Por José Luiz Gomes.
Acompanheamos atentamente o debate promovido pelo Sistema Jornal
do Commércio de Comunicação, no último dia 16/09/2014, entre os candidatos ao
Governo de Pernambuco. Pelas regras do programa, participaram os candidatos
Paulo Câmara (PSB), Armando Monteiro (PTB) e José Gomes (PSOL). Confesso que,
como muitos eleitores, tinha alguma curiosidade para observar o desempenho do candidato
do Palácio do Campo das Princesas. Não apenas pela ausência de traquejo
inerente a um burocrata recentemente alçado à condição de candidato, mas,
sobretudo para procurar entender como sua assessoria está formulando o “discurso”
em torno do que seria um eventual mandato dele como governador de Estado. Não
nos decepcionamos. Como previsto, seu desempenho foi fraco.
Os marqueteiros o colocaram numa verdadeira “camisa de
força”, fazendo-o repetir um discurso de uma ilha da fantasia, dissociado do
mundo real, do cotidiano do eleitor médio. Isso nos remete a outra preocupação:
qual o espaço da intervenção da cidadania num contexto como este, “engessado”
por uma engenharia institucional perversa, aliada a uma série de manobras
escusas, que deixam o eleitor cada vez mais distante de votar movido por suas
convicções, adensadas por um debate republicano de alto nível? Com a morte do
ex-governador Eduardo Campos, os analistas políticos chegaram à conclusão de
que alguma coisa funcionava muito bem em seu Governo: a imagem institucional,
que o colocava entre os governantes mais bem-avaliados do país, mas que não
resistia, por exemplo, a uma simples checagem dos indicadores de IDH. A vida
cotidiana do pernambucano, quando se tomava como parâmetros a educação – apesar
do IDEB – a saúde, a mobilidade urbana, o meio-ambiente, essa não ia muito bem.
De há muito, o financiamento de campanhas políticas no Brasil
tornou-se um caso de polícia. A maioria dos partidos são meras sopinhas de
letras, guiados consoantes arranjos de caráter nada republicanos, orientadas,
por vezes, unicamente, em função do recebimento do fundo partidário e
negociação do tempo de TV com as legendas maiores, além de outras práticas prostituídas,
que preferimos nem mencionar. Os políticos, contingenciados pela Lei de Ferro
da Competição Eleitoral (Wanderley Guilherme dos Santos), movem-se consoante
uma racionalidade própria, cujas amarras são apenas o pragmatismo, nunca a
ideologia ou o perfil programático de suas propostas. Nem pensam duas vezes em
mudar de barco se a sua eleição estiver comprometida. No apogeu da “Onda Marina”, hoje estabilizada,
temos informações de que até “petistas” Dianas de Pastoril já estavam tentando
entabular algumas negociações com a irmã.
O debate de Terça-Feira foi um bom indicador para observamos
essa questão. Gosto muito do bloco que permite abertura às perguntas formuladas
pelos ouvintes, talvez um dos poucos momentos de lucidez cidadã do embate, embora
não possamos nos iludir quanto a uma possível clivagem dessas perguntas e dos
cidadãos que as formulam. Uma dessas perguntas foi sobre a questão do
transporte público na cidade no Recife e outra sobre os graves problemas
sociais da cidade de Goiana, cidade localizada na Mata Norte do Estado, cujos
indicadores de educação, saúde, habitação, saneamento, cuidados com o
patrimônio histórico não são nada alvissareiros.
Estão em fase de execução grandes investimentos na cidade,
como diversas fábricas de auto-peças, uma montadora da FIAT, a Hemobras, um
porto, um aeroporto etc. Além do impacto ambiental, há uma série de outros
problemas endêmicos, como o baixo índice de formação escolar e profissional da
população, prostituição infantil, abandono do patrimônio artístico, moradias
sub-humanas, baixo índice de saneamento etc. Certa vez, ao falarmos nesse
assunto, que conhecemos muito bem, entrou no nosso perfil de uma rede social,
um grão-mestre neo-socialista para afirmar, equivocadamente, que éramos contra
esses investimentos. Não é verdade.
Assim como aquele morador da cidade que formulou a pergunta,
estamos, na realidade, preocupados com esses problemas endêmicos, aliás, de
longas datas. Ao se reportar ao assunto, ao invés de responder ao cidadão que
havia formulado a questão de forma concreta, ou seja, dizer das providências do
Estado para combater, por exemplo, os altos índices de prostituição infantil na
área, a bandidagem dos grupos de extermínio, o candidato do Palácio do Campo
das Princesas limitou-se a repetir um discurso previamente ensaiado que, no
fundo, não diz nada. Pura retórica. Uma forma sutil de não responder.
