreja reformada já veio subsumida a objetivos catequéticos, comunitários e sociais. Perdeu-se a principal conquista da reforma protestante na História: a criação do indivíduo e da subjetividade moderna, com a chamada liberdade de consciência e o livre-exame das escrituras sagradas. 
 
Entre nós, grosso modo, a Igreja reformada divide-se entre um ramo de elite (mais rico e esclarecido) os Presbiterianos, Anglicanos ou Episcopais; um segundo ligado às classes médias, os batistas e um terceiro ramo, os pentecostais e neopentecostais, associados ao povo, aos pobres, às pessoas mais humildes. Longe de mim, que nem sociólogo sou, diminuir ou minimizar a importância social dessas Igrejas na socialização das pessoas, sobretudo de seus vínculos comunitários e na ética puritana do trabalho, pela valorização a vida cotidiana como ascese religiosa.
 
                                      No entanto, é preciso destacar duas características dessas Igrejas que incomodam muito àqueles que não professam seus cultos e dogmas. No que diz respeito às Igrejas pentecostais e neopentecostais, o zelo missionário deu lugar a uma atitude fundamentalista, dogmática, auto-suficiente que se traduz rapidamente em intolerância religiosa e civil. Aqueles  incréus e pagãos que não rezam pela sua cartilha estão errados e serão condenados ao eterno fogo do inferno. Já no que tange à certas igrejas episcopais, aí impera uma atitude de prepotência, arrogância e desprezo pelos que não fazem parte da sua Igreja. Acham que podem tudo, inclusive desrespeitar as leis do país e os mais comezinhos direitos dos demais cidadãos "incréus".
 
 
                                      Digo isso com tristeza, não com satisfação. Não sei como juntar a grande transformação ética do Cristianismo com provas de incivilidade, falta de urbanismo, cortesia e sensibilidade social.  Existe há muito tempo, uma igreja reformada no bairro dos Aflitos que em tudo se parece com uma dessas casas de evento. O templo cristão foi transformado em palco iluminado para a realização de festas, cerimônias e atividades sociais. Acredito que  remuneradas, dada a pompa e o glamour dessas festividades mais sociais do que religiosas. Nesses dias de glamour, a rua é praticamente interditada, com carros enormes sobre as calçadas. Motoristas que dirigem na contramão de uma das principais avenidas dos Aflitos, com a conivência de flanelinhas e dos dirigentes da Igreja, que segundo se apurou, aproveita o prestígio e a posição social de seus membros para "solicitar" às autoridades que abrandem a fiscalização e as penalidades. 
 
Ouviu-se, de um feita, de guardas da Ciretran que estavam próximos ao templo, que estavam ali a serviço de um casamento milionário, a pedido de um figurão ligado à Igreja, fosse se queixar em outra freguesia. 0 cume de todos esses abusos impiedosos e não cristãos foi a realização, no sábado passado, no estacionamento da Igreja, a céu aberto, até às 22:00, de uma imenso, barulhento show Gospel, procedido de culto de Louvor e tudo. A vizinhança sofreu, sofreu muito com o estrondoso som das guitarras elétricas, bateria e outros instrumentos. De nada adiantou reclamar do incômodo da vizinhança e da poluição sonora, em zona residencial, a céus aberto, noite à dentro. A resposta dos "maurícios" e suas acompanhantes era de que a Igreja tinha obtido permissão (de quem?) para realizar a algazarra pseudo-religiosa, até as 22:00, com música, e até as 24:00 sem música.
 
                                      É de se clamar aos céus como é possível que pessoas que se dizem cristãs (e ricas materialmente)  não possuem o menor senso de respeito pelos outros, pelo sossego alheio. Essa fé deve ser produto da arrogância social, com o auto-convencimento religioso e da necessidade de exposição pública. Que Deus, Alá, Buda, Confúncio tenha condescedência com esses fariseus, ou como dizia Cristo, sepulcros caiados.
 
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE

A alta modernidade de Machado de Assis

  

por Luis Dolhnikoff, editor.

