pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO: Michel Zaidan Filho: Síntese da evolução política e cultural de Garanhuns
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segunda-feira, 19 de março de 2018

Michel Zaidan Filho: Síntese da evolução política e cultural de Garanhuns

  
Para os propósitos dessa breve apresentação, iremos sintetizar a evolução político-cultural da Cidade de Garanhuns em cinco períodos – que correspondem grosso modo à própria evolução política do País e particularmente, a evolução das relações entre a União e seus entes subnacionais, em diversas conjunturas críticas da história nacional.



-Primeiro período, das origens até a hecatombe de 1917.


-Segundo período, da hecatombe de 1917 até o golpe do Estado Novo.


-Terceiro período, do golpe do Estado Novo (e a chegada de Agamenon Magalhães ao poder) à redemocratização.


-Quarto período, da redemocratização até o Golpe de 1964.


-Quinto período, da redemocratização até hoje, passando naturalmente pelo fim do regime militar, os prefeitos eleitos nessa época, a luta pela volta do estado de Direito etc.                                                              1





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O que chamamos aqui de primeiro período é aquele que remonta às origens do povoado de Santo Antônio ou a vila de Cimbres, que deu início ao município de Garanhuns. Ou seja, o imenso latifúndio agropastoril que formava então os domínios territoriais de Simoa Gomes, a donatária destas terras. Inicialmente, Garanhuns (ou a vila de Cimbres) fazia parte da imensidão territorial de uma casa de Fidalgos, os Garcia da Torre, que se estabeleceram Penedo, às margens do rio São Francisco, e por doação da Coroa portuguesa, passaram à condição de donatários feudais, cujo domínio se estendia desde as terras da Bahia até a Paraíba. Nesta imensidão territorial é que se recortou o território que viria a ser Garanhuns, a partir do latifúndio de Simoa Gomes. Como região geográfica e climática de transição, essas terras correspondem à economia pastoril e algodoeira do nordeste brasileiro. Assim, o que caracteriza em seus inícios a atividade econômica do lugar é uma pecuária extensiva e culturas de subsistência voltadas para o abastecimento das fazendas e vilarejos circunvizinhos. O que se pode assinalar de culturalmente importante nesse período são as tradições, rituais e cerimônias de seus primeiros habitantes, os indígenas da etnia Cariri, cujo principal traço psicossocial era uma permanente tristeza ou melancolia, que se expressava nas atitudes, nas músicas e danças e rituais. Estes primeiros habitantes da região foram objeto de inúmeras caçadas e perseguições de bandeirantes e aventureiros, entre eles, se sobressaí a figuras de Domingos Jorge Velho, como grande predador dos nossos indígenas locais, depois da campanha movida contra o quilombo de Zumbi dos Palmares. Da parte dos colonos, é de se destacar a influência do Catolicismo patriarcal e familiar, que deixou suas marcas no assistencialismo e na filantropia de Simoa Gomes em relação à pobreza local. A origem mesma do município deve-se a uma ação caridosa dessa donatária rural, depois que essas terras foram expropriadas pelo saque e a escravidão das nações indígenas ali residentes. É de interesse notar que Garanhuns também foi reduto de quilombolas – escravos africanos que fugiam das fazendas e engenhos da redondeza e construíam redutos nas terras da então vila de Cimbres, como é o caso do quilombo do castanhinho (até hoje existente). Neste ponto, é possível reconhecer uma rica e diferenciada herança multicultural, formada pela contribuição dos índios Cariris, em especial da mulher, dos escravos fugitivos e do colonizador português e seus descendentes.                                                                 





