pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO: Durval Muniz: Como identificar um reacionário
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domingo, 4 de março de 2018

Durval Muniz: Como identificar um reacionário

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O conceito de reacionário surgiu na linguagem política no decurso da Revolução Francesa para nomear aqueles que se colocavam contrários ao processo revolucionário, que defendiam o retorno ao Antigo Regime e defendiam os privilégios e a ordem senhorial que estava sendo contestada. O conceito de reacionário fazia referência, portanto, desde o princípio, não só a uma posição política conservadora e reativa à transformação política em curso, como também nomeava posições filosóficas, morais e ideológicas que defendiam os valores que estavam sendo contestados, que tentavam preservar as relações e hierarquias sociais e os códigos e regras, sejam legais, sejam costumeiros que ordenavam a estrutura social. Um reacionário se define por sua posição diante da mudança, da transformação, da descontinuidade social, cultural e histórica. Ser partidário da reação ao processo revolucionário foi a origem do termo, adotado na gramática política para nomear, a partir daí, todo aquele que defende o status quo, que defende um certo imobilismo social, que defende privilégios e hierarquias, que tende a ver a ordem social presente como aquela que deve permanecer e se perpetuar. Um reacionário tende a temer a história, a passagem do tempo, pois, investe na necessidade de segurança que a continuidade de uma dada forma de organização social implicaria. O que um reacionário esquece é que toda forma que se enrijece e que não se renova, tende a rachar e perecer por falta de oxigenação, de renovação.
O reacionário, como todos nós, possui uma dada imagem do humano, do que é ser humano, ou seja, ele possui uma dada antropologia. Podemos nomear a sua antropologia de antropologia negativa, pois ele tende a duvidar das capacidades humanas, notadamente das capacidades humanas de transformar o mundo, de inventar novos mundos. Ele tende a pensar que todo homem que busca a transformação, a mudança, nos promete a desordem e a catástrofe. Eles preferem um ser humano, como ele, conservador, com medo de qualquer transformação, como aquele que se conforma e apresenta a ordem social vigente como a única possível e cabível. Seu homem é um ser conformista e conformado diante das maiores iniquidades. Toda vez que um reacionário houve alguém falar ou sonhar com uma nova sociedade, ele apresentará uma experiência fracassada do passado para servir de espantalho a essa vontade de mudança. Se você critica o capitalismo ele logo achará que você quer a volta do bolchevismo ou que você almeja a ditadura comunista da Coreia do Norte, ou as fracassadas experiências socialistas em todo mundo. Ele aposta que com isso ele imobilizará tua vontade de mudança e te fará aderir à ordem vigente como a única possibilidade de organização do mundo social. Se você critica o golpe ocorrido em 2016 no Brasil, se você grita Fora Temer, ele logo diz que você quer é instaurar a falida experiência bolivariana da Venezuela, no Brasil. Porque um reacionário tem dificuldade de pensar que nós humanos nos definidos pela capacidade de criação e de invenção do mundo humano sempre de novas maneiras. Nós historiadores sabemos que os homens já fracassaram inúmeras vezes em seus sonhos, em suas tentativas de criar um mundo melhor, mas que eles sempre foram capazes de recuperar novamente a capacidade de sonhar, de agir no sentido de que o mundo seja diferente do que é. Se os homens não tivessem se levantado após suas inúmeras débâcles o mundo seria ainda pior do que já é. Foram necessárias milhares de rebeliões de escravos por todo mundo para que a escravidão acabasse, mas só um reacionário pode achar que essas revoltas, mesmo derrotadas e esmagadas no momento em que ocorreram, foram um fracasso a longo prazo, pois graças a elas a iniquidade da escravidão ganhou as consciências do maior número de homens. Não é porque caímos uma vez que deixaremos de nos erguer várias vezes. Só quem acredita em perfeições e paraísos, que os reacionários colocam no presente ou no passado (os reacionários nostálgicos, românticos, saudosistas), acha que as tentativas imperfeitas feitas pelos homens de construir outros mundos possíveis devem nos levar à desistir da mudança e se conformar com o que aí está. Quem não é capaz de ignorar esses espantalhos do passado, agitados como ameaça, não são capazes de continuar buscando a mudança.
