pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO: Crônica: Graciliano, o crítico literário
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quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Crônica: Graciliano, o crítico literário


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José Luiz Gomes

Ao assumir sua cadeira na Academia Brasileira de Letras, por ocasião do momento protocolar de saudação ao ocupante anterior, o escritor José Lins do Rego quebrou as regras e proferiu um discurso contundentemente crítico sobre a pobreza literária de Ataulfo Paiva. Naturalmente, Bourdieu, isso não ficou nada bem no contexto daquele campo literário, onde as expectativas se orientavam por saudações  meramente protocolares, ensejando, quiçá, rasgados elogios ao antecessor. A repercussão foi tão negativa que, a partir de então, as saudações teriam sido abolidas da cerimônia de posse dos novos imortais. Já àquela época, convém considerar as críticas do escritor de Fogo Morto não apenas a Ataulfo Paiva, mas, a rigor, a própria Academia Brasileira de Letras, cujos critérios de admissão já estavam corrompidos, com eleição de escritores sem livros e, pior, até denúncias de fraudes. Portanto, "A sua vida foi um five o'clock em casa de Dona Luarinda" bem que poderia servir como carapuça aos demais imortais.

Alguns escritores são muito exigentes consigo mesmo. Por vezes, o próprio estilo da escrita denota essa “depuração”, como é o caso, por exemplo, da obra do escritor alagoano Graciliano Ramos. São textos rigorosamente enxutos, por vezes áridos ou agrestes, identificados com a sua personalidade. Até os títulos indicam isso: Vidas Secas, Angustia, Infância. O cronista Graciliano Ramos escrevia para dois jornais alagoanos. Em termos de linha editorial, esses jornais constituíam um binômio de oposição. Um era uma espécie de Diário Oficial, ou seja, concordava com todos os atos do Governo. O outro, um jornal bastante crítico, que não concordava com absolutamente nada. Difícil mesmo, como ele observa, era se equilibrar entre esses dois extremos. Neste último, o ponto de equilíbrio significava, naturalmente, dar vazão à sua verve ácida e meter o pau, com críticas políticas, de costumes e, também, literária. 

Aparentemente, as relações entre Graciliano Ramos e José Lins do Rego eram muito boas. Ambos participaram dos círculos literários de Maceió e, José Lins deu aquele “empurranzinho” para viabilizar a publicação de obras do escritor alagoano. Li, por exemplo, muitos elogios de Graciliano ao colega paraibano, a quem dizia que usava bota de sete léguas, numa referência à sua extensa produção literária. Um segredo de alcova - pouco conhecido, se não não seria de alcova - é que, num desses momentos de sinceridade, Graciliano Ramos deixa escapar uma dura crítica ao conterrâneo: mas se até o José Lins é escritor... Dizia Gracialiano que a coisa mais fácil do mundo é fazer crítica literária. Num texto carregado, pedia aos leitores para retirarem dali os chavões, os galicismos e as tolices e observassem o que restava. Pouca coisa de concreto. Algo que denota apenas a indisposição dos "legitimados" aos calouros que objetivam entrar no "clube".

Sempre condizente com a linha editorial dos dois jornais onde escrevia, um crítico e um a favor, Graciliano brincava com os textos de ambos, quando, por exemplo, analisava os sonetos de uma tal poetisa Mlle.Gertrudes, possivelmente um nome ficcional. Hoje me ocorreu ser bem possível que essa observação ao escritor e amigo José Lins do Rego tenha surgido, possivelmente, no bojo de algum texto seu, quiçá, publicado no jornal do contra, aquele em que, contingenciado pela linha editorial do vespertino, o Velho Graça identificava-se com a franqueza e a imparcialidade que caracterizavam sua personalidade. Talvez. Nunca saberemos.

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