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O segundo período dessa evolução vai até o trágico acontecimento chamado a “hecatombe de 1917”, que aliás já mereceu um estudo detalhado, a partir do processo judicial, do historiador garanhuense Mario Márcio de Almeida. Ele coincide com um momento de intensa urbanização do novo município. A “hecatombe” pode ser interpretada como um grande conflito social e político entre senhores de terra (os coronéis da antiga Guarda Nacional) que então mandavam na região e os novos senhores do comércio, dos serviços e atividades urbanas. Embora, muitos desses chefes políticos locais fossem também grandes comerciantes estabelecidos na praça ou núcleo urbano. A luta de famílias – tão comum no interior do Brasil – não deve obscurecer o significado mais profundo desses trágicos acontecimentos. Tratou-se de uma grande ruptura no padrão dominantemente agrário e rural da política local, rumo à hegemonia dos coronéis urbanos, assentados na cidade, grandes exportadores, beneficiadores de produtos agrários ou simplesmente comerciantes. Com a vitória destes últimos, a cidade ganhou um novo impulso urbanístico que coincide com a chegada de muitos imigrantes estrangeiros: holandeses, sírio-libaneses, italianos, franceses etc; com a chegada da estrada de ferro (Great Western) e naturalmente com o estupendo crescimento e apogeu da cafeicultura na região, em razão do clima temperado e do solo fértil. O auge desse período é o ano 1936, com uma multiplicidade de jornais, grupos dramáticos, correntes políticas, teatros, orquestras e uma onda de modernização das atitudes, os comportamentos sociais, a fala, a roupa, o lazer, a ostentação de bens de consumo duráveis etc. (ver o Almanaque de Garanhuns, de 1936, com ricas ilustrações de Ruber Van Der Linden). A figura ímpar desse momento de exuberância social, econômica e cultual da cidade foi o engenheiro e animador cultural Ruber Van Der Linden. Homem dotado de muitas qualidades intelectuais e de viva curiosidade foi ele o autor de inúmeras iniciativas importantes, como o parque ecológico, o grêmio cultural, os almanaques de Garanhuns, os primeiros esboços históricos da cidade e muito mais. Nunca mais experimentaria a nossa cidade um tal desenvolvimento cultural, a par do auge da cafeicultura e da influência modernizadora da infra-estrutura urbana que ela nos legou.




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Este último período se encerra com o Golpe do Estado Novo, em 1937, e a chegada em Pernambuco do “agamenonismo” – o interventor de Getúlio Vargas em nosso estado. Esse acontecimento provoca uma nova ruptura na história da cidade, pela inaudita centralização política trazida pelo interventor e pela rede de apoio dos coronéis interioranos a Agamenon Magalhães, que funda o PSD. É também o período das interventorias municipais, com prefeitos indicados e nomeados em função das alianças locais e estaduais. Curiosamente, a cidade teve a sorte de contar com a ação de homens que foram verdadeiros empreendedores urbanos, embora a vida política e cultural tenha sido abafada pelo clima policial e arbitrário do novo regime. Nomes como Mário Lira, Celso Galvão Euclides Dourado e outros contribuíram muito para o desenvolvimento urbanístico da cidade, com grandes obras públicas, melhoramentos urbanos, novos bairros, parques, logradouros e avenidas.

                                                               




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Essa fase se conclui com a redemocratização, em 1946. Abre-se então uma época marcada pela disputa eleitoral e partidária e uma intensa ideologização da política, como aliás em todo o Brasil. É o período do nacional-desenvolvimentismo, com uma grande mobilização de massas; de estudantes, trabalhadores rurais, operários, profissionais liberais, trabalhadores urbanos e partidos políticos. Garanhuns foi sacudido pela tempestade política da época, com suas lideranças locais tomando posição a favor e contra os partidos nacionais e seus líderes. Aqui, é preciso fazer justiça a dois nomes, o alfaiate Amaro da Costa, corajoso líder comunista, que muito sofreu com as inúmeras prisões, e o deputado José Cardozo, do PTB. Outros renegaram suas antigas ideias e aderiram aos golpistas de 1964, para serem aceitos como pessoas de bem (e de bens) pela comunidade e receberam as benesses dos vários governadores indiretos ou nomeados. Estes dois valorosos políticos acima mencionados pagaram caro pela coerência ideológica e a firmeza de suas posições. Aliás, algumas lideranças sociais e políticas de hoje são originárias dessa época de agitação social, entre elas o ex-vice-prefeito da cidade, Marcio Quirino.                                                          





