pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO: Editorial: O descarrilamento da democracia brasileira.
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sábado, 3 de março de 2018

Editorial: O descarrilamento da democracia brasileira.






No final da década de 80, por ocasião dos trabalhos da constituinte que iria dá os arremates finais na Constituição Cidadã de 1988, ocorreu um impasse entre o poder civil e o poder militar. Aliás, esses impasses são frequentes no país. Mas, vamos por parte. Segundo observou o professor e cientista político Jorge Zaverucha, em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, os civis desejavam limpar a nova Carta de qualquer resíduo ou entulho autoritário que permitisse, por exemplo, uma intervenção militar, legalmente aceita e no contexto de uma normalidade democrática. À época, ainda de acordo com Zaverucha, o comandante do Exército era o general Leônidas Pires Gonçalves, que ameaçou "zerar" todo o processo casa não fosse mantido o artigo 142, que previa uma intervenção militar, em casos de graves distúrbios da ordem pública. Mais recentemente, com o aumento da temperatura na caserna, este referido artigo é sempre citado, posto que uma intervenção militar  é prevista pela própria Constituição Cidadão de 1988, a rigor.  

Na década de 70, num dos períodos mais duros da repressão do regime militar imposto ao país depois do golpe Civil-Militar de 1964, depois de "limpar o meio de campo" - na linguagem dos opositores que pegaram em armas contra a ditadura - os militares moderadas - que desejavam a abertura - resolveram enfrentar os militares da linha-dura, capitaneados pelo então ministro do Exército, general Sílvio Frota. O presidente do país era o então general Ernesto Geisel, que admitiu possíveis "excessos" e convidou Sílvio Frota para um encontro em Brasília, sem descer aos detalhes da "agenda". o General Sílvio Frota foi ao encontro sem jamais suspeitar das reais intenções de Geisel. De bate pronto, sem muitas delongas - como é comum entre militares - Geisel anunciou a sua destituição do cargo. Sílvio Frota ainda tentou esboçar alguma reação, mas era um feriado em Brasília e os soldados estavam desaquartelados, num churrasco em família. Sílvio Frota era um general sem tropa. Aquiesceu, voltou para casa e vestiu o pijama.

As articulações no estamento militar permitiram que um outro militar moderado, o general João Figueiredo, sucedesse o general Ernesto Geisel na Presidência da República. Há alguns folclores envolvendo o general João Figueiredo, como possíveis afirmações de que daria um tiro na cabeça se recebesse um salário mínimo ou que gostava mais de cavalos do que de gente. Nenhuma dessas expressões, porém, surtiria mais efeito do que uma de suas respostas a uma jornalista, quando indagado sobre a abertura política no país: É para abrir. Ou abre ou eu prendo e arrebento. Não sei se estou sendo fiel às suas palavras, mas foi mais ou menos isso o que ele afirmou à época. Sua contundência dizia respeito a uma reação direta às tentativas da linha-dura no sentido de sabotar o processo de abertura política em curso, como o famoso atentado no Rio-Centro. Apesar de algumas baixas - como a saída do general Golbery do Couto e Silva, que era o cérebro do regime - a abertura seguiu, ancorada num projeto de anistia ampla, geral e irrestrita, sobre o qual os militares jamais permitiram qualquer revisão. 

Na realidade, mesmo depois da abertura política, no Brasil, o poder civil nunca conseguiu se impor ao poder militar, uma das prerrogativas essenciais de um regime democrático. Poderia aqui citar exemplos e mais exemplos dessa situação, mas vou poupar os nossos leitores , para se concentrar em fatos mais recentes. Chamem a isso o que quiserem, semidemocracia, democracia delegada, democracia tutelada. Outro dia o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso(PSDB) confidenciou que o escalpo do presidente Itamar Franco quase foi servido, por ocasião do episódio em que ele apareceu de braços dados, com uma modelo sem calcinha, no Sambódromo. Faço essas observações para concluir que o futuro da "democracia" brasileira é um jogo a ser jogado não entre o poder civil e o poder militar, mas entre militares moderados e militares da linha-dura, ou seja, os intervencionistas, proponentes de uma militarização da política. Não somos muito otimista quanto ao funcionamento incipiente do nosso simulacro de democracia, em razão do protagonismo militar que voltou a ocorrer nos últimos meses. Vejamos alguns fatos que corroboram com esse pessimismo:

1.- O general Sérgio Etchegoyen exercia o cargo de ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional no Governo Dilma Rousseff. Continuou no mesmo cargo no Governo Michel Temer(PMDB), num arranjo curioso, creio que muito em razão da impossibilidade do presidente em demovê-lo do cargo. Etchegoyen preside a ABIN, a Agência Brasileira de Informações, de onde pode-se concluir por uma articulação cada vez mais fortes entre os órgãos de informações do Estado e os militares, quiçá, próximo a uma reedição da famigerada "Comunidade de Informações". Reforça essa tese os recentes pronunciamento do Ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, propondo uma ação conjunta entre os diferentes aparatos de segurança do Estado, como as policiais estaduais civil e militar, por exemplo. Os 42 bilhões prometidos serão certamente liberados para os Estados, não sem antes, porém, de se firmarem alguns compromissos.
 
 
2.- O general Sérgio Etchegoyen, de acordo com os estudiosos das relações entre civis e militares no Brasil, é aluno da primeira fila da Escola Superior de Guerra, com nota 10 na doutrina de Segurança Nacional. Se enquadra, ainda segundo esses analistas, no figurino dos militares identificados com a militarização da política. Com a saída de Raul Jungmann do Ministério da Defesa, o cargo voltou a ser exercido por um militar, que era o seu adjunto. Nunca se soube muito bem o que um civil fazia por ali, mas agora também se perde o "simbolismo". Num dos seus últimos pronunciamentos, o novo Ministro da Segurança Pública afirmou se sentir incomodado com o fato de um presídio demorar até 05 anos para ser concluído, o que sugere pensar que ele se filia à lógica de encarceramento da sociedade brasileira, que já isola, em condições sub-humanos, uma população carcerária de mais de 700 mil detentos. A terceira do mundo, apenas abaixo da população carcerária da China e dos Estados Unidos. Nenhuma cresce tanto quanto a nossa, o que quer dizer que logo superaremos esses países, sobretudo quando se pensa em presídios e não em escolas, creches e políticas sociais de caráter inclusivo, que subverta nossas profundas desigualdades e o racismo estrutural.  
 
3.- Somente depois de uma matéria da sucursal brasileira do jornal El País - acerca dos possíveis desdobramentos da intervenção militar no Estado do Rio de Janeiro - é que os brasileiros de, fato, parecem ter colocados as barbas de molho. Nas falas de atores relevantes do intervencionismo, a possibilidade de expansão dessa intervenção aparece muito claramente. Antes fosse, como pensada no início, apenas uma manobra para melhorar o desempenho de presidentes com baixa popularidade.
 
4.- Nos próximos meses, o general Eduardo Villas Bôas deve deixar o comando do Exército Brasileiro. É um general de linha moderada e, acredito, não intervencionista. As eleições presidenciais, diante desse quadro de instabilidade institucional, passaram a ser uma incógnita. Há quem assegure que elas não mais serão realizadas. Para o futuro, mesmo fragilizado do nosso simulacro de democracia, melhor seria ficar atento ao substituo do general Eduardo Villas Bôas. É aqui que o jogo será jogado, diante de um Executivo fraco, um Legislativo corrupto e um Judiciário politizado, para dizer o mínimo.  
 
5.- Na semana passada, com todas as pompas e honras militares, o general Hamilton Mourão aposentou-se. Como se sabe, o general Hamilton Mourão é um dos principais atores militares identificados com uma intervenção militar, tendo sido punido por seus pronunciamentos a esse respeito. A imprensa noticiou que, em sua despedida, teria declarado que votaria no ex-militar Jair Bolsonaro(PSC) numa eventual eleição para a Presidência da República, o que reforça a identificação dessa candidatura com o estamento militar. Na mesma semana, surgiram pesquisas onde o ex-militar já desponta na frente de candidatos como Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin em colégio eleitoral importante como São Paulo. 
 
6. A despeito do contingenciamento orçamentário, o aparato de informação e repressor do Estado será reforçado com a contração de 1.500 homens, distribuídos entre a ABIN, a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal. Para os analistas de gestão pública, pode-se argumentar pela carência de servidores públicos nessas áreas. Para os cientista políticos, isso pode ter outras implicações.  

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