Uma das edições da Revista AlgoMais deste ano, traz uma longa
matéria sobre a cidade de Goiana, Mata Norte do Estado. Sou apaixonado por
aquela cidade. Na condição de professor, sempre levei grupos expressivos de alunos para conhecer a comunidade
quilombola de São Lourenço, localizada num dos distritos do município. Como
precisamos de "pontos de apoios" acabamos conhecendo toda a cidade,
além da belíssima praia de Pontas de Pedra. Posso falar de cátedra sobre os
problemas da cidade, uma vez que os conheço bem.
Além das excursões com os alun@s,
frequentei a cidade em muitas outras ocasiões, já com o propósito de conhecer um
pouco mais sobre a Fábrica de Tecidos que existiu no município, uma das
primeiras instaladas no Estado, se não a primeira, de acordo com alguns
historiadores. A matéria traz uma série de referências históricas importantes,
como o envolvimento de filhos da terra em movimentos libertários, além do fato
de a cidade ter libertados seus escravos antes da assinatura da Lei Áurea.
Seria muito importante, entretanto, que, além dos investimentos que estão
previstos para a cidade, o poder público, a iniciativa privada e sociedade
civil ficassem atentas para alguns problemas nevrálgicos daquela cidade: a) O
descaso e o abandono evidente do riquíssimo patrimônio histórico do município.
Alguns prédios estão exigindo intervenções imediatas, sob pena de caírem; b)
Como se trata de uma área de fronteira entre dois Estados - do lado de cá,
Goiana (PE), do lado de lá, Alhandra(PB) - é uma das cidades que apresenta um
dos mais alto índices de prostituição infantil; c) Atuando no entorno,
sobretudo em Itambé, existem grupos de extermínio muito bem-estruturados, com
forte presença no Estado. A morte do advogado Luiz Mattos, ex-assessor do
Deputado Federal Fernando Ferro, é atribuída a esses grupos; d) Indicadores
sociais básicos, como educação, saúde, habitação, apresentam índices
preocupantes; e) Mesmo antes desses investimentos se materializarem, o
município já sofre bastante com as agressões ambientais. Na comunidade de São
Lourenço, por exemplo, um mega investimento para a construção de uma fazenda de
camarão em cativeiro provocou um verdadeiro desastre ambiental nos manguezais,
comprometendo a cadeia econômica dos moradores locais, que sobrevivem da
captura do caranguejo Uçá e outros crustáceos. Goiana precisa formular
urgentemente um Plano Diretor.
A outra questão formulada dizia respeito às tarifas de
transporte praticadas no Recife, um problema crucial, que esteve na agenda das
manifestações de Junho. Uma questão que se arrasta e que, até hoje, não foi
devidamente esclarecido é a transparência sobre as planilhas de custos, o que
poderia ser esclarecido se a caixa-preta das empresas de transportes urbanos
fosse aberta. Até hoje a população cobra uma transparência sobre o assunto, mas
o lobby dos empresários é muito forte e impede que os dados sejam mostrados à
população. Sabe-se que a infra-estrutura de mobilidade é precária, temos um
transporte público ruim e de alto custo. Mais uma vez, ao se reportar ao
assunto, o candidato do Palácio fugiu da resposta, retomando os projetos
relativos aos BRTs – que estão atrasados desde a copa e os veículos - com custo
estimado próximo a um milhão de reais por unidade – estão se deteriorando nas
garagens enquanto aguardam a conclusão dos corredores.
O candidato da oposição, Armando Monteiro, não se pode negar
que é uma pessoa muito mais preparada. Afirmo isso não por torcida – o que não
seria conveniente nesses comentários – mas por entender que a sua vida pública
o credenciou para tal. Diferentemente de Paulo Câmara, Armando sempre esteve na
arena política, articulando projetos de investimentos do Governo Federal para o
Estado, envolvidos com os bastidores da política nacional. Paulo é um neófito,
produzido no laboratório do Campo das Princesas, representante do espólio de um
legado político deixado pelo ex-governador Eduardo Campos. Convocado em razão
de uma série de circunstâncias políticas específicas, ele não representa, sequer,
o grosso do pensamento neo-socialista no Estado. Representa os interesses de
uma nucleação específica, que deseja manter o espólio do finado sobre rígido
controle familiar.