Em 1895, Sigmund Freud publicou em Viena Estudos sobre a histeria, e em 1899, aquele que seria considerado o livro inaugural de sua topografia psíquica (baseada na ponta do “iceberg” do ego emerso do profundo oceano do inconsciente), A interpretação dos sonhos. Entre as duas datas, saía no Brasil, em 1896, Várias estórias, de Machado de Assis, contendo alguns dos melhores contos já escritos em língua portuguesa. E entre eles, aquele que provavelmente é a obra-prima insuperável do conto brasileiro, “O cônego ou a metafísica do estilo”.
Mas o que tem a ver Freud com Machado, além da coincidência das datas? Nada. Porém, invertendo-se a frase – o que tem a ver Machado com Freud –, a resposta seria... nada, se não fosse quase tudo. Ao menos, no caso de “O cônego".
Não haveria tempo hábil para Machado ler uma obra publicada em Viena em 1895 e escrever e publicar um livro por ela influenciada em 1896. Quanto à data de 1899, apesar de Machado ser conhecido como o “bruxo do Cosme Velho”, isto se deve ao poder quase miraculoso de seu estilo, não a reais capacidades mágicas, como viajar no tempo. Portanto, a topografia psicocerebral descrita no conto de Machado só pode ser atribuída ao zeitgeist, ao “espírito da época”, em que as primeiras pesquisas e teorias a respeito – incluindo as do próprio Freud – estamos sendo feitas. Ainda assim, o pequeno e imenso conto de Machado é quase inexplicável em sua radical modernidade.
Uma modernidade múltipla, baseada no uso da metalinguagem, na topografia da mente e no humor linguístico, entre outros.
“Enquanto o cônego cuida em cousas estranhas, eles [o substantivo e o adjetivo] prosseguem em busca um do outro, sem que ele saiba nem suspeite nada. Agora, porém, o caminho é escuro. Passamos da consciência para a inconsciência onde se faz a elaboração confusa das ideias, onde as reminiscências dormem ou cochilam. Aqui pulula a vida sem formas, os germens e os detritos, os rudimentos e os sedimentos; é o desvão imenso do espírito. Aqui caíram eles, à procura um do outro, chamando e suspirando. Dê-me a leitora a mão, agarre-se o leitor a mim, e escorreguemos também. Vasto mundo incógnito. [Eles] rompem por entre embriões e ruínas. Grupos de ideias, deduzindo-se à maneira de silogismos, perdem-se no tumulto de reminiscências da infância e do seminário. Outras ideias, grávidas de ideias, arrastam-se pesadamente, amparadas por outras ideias virgens. Cousas e homens amalgamam-se; Platão traz os óculos de um escrivão da câmara eclesiástica; mandarins de todas as classes distribuem moedas etruscas e chilenas, livros ingleses e rosas pálidas; tão pálidas, que não parecem as mesmas que a mãe do cônego plantou quando ele era criança. Memórias pias e familiares cruzam-se e confundem-se. Cá estão as vozes remotas da primeira missa; cá estão as cantigas da roça que ele ouvia cantar às pretas, em casa; farrapos de sensações esvaídas, aqui um medo, ali um gosto, acolá um fastio de cousas que vieram cada uma por sua vez, e que ora jazem na grande unidade impalpável e obscura.”
Faltou dizer, sobre esse texto imenso em sua exiguidade (quatro páginas ou menos, a depender da edição), que os personagens principais são um substantivo e um adjetivo, que se procuram ora na consciência, ora no inconsciente de um padre que tenta fechar a frase de um sermão (quando ele se distrai do trabalho).
“Matias vai escrevendo, ora devagar, ora depressa. As tiras saem-lhe das mãos, animadas e polidas. Algumas trazem poucas emendas ou nenhumas. De repente, indo escrever um adjetivo, suspende-se; escreve outro e risca-o; mais outro, que não tem melhor fortuna. Aqui é o centro do idílio. Subamos à cabeça do cônego.
Upa! Cá estamos. Custou-te, não, leitor amigo? É para que não acredites nas pessoas que vão ao Corcovado, e dizem que ali a impressão da altura é tal, que o homem fica sendo cousa nenhuma. Opinião pânica e falsa, falsa como Judas e outros diamantes. Não creias tu nisso, leitor amado. Nem Corcovados, nem Himalaias valem muita cousa ao pé da tua cabeça, que os mede. Cá estamos. Olha bem que é a cabeça do cônego. Temos à escolha um ou outro dos hemisférios cerebrais; mas vamos por este, que é onde nascem os substantivos. Os adjetivos nascem no da esquerda. Descoberta minha, que ainda assim não é a principal, mas a base dela, como se vai ver. Sim, meu senhor, os adjetivos nascem de um lado, e os substantivos de outro, e toda a sorte de vocábulos está assim dividida por motivo da diferença sexual...
— Sexual?
Sim, minha senhora, sexual. As palavras têm sexo. Estou acabando a minha grande memória psico-léxico-lógica, em que exponho e demonstro esta descoberta. Palavra tem sexo.
— Mas, então, amam-se umas às outras?
Amam-se umas às outras. E casam-se. O casamento delas é o que chamamos estilo. Senhora minha, confesse que não entendeu nada.
— Confesso que não.
Pois entre aqui também na cabeça do cônego. Estão justamente a suspirar deste lado. Sabe quem é que suspira? É o substantivo de há pouco, o tal que o cônego escreveu no papel, quando suspendeu a pena. Chama por certo adjetivo, que lhe não aparece: ‘Vem do Líbano, vem...’ E fala assim, pois está em cabeça de padre; se fosse de qualquer pessoa do século, a linguagem seria a de Romeu: ‘Julieta é o sol... ergue-te, lindo sol.’ Mas em cérebro eclesiástico, a linguagem é a das Escrituras. Ao cabo, que importam fórmulas? Namorados de Verona ou de Judá falam todos o mesmo idioma, como acontece com o thaler ou o dólar, o florim ou a libra que é tudo o mesmo dinheiro. Portanto, vamos lá por essas circunvoluções do cérebro eclesiástico, atrás do substantivo que procura o adjetivo.”

