José Luiz Gomes
Em
nossas crônicas, não raro, surgem referências à cidade de Paulista, localizada
na região metropolitana do Recife, onde nasci. Seria natural que assim o
fosse, sobretudo numa fase mais inicial, onde as fontes de inspiração dos candidatos a cronistas
estão recheadas de suas reminiscências de infância. Graciliano Ramos é natural
de Quebrangulo, mas foi prefeito de Palmeiras dos Índios por 02 anos. Dizem que
renunciou. Íntegro e republicano, não deve ter tido estômago para suportar ou pulmões para
respirar aquele ambiente tão profundamente comprometido de safadezas e
imoralidades. Não é para qualquer um não. Não sei se já informei isso aqui antes aos leitores, mas continuo lendo os livros de crônicas de Graciliano, de um tempo em
que ele escrevia para jornais alagoanos. Um outro interesse nesse trabalho,
como já observou o escritor Raimundo Carrero, é que o autor de Vidas Secas,
nessas crônicas, disseca um pouco sobre o ato de escrever, o que se constitui
numa boa aprendizagem para os calouros. De fato, sim, Carrero tem razão.
Graciliano nos brinda com boas dicas de escrita naquelas crônicas cotidianas. Na Maceió daqueles tempos - ainda descubro onde eles se reuniam - havia um círculo literário que reunia nomes de peso da literatura nacional, como Jorge Amado, José Lins do Rego, Raquel de Queiroz, além do Velho Graça. Numa prática recorrente entre escritores, não era incomum Graciliano revisar ou criticar os trabalhos dos colegas. E o Velho Graça não perdoava: o engajamento ideológico do Jorge Amado comprometeu o enredo de "Suor"; José Lins perdeu o "controle" dos seus personagens. Por vezes, um pouco de exagero: como uma mulher pode ter escrito O Quinze? Além do mais, ainda tão jovem!
Na
crônica de hoje ele fala sobre a cidade que governou por um período de 02 anos,
Palmeira dos Índios, localizada na Zona da Mata de Alagoas, nas terras de quilombos. Desta vez não vou aqui fazer comentários sobre a sua
gestão, mas sempre costumo enfatizar a nobreza de seu irredutível espírito
público. Embora tenha muita coisa a se destacar aqui, essa sua faceta de gestor
acaba sendo superada pela sua condição de um dos maiores escritores
brasileiros. Nesta crônica, o alagoano parece fazer coro com o antropólogo
Roberta DaMatta, quando se refere a importância do carnaval para o brasileiro.
O Brasil é um país essencialmente carnavalesco. Os defeitos e virtudes de um
país como o Brasil, de alguma forma, acabam se refletindo nas pequenas cidades
como Palmeira dos Índios. Não sei se ainda existe essa rua por aquela cidade,
mas, na época de Graciliano Ramos existia uma rua denominada Pernambuco Novo.
Curiosamente, uma rua de prostituição.
No
texto, o Velho Graça não sugere pistas que nos permitam compreender melhor a
situação. No Recife, por exemplo, existia uma Rua da Guia que era famosa pelos
pontos de prostituição, mas a isso ocorria circunstancialmente, em razão da
proximidade do Porto do Recife. No nome, em particular, nenhuma associação,
exceto, talvez, na cabeça dos boêmios do Recife. Ainda ontem, no trabalho,
conversava com um colega sobre a cidade de Abreu e Lima, aqui no Recife, uma
espécie de Sodoma em décadas passadas. Possivelmente a maior concentração de
prostíbulos por metro quadrado do Brasil. Curiosamente, antes que a ira de Deus
sugerisse jogar enxofre sobre os seus habitantes, a cidade, aos poucos se
transformou num reduto evangélico. Hoje, é a maior densidade evangélica da
América Latina. Noutros tempos, ainda curioso sobre o porquê dessa concentração
de evangélicos na cidade, descobri que nas décadas de 30/40 aqui em Pernambuco, na
vigência do Estado Novo, sob o comando do China Gordo, ou o sujeito era batizado, frequentava as
missas todos os domingos e se confessava ao padre ou estava literalmente
lascado. Evangélicos e praticantes de cultos de matriz africana eram
violentamente perseguidos. Sem possibilidade de pregarem o evangelho no Recife,
os crentes se refugiaram na antiga Maricota. A carne é fraca, irmão.
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