Zé Gomes, do PSOL, é um bom candidato, tem propostas interessantes,
mas ainda precisa percorrer um longo caminho nessa arena. Está se posicionando,
construindo um eleitorado politicamente orientado, embora sem chances reais de
chegar lá. Não ainda. O pessoal do PSOL lembra, de alguma forma, o que já foi o
PT em décadas passadas, ali pelos seus primórdios dos anos 80, um partido
orgânico, idealista, propositor de uma linha ética na condução da coisa
pública. Cresceu é foi “engolido” pelo establishment. Para um partido como o
PSOL, por exemplo, assumir bandeira de defesa da criminalização da homofobia é,
não apenas importante, mas convergente sobre o que ele representa no sistema,
um partido que propõe mudanças no status quo.
No contexto nacional, nenhum dos grandes, por exemplo, resolveram
assumir esse risco. E não o fazem por
razões óbvias. Marina ainda colocou no programa, mas, após a reprimenda de
Malafaia, logo tratou de afirmar que se tratava de um “rascunho”, algo que foi
desmentido pelo próprio elaborador do programa, ligado ao grupo LGBT. O voto num
partido como o PSOL, no momento, é importante para a formação de uma opinião.
Pelas últimas pesquisas de intenção de voto divulgadas, as eleições no Estado
estão em empate técnico entre os candidatos Paulo Câmara e Armando Monteiro.
Armando Monteiro,
enfrenta uma batalha difícil. Diria dificílima, uma estratégia muito bem
urdida, que começou a ser montada por ocasião da morte do ex-governador Eduardo
Campos. Ainda um dia, daqui a uns 10 anos, talvez venhamos a saber quem está
por trás disso. Por enquanto, os mentores estão na moita, na surdina, apenas
saboreando os resultados até aqui alcançados. Num curto espaço de tempo, o
candidato palaciano obteve uma subida vertiginosa nas pesquisas. Armando
Monteiro chegou a abrir mais de trinta pontos sobre ele. Uma grande especulação
que se faz – que certamente ficará sem resposta é: se Eduardo estivesse vivo,
sua performance seria a mesma? Aliás, é quem foi que disse que Eduardo morreu?
Ele continua vivo, pedindo votos para o seu candidato, aparecendo nas inserções
publicitárias na legenda neo-socialista, comovendo o eleitorado.
No circuito acadêmico existem disputas acirradas. Ora
orientadas pelo viés político, ora orientadas pelo viés metodológico, no
sentido de fortalecer determinadas tendências de análises. Soma-se a isso,
as disputas de vaidade, essas sim, as mais complicadas. Quando alguém no grupo
se sobressai, pode esperar a rebordosa, quase sempre, numa perspectiva de
desacreditar o sujeito ou suas ações o que, no fundo, é a mesma coisa. Há muito
tempo acompanho um analista pernambucano que não costuma se comprometer,
emitindo análises - segundo ele, desapaixonadas - sempre no sentido de que
"ainda é cedo para se tirar qualquer conclusão'; "o
candidato "A", pode vencer, assim como o candidato "B" pode
vencer", “ se o candidato “A” vencer, obviamente o candidato “B” perde” as
eleições. "isso que fulano está fazendo não é análise, mas torcida".
Ora, você afirmar que numa disputa entre dois candidatos ambos podem vencer,
convém ficar calado. Essa pessoa se coloca como o grande oráculo da
ciência política no Estado, se arvorando como o único capaz de fazer análises
isentas, desprovidas de paixões. Fica na moita, nunca se arrisca, mas está
cercado de atores políticos ligados ao grupo político do ex-governador Eduardo
Campos. Parece estar se desenhando no Estado uma articulação muito difícil de
ser combatido, capaz de mover montanhas, quanto mais interferir nos resultados
de uma eleição: a) Institutos de pesquisas, meios de comunicação de massa;
b)máquina estadual e municipal a moer em torno de uma candidatura que se
utiliza, inclusive de um cabo eleitoral já falecido; c) torcida explícita no
momento das ponderações analíticas sobre o pleito. Para completar o circuito, o
tal indivíduo ocupa os espaços escancarados das rádios, jornais e redes sociais
para alardear que o tal candidato será o vencedor do pleito, num rito
previamente combinado, onde sua torcida, no momento, parece indisfarçável.
Ainda bem que os comentadores mais sensatos perceberam a armação e as suas
contradições, cobrando dele afirmações recentes sobre o mesmo tema. Ninguém é
bobo, senhor cientista político das escolhas racionais... talvez as suas.
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