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quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Márcio Santos fez pós-doutorado na França: O Brasil mudou, sim!


publicado em 23 de setembro de 2014 às 11:19
Marcio Campos
Acesso à Universidade em dois tempos: Dos anos 80 a 2014
por Márcio Santos
No início dos anos 80, ainda em plena ditadura militar, “vestibular” era uma palavra quase maldita. As pernas tremiam e o coração saltava só de olhar o número de concorrentes: eram dezenas e dezenas de candidatos para uma mísera vaga num dos cursos de graduação das universidades federais. Em Belo Horizonte, quem não conseguisse a façanha de entrar na UFMG tinha que contar com a família para custear os caros cursos da então “Universidade Católica”, hoje Pucminas. Ou, o que era largamente o mais comum, abandonar por completo o sonho de entrar no tal do “curso superior”.
Num dia entre o final de 79 e o início de 80, já não me lembro exatamente em que mês, acordo assustado com o chamado da minha mãe. Havia varado noites a fio nos estudos para as provas de vestibular e estava atrasado. Ela tirou algum dinheiro da bolsinha e disse “vá de táxi, meu filho, você vai perder a prova”. Recusei e atravessei correndo os quarteirões que me separavam do ponto de ônibus para a UFMG. Consegui chegar a tempo, afinal, para encarar a primeira de uma sucessão de provas eliminatórias e classificatórias aplicadas ao longo de já não me lembro mais quantas etapas de seleção.
O tal do “cursinho” era quase obrigatório. Promove e Pitágoras se revezavam na captura de adolescentes de classe média que lotavam as salas quentes. Os professores davam aulas para centenas de pessoas. Eu, que não pudera pagar um desses cursinhos, acabei por ler a notícia da aprovação para o curso de Economia num cartaz estampado no antigo Promove da Rua São Paulo, no centro da cidade. Sozinho, dei um pulo silencioso de alegria e fui para casa abraçar a minha mãe. Mais tarde teria a cabeça raspada, como era de praxe.
Um salto de 30 e alguns anos me leva ao início de 2013. Foi quando escrevi o projeto de pós-doutorado em História, apresentado ao CNPq, uma das duas agências federais de fomento à pesquisa. Alguns meses depois veio a resposta positiva para o pedido de bolsa de pós-doutorado na França, na prestigiosa École des hautes études en sciences sociales.
O Programa Ciência Sem Fronteiras, do governo federal, garantiria a minha permanência em Paris por sete valiosos meses. A verba incluía, além da bolsa de manutenção mensal, auxílio para as passagens aéreas e uma taxa extra de 400 euros mensais, por se tratar de cidade cara. A minha esposa, doutoranda em Linguística, conseguira bolsa semelhante para o chamado “doutorado sanduíche”. E assim pudemos ir em família, levando o filhinho de 8 anos. Graças a essas bolsas e às facilidades que encontramos na França, pudemos morar e estudar numa das cidades mais desejadas e encantadoras do mundo.
O Brasil mudou, sim. Nos anos 80 da minha juventude éramos desesperançados, atravessamos pessimistas a chamada “década perdida”. O Plano Real, que debelou a inflação, trouxe-nos algum alento, mas todos sabíamos que mexia-se na superfície financeira de uma sociedade em que crianças morriam diariamente de fome nas ruas das grandes cidades. País “subdesenvolvido”, de “Terceiro Mundo”, “atrasado”, eram os termos mais comuns para nos referimos ao Brasil.
Esse quadro desalentador foi sacudido nos últimos 12 anos. Felicito-me diariamente pela dificuldade em conseguir uma empregada doméstica, porque as jovens pobres das vizinhanças são vendedoras de lojas, cabeleireiras, cuidadoras de idosos ou, até mesmo, universitárias. A lavadora de roupas da nossa casa estraga e a nossa ajudante opina certeira sobre o problema, pois tem um equipamento igual ou melhor em casa. Recebe um salário mínimo e meio por 6 horas diárias de trabalho, apenas de segunda a sexta-feira, com carteira assinada e direitos trabalhistas, um padrão impensável há 20 ou 30 anos.
Quanto a mim, pude desfrutar de um curso de pós-doutorado num centro mundial de produção intelectual graças a um programa dos governos Lula e Dilma. Não foi “dádiva”: tive que batalhar duro para ter o projeto aprovado e, depois, prestar contas do resultado final da pesquisa realizada. Mas esse ambiente de múltiplas alternativas de estudo, pesquisa e aprimoramento intelectual só foi possível por meio das transformações operadas pelos últimos 3 governos.
Na França o meu supervisor de pesquisa dizia-se surpreendido com a oferta de bolsas de pós-graduação pelas universidades públicas brasileiras, segundo ele maior até mesmo do que nas escolas francesas. É isso: somos comparados à França. E a comparação não vem de algum “petista apaixonado”, mas de um acadêmico e intelectual francês, nada interessado nas nossas lides políticas e eleitorais.
Muito resta por se fazer. O relatório da ONU informa que o país reduziu em 50% o número de pessoas que passam fome. Estamos nos aproximando do sonho de Lula em 1989: que todo brasileiro coma 3 vezes por dia. Mas ainda nos resta um fundo terrível de desigualdade, violência, exclusão e corrupção. Mudanças históricas são lentas, a menos que sejam feitas por revoluções – e esse não foi o nosso caso. Mas, com os programas sociais dos últimos 12 anos, sabemos que estamos no caminho certo.

(Publicado originalmente no Viomundo)

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