Devemos partir de uma outra imagem do humano, de uma outra antropologia. Pensar o humano como esse ser que se define, ao mesmo tempo, pela incompletude, pela imperfeição e, por isso mesmo, pela busca incessante de aperfeiçoamento e completude. Se a Revolução Russa foi um fracasso é porque foi uma revolução que traiu aqueles que a fizeram, que matou muitos do que a fizeram, e isso não invalida a ideia generosa que moveram aquelas multidões que naqueles dez dias abalaram o mundo ao se levantarem em defesa da construção de um mundo melhor. Assim como os iranianos que se jogaram de corpo e mãos nuas contra o exército do Xá não podem ser responsabilizados pelos crimes do regime a que deram origem. Foi graças ao trabalho paciente de formiguinha da resistência que o domínio nazista jamais teve sossego em qualquer lugar. Toda tirania, todo regime injusto, político e econômico merece a nossa resistência permanente, mesmo que não tenhamos uma fórmula salvadora para colocar no lugar. Estar vivo, ser humano é afirmar permanentemente a liberdade, e essa se afirma pela recusa de se conformar com a injustiça e o arbítrio. Só um reacionário, que sempre porta uma alta dose de cinismo, pode fazer de conta que nada há para se reclamar nessa sociedade burguesa e capitalista que condena dois terços do mundo à miséria e concentra na mão de 1% da população mundial 20% da riqueza. No Brasil, apenas cinco bilionários tem renda equivalente aos 50% dos pobres do país. Um escândalo que parece não fazer corar a impavidez cadavéricas dos reacionários. O historiador deve se apoiar numa antropologia positiva, ou seja, enfatizar a capacidade dos homens de inventar, de criar, de transformar, de mudar o mundo, mesmo que muitas vezes, para isso, erros terríveis sejam cometidos, dolorosas derrotas aconteçam. Foram necessários mais de 8.500 levantes derrotados e sangrentamente esmagados, ao longo de dois séculos, desde levantes camponeses e populares, até levantes aristocráticos, para que a Revolução Francesa fosse possível. Portanto, quando um reacionário vir te tentar convencer que tua fala de protesto, que tua aula crítica e de denúncia, que tuas ações de contestação ou rebeldia não adiantam nada, estão fadadas ao fracasso, são perda de tempo e dinheiro, lembra que a energia surda da revolta se transmite através dos tempos. Como dizia Walter Benjamin, há sempre alguém para recolher a brasa amortecida da esperança que jaz sepultada sob os escombros das derrotas e dos massacres. Aquela tua palavra, aquela tua aula será recolhida por alguém e germinará como uma semente de esperança no trabalho e na vida de outro alguém. Sim, os que lutam são muitas vezes derrotados e muitas vezes parecem definitivamente esmagados, mas deles fica uma herança, gestos, frases, feitos que permanecem, uma memória subterrânea da rebeldia não deixa nunca descansar os poderosos de plantão, sejam eles quem sejam. Muitas ideias generosas desandaram em formas de dominação e governo das mais terríveis e dantescas, mas isso não torna ultrapassada e desimportante a generosidade de quem lutou, de quem deu a vida para que aquilo existisse. Arrependimento deve ter aquele que não lutou, aquele que se agarrou a seu quinhão numa realidade e numa sociedade injusta e opressiva, aquele que apoiado na exploração investiu suas forças, suas palavras, sua inteligência em remar contra a mudança, em tentar desanimar e desestimular, em ameaçar e intimidar quem nela se engajou.
O reacionário também tem uma visão muito particular da vida social, ele possui uma sociologia muito própria, a sociologia do semelhante. O reacionário reifica, naturaliza a ordem reinante. Para ele que, quase sempre tem privilégios sociais a defender, a formação social em que vive, por mais que possua defeito, é a melhor e não se deve querer aspirar a outra forma de organização social. É impactante como um reacionário defende a iniquidade, a miséria, a exploração, as injustiças sociais reinantes a pretexto de que qualquer tentativa de mudança só resultará em algo ainda pior. Com medo de perder o que tem, inseguro com qualquer transformação, ele chama de ideológico todo discurso que não for igual ao seu, enquanto o seu discurso tão ideológico como qualquer outro é apresentado como sendo a verdade e a única e melhor imagem da realidade. O reacionário abomina qualquer imagem do social que não seja aquela que ele possui, que não corresponda a sua versão da realidade. No fundo ele sabe que a ordem social é passível de mudança mas ele quer evitar ou controlar essa mudança para que ela reponha, se possível, as mesmas condições anteriores. Os reacionários adoram as revoluções que não mudam nada, que na verdade são contrarrevoluções e repõem o status quo; adoram os golpes que levam a sociedade a flertar com a volta aos tempos áureos de uma dada dominação. Eles se julgam superiores e espertos por estar do lado dos vencedores e dos dominadores do momento, lançam um olhar de desprezo ou de condescendência para aquele que se coloca contra a ordem, vendo-o como um perdedor, um habitante do mundo das ilusões. Ele se diz realista, ou seja, ele adere sem crítica à realidade que o cerca e chama o que não concorda com suas posições reativas de sonhador.