“Vem do Líbano, vem...”: trata-se do conhecido estribilho de O Cântico dos cânticos de Salomão, seguido de uma referência a Shakespeare, que Machado então aproxima, numa síncope quase pop, do mercado financeiro. É quase irresistível, a este respeito, dizer que pouco antes que ele citara James Joyce, não fosse, mais uma vez, a absoluta impossibilidade temporal. Joyce: “Onde as mãos do homem nunca pôs os pés”. Machado: “Nem Corcovados, nem Himalaias valem muita cousa ao pé da tua cabeça, que os mede”.
Ao menos, sem afrontar a irreversibilidade da seta do tempo, podemos afirmar que este conto de Machado certamente influenciou o argentino Júlio Cortázar, além de Borges, para inciar uma longuíssima lista. Muito menos conhecido do outras grandes obras de sua pena, como O Alienista, “O cônego ou a metafícia do estilo” representa, provavelmente, o cume altíssimo de sua contística, ou, para falar como o próprio, o Everest de uma obra feita toda ela das mais elevadas altitudes literárias.

Publicado originalmente no site www.hedra.com.br

Produtor cultural reafirma críticas à Fundarpe e vê má gestão no Funcultura e desprestígio com cultura.


PUBLICADO EM 29/03/2015 ÀS 20:30 POR  EM NOTÍCIAS
thiago_dantas

Prezado Jamildo,
Em resposta ao pronunciamento do Sr. Gustavo Araújo, Superintendente de Gestão do Funcultura, informo que o Levantamento apresentado na matéria veiculada pelo Blog do Jamildo em 28/07/2015 teve como fonte os dados fornecidos pela própria FUNDARPE ao Portal da Transparência do Governo do Estado de Pernambuco, no período de 23 a 27 de março de 2015.
Qualquer atualização posterior a esse período ou falha na informação dos supostos empenhos realizados que somam R$ 2.342.082,85, podem ter ocasionado a diferença nos valores apresentados.
Ainda assim, é lamentável que após 06 meses da divulgação do resultado do Edital Funcultura Independente 2013/2014, a Fundarpe, gestora do FUNCULTURA, apenas tenha executado 13,30% do orçamento previsto para um ano, pagando apenas 82 projetos dos 289 projetos aprovados – o que demonstra o grande prestígio e atenção que a Cultura tem recebido na atual gestão.
Não obstante os números pífios apresentados, a expectativa de resolução do problema que é apresentada pelo Superintendente de Gestão do Funcultura, conflita com resposta encaminhada pelo próprio Atendimento do Funcultura à produtora cultural Lia Miceli (abaixo).
Na mensagem, a Fundarpe assume os cancelamentos de empenho realizados no exercício de 2014 e faz previsão de pagamento dos projetos que não receberam sequer a primeira parcela, para o longínquo mês de maio de 2015. Ou seja: nove meses após a divulgação do resultado do Edital Funcultura 2013/2014, faltando apenas 03 meses para completar aniversário de 01 ano de atraso.
Não obstante o prognóstico negativo apresentado pelo gestor do Funcultura, cabe chamar atenção para o prazo estipulado por lei, para a prestação de contas do exercício anterior do Funcultura, que é 31 de março de 2015, terça-feira, conforme determina a LEI Nº 13.407, DE 14 DE MARÇO DE 2008, in verbis:
“§ 1º A cada final de exercício financeiro, os recursos depositados no FUNCULTURA, não utilizados, serão transferidos para o exercício financeiro subseqüente, sendo mantidos na conta do Fundo para utilização.
§ 2º O Poder Executivo, na forma do decreto, ficará obrigado a divulgar, anualmente:
I – demonstrativo contábil informando:
a) recursos arrecadados/recebidos no período;
b) recursos disponíveis;
c) recursos utilizados no período;
d) relação das empresas que contribuíram com recursos próprios para o FUNCULTURA.
II – relatório discriminado contendo:
a) número de projetos culturais beneficiados;
b) objeto e valores de cada um dos projetos beneficiados;
c) responsáveis pelos projetos;
d) número de empregos diretos e indiretos previstos.
§ 3º O Poder Executivo, na forma do decreto, divulgará, anualmente, até o dia 31 de março do exercício financeiro seguinte, resumo global dos itens previstos nos §§ 1º e 2º deste artigo.”
Se a gestão é incapaz de apresentar os dados no dia 29/03/2015 para subsidiar sua própria defesa do indefensável, resta aos cidadãos torcer para que em dois dias, até o dia 31 de março de 2015, seja feito o trabalho que em seis meses não foi realizado. Cabe, indubitavelmente, o bom olhar da fiscalização dos órgãos estaduais de Controle, tal qual o Ministério Público do Estado de Pernambuco e Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco.
Restou ainda esclarecer o seguinte:
1 – Por que tantos projetos ainda estão sem pagamento depois de 06 meses?
2 – Qual o motivo dos cancelamentos dos empenhos realizados em 2014? Se não foi falta de recursos, contingenciamento ou travamento, o que foi?
3 – Por que após seis meses ainda tem produtor sem Termo de Compromisso assinado?
4 – Por que a Fundarpe vem desrespeitando cronograma de desembolso firmado nos Termos de Compromisso assinados com produtores culturais ainda em 2014, expondo a administração pública à processos civis por quebra de cláusula contratual?
Assim, tendo em vista a clara má gestão desse importante mecanismo de fomento à Cultura, que é o FUNCULTURA, patrimônio do povo pernambucano, muitos produtores estão se mobilizando para realizar, após o dia 31 de março de 2015, protesto afim de que, o prestígio de que supostamente goza a Cultura junto ao Governador do Estado de Pernambuco, se transforme, enfim, em ações concretas em prol de Pernambuco e de sua população.
Agradecemos desde já a oportunidade de esclarecer alguns pontos levantados pelo Superintendente de Gestão do Funcultura, e de poder reforçar perguntas infelizmente não esclarecidas pelas autoridades responsáveis.
Atenciosamente,
Thiago Dantas.
Veja a resposta encaminhada para a produtora Lia Miceli pelo Atendimento do Funcultura, há 10 dias.
“Acusamos o recebimento do seu pedido de informação. Informamos que a cada final de exercício financeiro e orçamentário ocorre um hiato entre os meses de janeiro e fevereiro para nova execução financeira e orçamentária no sistema de pagamentos do Governo. Particularmente esse ano, muitos empenhos realizados no final do ano de 2014 foram anulados exigindo retrabalho para confecção de novos empenhos. Esse trabalho seguiu a ordem de programação financeira e empenho para os projetos já em execução que perderam seus empenhos. Durante a segunda quinzena do mês de fevereiro, quando o E-Fisco permitiu realização de programação financeira para posteriores empenhos, colocamos em ordem os empenhamentos antigos e iniciamos os novos de acordo com a ordem de protocolização que o projeto recebeu (1605/14). No presente momento estamos com programações financeiras para serem aprovadas pela Secretaria da Fazenda que somam mais de R$ 16.000.000,00 (dezesseis milhões de reais). Nossa expectativa é a de que ao longo do mês de março e decorrer do mês de abril, tais programações estejam em situação de liberação para os novos empenhos e confecção dos Termos de Compromissos dos projetos, de forma que na última semana de abril e começo do mês de maio esses projetos tenham suas parcelas iniciais liberadas. Agradecemos sua compreensão e nos colocaremos para informações complementares que se fizerem necessárias.”
(Publicado originalmente no blog de Jamildo)

