Estava assistindo o noticiário internacional e fiquei surpreso como os movimentos políticos de inspiração muçulmana (fundamentalista) estavam em franca expansão na África e no Oriente Médio, no rastro da destruição dos governos da Síria, Iraque, Iêmen, Líbia, Tunísia, Quênia, Nigéria. E me lembrei do nosso país, particularmente do avanço da proposta de redução da maioridade penal na Comissão de Constituição e Justiça, da Câmara dos Deputados. Imaginei como um projeto inconstitucional e equivocado como esse passou 20 anos para ser aceito na CCJ! Então me dei conta de outro projeto de autoria de um deputado pernabucano, ligado à Assembléia de Deus, sobre o estatuto da família, e do ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos, na Câmara, o pastor Marcos Feliciano, homofóbico e intolerante. Fiquei pensando com os meus botões: o que fazer com essa turma, com a intromissão solerte dos neo-penteconstais e pentecostais no política brasileira, graças à alianças espúrias com governos de centro e de centro-esquerda, que lhe garantam a tal de governabilidade? - Em primeiro lugar, é a barbárie mesma. O anti-iluminismo. 0 ataque a todas as conquistas democráticas das inúmeras minorias (e maiorias) perseguidas e ignoradas durante muito tempo pelo legislador brasileiro. Será que esse pessoal está também estimulando a deposição da Dilma e pedindo a volta da Ditadura Militar nas ruas? - O que fazer para conter essa avalanche obscurantista, anti-democrático e avesso aos direitos dos vários grupos multiculturais?
0 conceito de Estado de Direito Democrático inclui o direito à liberdade de expressão, como de reunião e confissão religiosa. Mesmo das igrejas fundamentalistas e antidemocráticas. E é melhor que elas se manifestem claramente à luz do dia, do que conspirarem contra o Estado às escuras. Mas é imperioso para a manutenção dos valores da democracia a preservação da laicidade do Estado brasileiro. Permitir que essas igrejas, seus pastores ou sacerdotes queiram ditar as regras das políticas públicas no Brasil é condenar uma imensa maioria de pessoas que professam os mais diversos credos (ou nenhum credo), a ficar à margem da sociedade ou se converterem a ferro e fogo ao evangelho obscurantista dessa grei. Quando Cristo separou o seu reino do reino secular de César, estava deixando claro que não era um messias terreno ou político. O que lhe custou o desprezo dos hebreus (e sua condenação). Na verdade, em face da babel cultural religiosa dos nossos dias, o caminho a seguir é aquele definido pelo filósofo alemão como "o patriotismo da Constituição". Nenhum grupo cultural ou religioso pode impor sua hegemonia sobre as demais culturas e sub-culturas num mesmo espaço geo-político. Todos serão respeitados, mas terão um tratamento isonômico do Estado. Viva a liberdade de expressão, desde que ela não se transforme no alimento venenoso da intolerância, da discriminação e do ódio.
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEDP-UFPE
Michel, é sempre gratificante ler suas postagens. Mas esta, é tão instigante que me fez tecer um comentário. A sua indagação: "O que fazer para conter essa avalanche obscurantista, anti-democrática" é a que me faço 24 horas por dia. Defendo que o nosso modelo esgotou-se. Não vejo como rompermos com isso tudo. A politica de "alianças espúrias" como você bem classificou, que busca a governabilidade a todo custo, comprova a fragilidade do nosso sistema politico, da nossa "democracia do voto". A saída, penso eu, só pela via popular. Um grande abraço!
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