Um reacionário tende a detestar toda a diferença, tudo aquilo que não seja a reprodução de seus próprios valores, de seus próprios costumes que ele finge não ser valores de uma dada classe, de um dado gênero, de uma dada etnia, de uma dada geração, de um dado tempo e lugar. Ele pretende que seus valores particulares e conservadores sejam vistos como universais, como aqueles que devem prevalecer universalmente, que não devem receber contestação. Qualquer crítica a seus valores é logo atribuído ao caráter comunista, esquerdopata ou petralha do discurso do outro. É superinteressante esse anticomunismo anacrônico dos reacionários. Eles são tão reacionários que ainda não se deram conta que a Guerra Fria acabou, que o muro de Berlim caiu, que a Rússia e a China hoje são países capitalistas, com relações de trabalho extramente iníquas, onde o capitalismo faz a sua atual acumulação primitiva do capital através de uma brutal exploração do trabalho e dos recursos naturais sustentada por governos autoritários e por uma brutal repressão contra as forças oposicionistas. Lutar contra os comunistas hoje é lutar contra os fantasmas que assustam seus próprios sonos reativos. O que eles não suportam é que as pessoas pensem e vivam diferentes deles, que contestem sua moral reativa e sua vidinha papai-mamãe. Como pensam o social como a reprodução do mesmo, eles acham que todos devem ser burgueses, empresários até de si mesmos, todos devem se entregar ao Deus mercado, como eles fazem. Um partidário da mudança social não se identifica com a China, mas com aquele estudante que sozinho parou uma coluna de tanques que vinha esmagar os protestos contra a ditadura chinesa.
Um reacionário também pode ser identificado por uma visão particular da subjetividade humana, por uma dada psicologia, que eu chamaria de psicologia do medo. Ele se move por medo da mudança, de perder sua posição na ordem social, e tenta, a todo tempo, usar as armas do medo e da culpa para paralisar o desejo de transformação e transgressão. Ele tenta paralisar o desejo através do pânico e do terror. O reacionário ri de você quando você sonha, quando você tem desejos e vontades de construir um mundo diferente deste. Ele não só julga que se você propõe isso você está propondo o retorno de experiências falidas e derrotadas, mas que seria ingênuo ou perigoso sonhar. Ele ri de você, com ar de superioridade e condescendência, porque você sonha, porque você, segundo ele, possui ilusões, fantasias, ele te acusa de acreditar em mitos. Ou seja, o reacionário desconhece que o que define o humano é justamente a nossa capacidade de sonhar, de imaginar realidades possíveis e tentar materializá-las. Sem o sonho nada de novo realizamos, nos contentamos com esse mundo feio e injusto, desigual e desumano em que vivemos. Deixem que riam de seus sonhos, quem ri por último costuma rir melhor. Se o reacionário te mostra todos os sonhos falhados, mostre a ele quantos sonhos conquistados e realizados, ao longo da história: o capitalismo é o sonho da burguesia materializado, a democracia burguesa nasceu das aspirações revolucionárias da burguesia. Se ela hoje se tornou uma classe reacionária devemos mover contra ela o poder do sonho e da ilusão, como um dia ela fez contra a aristocracia. Se não queremos ser cúmplices do mundo que nasceu da revolução burguesa, mas que como quase todo mundo nascido da revolução se petrificou numa ordem injusta, devemos tomar das mãos da burguesia a tocha da revolução e novamente empunhá-la dando a essa ideia novos conteúdos que não tem de ser as desgastadas e falhadas fórmulas comunistas ou socialistas. Seria