domingo, 29 de março de 2015

Professor dispensa script da Globo sobre corrupção e dá baile me apresentador

publicado em 29 de março de 2015 às 17:42

Doutor em Ciência Política fala, ao vivo, na Globo, o que a emissora não queria ouvir
Casos de convidados da Rede Globo que fogem do script da emissora para tratar de temas delicados não são comuns – previamente selecionados, os convidados, normalmente, reforçam os posicionamentos da maior rede de TV da América Latina. O mais recente caso de fuga de script aconteceu no Bom Dia ES, programa de afiliada da Globo no Espírito Santo exibido pela manhã [vídeo acima].
O professor Vitor Amorim de Angelo foi confrontado, ao vivo, com temas que envolviam desde a corrupção na Petrobras até as manifestações do último dia 15/03. Abriu mão do simplismo e teve a ousadia de discordar de Míriam Leitão – jornalista referência na emissora – quando questionado sobre a possível participação de eleitores de Dilma nos protestos pró-impeachment.

Corrupção

“A corrupção é um problema complexo e, como tal, merece ser tratada com complexidade […] atinge todas as esferas do poder: Executivo, Legislativo, setor público e setor privado”, disse Vitor, causando algum desconforto em um apresentador que carregava consigo a missão de reforçar maniqueísmos políticos e responsabilizar um único partido por tudo de ruim que há no Brasil.
O acadêmico destacou ainda a importância das manifestações populares, mas mandou um recado para aqueles que nutrem uma sanha golpista: “A democracia é um regime de confiança, não de adesão.
Portanto, não é uma opção aderir ou não ao resultado. Você faz parte desse sistema político no qual ela é presidente. O inverso também é verdadeiro: você venceu, mas não pode deixar de governar para aqueles que não te elegeram”.
Ao dispensar o script da moralidade seletiva e tratar os meandros da política profissional com racionalidade, Vitor Amorim incomodou a Rede Globo.
Vitor Amorim de Angelo é professor de Sociologia, formado em História, com mestrado e doutorado em Ciência Política, membro do Laboratório de Estudos de História Política e das Ideias, com passagem pelo Centre d’Histoire do Institut d’Études Politiques de Paris (SciencesPo) e pesquisador do Institut des Sciences Sociales du Politique da Université de Paris Ouest-Nanterre La Défense.
(Publicado originalmente no site Viomundo)