José Luiz Gomes
Na semana passada li uma grande matéria sobre o centenário do critico literário Antônio Candido. Sem nenhum exagero, o articulista o apontava como um dos grandes intérpretes do Brasil, bem ali ao lado de Gilberto Freyre, Caio Prado, Sérgio Buarque de Holanda, Celso Furtado. Entre outros, Manuel Correia de Andrade, que, quando vivo, organizou uma série de seminários com os "novos" intérpretes do Brasil. Mas, o núcleo da matéria tratava de sua tese de doutorado, onde o então acadêmico, professor da USP, enfurnou-se numa cidadezinha do interior paulista para estudar o modo de vida daquela comunidade rural. Apesar de ser um estudo de caso, já ali o mestre antecipava as mudanças substantivas que se tornariam a regra das alterações do modo de vida das comunidades rurais no país. Vivo fosse, certamente Antonio Cândido me autorizaria a colocar Machado de Assis na condição de nosso papa, entre os escritores nacionais,assim como ocorre com Ernest Hemingway, em relação aos americanos.
Talvez isso não ocorra entre os escritores nacionais, mas, nos Estado s Unidos, os romancistas sofrem de uma espécie síndrome de Ernest Hemingway. Há, entre eles, uma tendência a tentar imitar o seu estilo, quase como uma reverência ao mestre, autor de Por Quem Os Sinos Dobram. Hemingway era muito exigente com a sua escrita. Há relatos que dão conta de que ele não escrevia mais do que 500 palavras por dia, deitado, sempre pela manhã. Confessou certa vez a Scott Fitzgerald que uma dessas páginas era uma obra prima e o resto ele atirava ao lixo. Ao menos se vestia, diferentemente de Victor Hugo e Franz Kafka, que escreviam nus. Um dos seus fãs reescreveu todas as palavras de um dos seus livros para tentar assimilar o seu estilo. Não tenho dúvida de que a incapacidade de escrever precipitou o seu suicídio. O serviço secreto americano desconfiava de sua relação com o governo revolucionário cubano, mas nada ficou devidamente comprovado, exceto que tais perseguições não eram fruto de alguma mente doentia. Fidel encontrou-se com ele uma única vez, durante um concurso de pesca do marlim, vencido pelo escritor. Depois da revolução, sua casa foi confiscada e transformada num biblioteca pública.
Sobre o "Papa", reproduzo aqui um trecho de uma crônica do escritor alagoano, Graciliano Ramos, tratando deste assunto: "Tanto se repetiu o nome do velho presidente da academia com a afirmação de que ele influía demais na produção de hoje, que o homem se tornou odioso. Se um sujeito admitia a concordância e não trocava o lugar das palavras, o jornal diria: Bem. Isto e Machado de Assis. Se o camarada evitasse o chavão e não amarrava três adjetivos em cada substantivo, a explicação impunha-se. Muito seco, duro. Esqueleto. Machado de Assis. Faltavam num livro cinquenta páginas de paisagem? Claro. Esse homem aprendeu isso com Machado de Assis. É a história da casa sem quintal. E quando senhor Marques Rabelo publicou Oscarina. Contos? Machado de Assis. Não há outro."
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