estranho um revolucionário olhar para o passado e não para o futuro. O reacionário te joga sempre os fracassos do passado em teu rosto por um vício do olhar, ele só sabe olhar para trás: olhemos para a frente. O reacionário, na verdade, teme e tem pavor da fantasia, do fantasma, do simulacro de outros possíveis reais. Ele quer matar de saída esses seres etéreos antes que eles se tornem realidade. Muitas fantasias foram levadas aos paredões ao longo da história, foram encarceradas em manicômios e prisões, mas elas teimam em povoar esse carnaval organizado que é a história, elas sempre escapam de qualquer aprisionamento e voltam a esvoaçar a nossa volta. Quando o reacionário apontar o dedo desqualificador para sua fantasia, faça ele olhar para a dele, como a dele é também fantasiosa e desbotada, como a fantasia do reacionário termina sempre servindo mal ao seu próprio corpinho. As fantasias neoliberais do Consenso de Washington provocam o desastre social e econômico em vários lugares do mundo. No Brasil as fantasias verde e amarelas dos patos do golpe reacionário vêm todas caindo por terra. Até o reaça fantasiado de Batman, que participava das manifestações coxinhas, deve estar de fantasia destroçada. O golpe que prometia o paraíso, passados menos de dois anos tenta conter a violência crescente provocada pela sociedade cada vez mais iníqua que temos com os tanques nas ruas. Temos 21 das 50 cidades mais violentas do mundo e a tendência é só piorar à medida que as forças que deram o golpe implantarem suas políticas neoliberais e de concentração de renda.
O reacionário no fundo teme o desejo, a vontade, tudo o que impulsiona o homem ao inconformismo, à rebeldia, à rebelião, à transgressão, à revolta, à revolução. O desejo é a força que nos faz se erguer cada vez que caímos, cada vez que somos derrotados. O desejo, como notou Freud, só cessa com a morte. O reacionário ao temer a força do desejo sonha com a morte da potência que nos impulsiona a se rebelar. Ele deseja, porque o reacionário é também a expressão de uma forma de desejo: o desejo de morte, uma ordem social morta por repetição e reafirmação. o reacionário é a expressão de uma relação reativa com o desejo que o move, ele teme o desejo que o habita, que convoca novos encontros com o outro, que o arrasta para fora de si mesmo, isso o apavora e ele se fecha aos encontros transformadores. O desejo nasce do encontro com o outro e, nesse encontro, podemos ter uma atitude de reconhecimento e de abertura para o outro, que é sempre o diferente, ou podemos temer e por isso nos fechar às forças transformadoras dos encontros. O reacionário tende a confundir potência com poder, ele acha que os humanos só podem se relacionar com o outro numa posição de dominação ou de subordinação. Ele não pressupõe que se possa ter uma relação de reconhecimento da igualdade do outro, igualdade para ele é uma quimera de sonhadores e comunistas. Ele toma o outro como um limite a seu poder e por isso o teme e tenta o dominar. Ele não percebe o outro como aquele que amplia a nossa potência de existir e de criar. Todos os estudiosos das massas e das populações chegaram à conclusão que muitos corpos juntos são capazes de fazer coisas que um corpo isolado não seria. Muitos pensadores assustados com as massas fanatizadas por lideranças totalitárias, de esquerda ou de direita, trataram de depreciar e tomar como um monstro perigoso a massa mobilizada e rebelde. Mas o que podemos aprender com essas experiências é a potência criativa e transformadora do coletivo, tornadas perversas ao serem transmutadas em um poder que as dizia representar e guiar.