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Chegamos, assim, ao quinto período dessa síntese histórica, que corresponde à vigência da ditadura civil-militar no Brasil e a um momento de extrema centralização político-administrativa. É a fase do bipartidarismo oficial e ou das sublegendas partidárias – onde não foi possível organizar uma oposição legal. A multiplicidade de correntes ideológicas foi eliminada e substituída por uma camisa de força de dois partidos oficiais. A vida política e cultural da cidade sofreu um enorme esvaziamento em razão da censura, do autoritarismo, da falta de autonomia local, da prisão, do exílio e o absenteísmo de importantes lideranças. Os próprios colégios, a imprensa local, os grêmios estudantis e as igrejas deixaram de ser fontes de animação cultural e política da cidade. A política passou a ser hegemonizada pelos novos coronéis urbanos, grandes comerciantes, latifundiários, exportadores e beneficiadores de produtos agrícolas e donos de grande parte da riqueza gerada na região. O caráter acanhado das lideranças econômicas se refletiu nas limitações culturais do munícipio, até a pouco tempo sem representação estadual ou federal. Forasteiros e aventureiros empolgaram a vida política da cidade, fazendo carreira, primeiro de empreendedores, depois de lideranças políticas. Para isso muito contribuiu, sem dúvida, a influência cosmopolita da formação dada pelas instituições escolares e o conservadorismo das igrejas, produzindo uma emigração de jovens talentos e lideranças em potencial. Este período foi caracterizado pela hegemonia de um partido único em Garanhuns, a Arena; sendo sufocadas outras alternativas de participação. A única exceção foi o rápido e difícil governo de Souto Dourado, ligado ao MDB, advogado, vivendo fora da cidade há muito tempo, que fez uma administração voltada para a cultura, a recuperação urbanística da cidade, a moralidade administrativa e a valorização do serviço público, mas que – infelizmente – não foi compreendido nem valorizado pelos munícipes da região.

                                                                




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Finalmente, chegamos aos dias de hoje. A consideração de um modelo político-cultural adequado para uma cidade como Garanhuns não pode prescindir, primeiro, do processo de esvaziamento econômico da cidade, marcado pela extrema concentração de renda e o monopólio da atividade comercial do município. A acanhada estrutura econômica da cidade (que parece dar sinais de mudança) pesa naturalmente sobre a riqueza ou a pobreza da vida cultural. A opção por transformar a cidade numa estância hidromineral de vocação turística e comercial, com um calendário de eventos musicais anual, financiado pelo governo do estado, no bojo de uma incapacidade fiscal e tributária dos municípios brasileiros, a falta de autonomia administrativa em que vivem grande parte das pequenas e médias cidades, faz de Garanhuns uma região de vida cultural induzida e artificial, ao contrário de outros municípios pernambucanos. É como se a nossa cidade não tivesse uma identidade cultural definida, bem demarcada, a despeito dos inúmeros valores humanos e intelectuais, das inúmeras faculdades, excelentes colégios confessionais, igrejas, clubes etc. A nossa cidade ainda é tributária de uma programação hegemonizada pela capital do estado e outras cidades de porte médio de Pernambuco.







Essa fraqueza pode e deve ser combatida: primeiro por iniciativas da própria sociedade civil e suas organizações, seus intelectuais, seus artistas, seus professores, seus líderes comunitários, religiosos e econômicos. Ou seja, não se deve esperar do governo ou de outros essa valorização da autoestima da cidade. Mas isso só pode ser feito com o fim desse cosmopolitismo estéril, vazio, empobrecedor das elites que dominam a cidade. Este descompasso entre este nefasto papel descivilizador e descomprometido das elites e as nossas potencialidades locais é responsável por uma cultura de alienação e pouco respeito e reconhecimento dos nossos valores. A tarefa política e cultural de consertar tal desequilíbrio é de todos quanto almejam o desenvolvimento urbano integrado local, com um viés distributivo, justo, inclusivo, mais voltado para a recuperação da autoestima dos cidadãos e cidadãs garanhuenses. Há muito que fazer neste terreno. É tarefa das faculdades, das escolas, das igrejas, dos clubes, das organizações não governamentais, dos líderes comunitários, dos partidos políticos, dos artistas e intelectuais, dos animadores culturais, do povo de Garanhuns.
                                             




Historiografia


O primeiro livro escrito sobre a nossa história é o do professor João de Deus, da Universidade Rural de Pernambuco. Traz fotos das índias cariris e outras informações importantes. Mas não é obra de historiador. O segundo e de um diletante chamado Alfredo Leite e tem uma importância documental muito grande. Mas está muito longe de ser uma história da cidade. O primeiro livro nesse gênero é o do historiador Mario Marcio e é sobre a hecatombe de 1917, não tem a abrangência necessária. Uma leitura dos almanaques, organizados por Ruber Van Der Linden é importante. O vídeo feito sobre a hecatombe por Clóvis Manfredini é muito interessante.

Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE.

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