O reacionário assumindo-se, sempre, como um representante da racionalidade e do bom senso, aliás eles sempre são inclusive bons moços, deplora o que seria nossa capacidade de acreditar em mitos. Se ele estudasse história saberia que os mitos foram fundamentais para mover multidões ao longo da história. A humanidade não teria construído o que construiu, não seria o que é, para o bem e para o mal, se não fossem os seus mitos. O reacionário acha que mito é coisa de gente irracional, passional, que não compartilha da racionalidade burguesa que ele encarna. A sociedade moderna e iluminista se pretendeu racionalista e não mítica. Mito era para os selvagens, crianças e mulheres, enquanto os meios de comunicação a que essa sociedade deu origem são fontes cotidianas de mitificação. O reacionário, entupido de mitos: o mito do mercado, do capitalismo, da democracia, da gestão, do fim da história, do comunismo comedor de criancinhas, vem nos dar lições de mitologia. Ora, o reacionário detesta dados mitos porque eles são ameaçadores à ordem que defendem. Ele abomina Che Guevara por ter se tornado mito, mas alguns cultuam Hitler, Olavo de Carvalho e outros bolsomitos. Ele vai dizer para você que seu sonho de que o mundo seja menos injusto, desigual, miserável, inseguro, poluente, machista, misógino, racista, homofóbico, xenófobo, violento é um mito, em nome da defesa de uma ordem social com todos esses problemas e, no entanto, por ele mitificada.
O mais impressionante é a incapacidade do reacionário de acreditar que podemos ressignificar, inclusive, conceitos aparentemente já gastos. Como ele é reacionário então acha que se defendemos a construção de uma sociedade socialista, esse conceito só pode ter o mesmo sentido que tinha nos livros de Marx ou de algum stalinista. Ele não julga que sejamos capazes de darmos outro conteúdo a essa noção, de criarmos outros conceitos para nomear nossas utopias. Como ele quer bloquear a criatividade, ele próprio padece de falta de imaginação. Ora, nós historiadores sabemos que os conteúdos dos conceitos não param de mudar e que não necessariamente essa mudança significa um fim de mundo. O conceito de família já recobriu realidades e arranjos bem distintos e caminha, mais uma vez, para nomear algo completamente diferente do que já vimos. O comunismo não foi inventado por Marx como pensa a maioria dos reacionários, o conceito o antecede em muito tempo, ele forneceu um novo sentido para ele, sentido que podemos reformular completamente. Ele reformulou, com muita pretensão e, por vezes, autoritarismo e desrespeito, a noção de socialismo que também ele não inventou. Seria tão desejável que os reacionários tentassem admitir pelo menos mudanças profundas no próprio capitalismo, na própria concepção do que seja o mercado, a mercadoria, o trabalho, a propriedade privada, a democracia liberal, etc. Mas aí eles não seriam reacionários, eles estariam a favor da mudança e não podem alojar o seu desejo na mudança porque, no fundo, temem e tremem diante dela.
Devemos, antes de tudo, ser alguém que aposta na potência humana de criar o novo, de inventar o mundo, de transformar fantasias, ilusões, mitos, sonhos em realidade, mesmo que isso resulte num cortejo de desastres e decepções. Mais do que acreditar na condição racional do homem é apostar em sua dimensão poética, sua capacidade de dar novos sentidos e significados para os conceitos e para as práticas, na capacidade de metaforizar e criar suplementos para o que o mundo nos oferece. O homem é um ser da carência e da incompletude, por isso ele é um ser da busca, da espera e da esperança.
Como diz Georges Didi-Huberman, é a potência de se levantar, de se por de pé que nos faz humanos. A humanidade começou quando nos erguemos da terra, quando deixamos de rastejar, quando nos erguemos sobre nossos pés e liberamos nossas mãos para agir e criar um mundo à luz de nossos desejos. Nunca devemos deixar de se levantar contra a injustiça, a desigualdade, a miséria, o preconceito, a violência, a humilhação, a exploração, o desejo de morte. Como inúmeras vidas generosas fizeram ao longo do tempo, devemos nos levantar contra a opressão e o terror, seja que forma elas tenham, de direita ou de esquerda, de centro ou de periferia. O levante, até do ponto de vista erótico, o levante das fagulhas e do fogo do desejo em nossos corpos é que nos faz produzir novas vidas, é o que nos move na direção do outro para com ele construirmos algo novo. Nunca se abaixem ou se prostrem diante de nada ou ninguém, nunca se ponham de joelhos diante de nada, nenhum Deus ou ídolo merece que nos joguemos por terra. Que até mesmo a eles olhemos de frente. Que lutemos contra os reacionários que nos querem ver aterrados e aterrorizados, pois é de nossa queda que fazem a sua força.

(Durval Muniz é professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte)

(Publicado originalmente no site Saiba Mais, Agência de Reportagem, aqui reproduzido com autorização do autor)

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