Lilian Milena
Acadêmico da USP e ex-prefeito defendeu tese onde afirmava que fracasso do neoliberalismo resultaria no fortalecimento da ultradireita
Foto: Colagem a partir de fotos do GGN/Lilian Milena e Movimento Brasil Livre/Victor Lupianez
Foto: Colagem a partir de fotos do GGN/Lilian Milena e Movimento Brasil Livre/Victor Lupianez
Jornal GGN - A ascensão de movimentos de extrema direita é um dos fenômenos recentes da história política que vem chamando a atenção de cientistas políticos no mundo inteiro, por se tratar de grupos que são fortemente nacionalistas e em oposição à entrada de imigrantes em seus países, contrariando as propostas igualitárias que não distingue a origem dos grupos sociais que podem ser beneficiados pelas políticas públicas.
A perspectiva de um levante da extrema direita já estava sendo prevista por analistas ainda na década de 1990, como uma das reações ao processo de globalização da crise financeira, que decorreria do fracasso da implantação do Estado de Bem Estar Social, uma das promessas não cumpridas do ciclo neoliberal, que começou nos anos 1980 com as eleições de Margareth Thatcher, na Inglaterra, e de Ronald Reagan, nos Estados Unidos. A avaliação é do professor do Departamento de Ciências Políticas da USP e ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, durante sua participação na segunda rodada do Ciclo Pensando a Democracia, a República e o Estado de Direito no Brasil, realizada em abril, em São Paulo.
O neoliberalismo atingiu seu auge nos anos 1990, se alastrando para as nações menos desenvolvidas, como o Brasil. Já naquela época, mais exatamente no final dos anos 1990, Haddad fazia parte dos analistas céticos à narrativa defendida pelos neoliberais, de que a expansão do capital, favorecida pela globalização, resultaria em um ciclo virtuoso de desenvolvimento começando pelos países mais ricos até alcançar as nações em desenvolvimento, que de fato foram beneficiadas entrando como fornecedoras de commodities.
"[Nós, céticos] dizíamos que a globalização financeira e da livre movimentação de capitais beneficiária fortemente o processo de acumulação, prejudicando o proletariado do núcleo duro do sistema, em algum momento, e possivelmente gerando uma crise financeira em função da desregulamentação total dos mercados financeiros globais", lembrou o professor.
E foi isso o que aconteceu julho em 2007, quando eclodiu a Crise do subprime nos Estados Unidos, e rapidamente se alastrou levando a falência do banco Lehman Brothers, em 2008, causando um efeito dominó sobre outras instituições financeiras e dando início a Grande Recessão mundial.
Ainda no final dos anos 1990, Haddad defendeu dois prognósticos que se formariam cerca de duas décadas depois, e uma delas foi justamente o levante de grupos reacionários.
"O primeiro [prognóstico] foi que a reação à globalização viria, mais cedo ou mais tarde, na forma de movimentos reacionários, como o que estamos verificando hoje". Segundo Haddad, isso ocorreria porque forças políticas "obscurantistas" iriam se aproveitar da decepção sofrida pelo "velho proletario tradicional", nos países desenvolvidos, em consequência da crise econômica, resgatando conceitos reverberados por partidos historicamente fascistas como "nacionalismo" e "intolerância aos fluxos migratórios" e, por conta da globalização, esse fenômeno se espalharia entre os países da periferia do desenvolvimento.
Assim, Haddad propõe que a raiz da crise financeira mundial de 2008 foi a desregulamentação financeira. "Ela minou as bases para a atuação do estado nacional com políticas keynesianas clássicas", que colocam o Estado como agente indispensável no controle da economia.
Essas análises explicam o recrudescimento hoje do discurso extremista representado por políticos como Donald Trump, nos Estados Unidos, Marine Le Pen na França e reações ultranacionalistas, como o Brexit (a saída do Reino Unido da União Europeia) e também o fim do ciclo de desenvolvimento baseado nas commodities, que beneficiou países como Brasil, China, Rússia e África do Sul. "O fim do ciclo das commodities foi só uma consequência da crise financeira que se estabeleceu em escala global, não tendo nada a ver com oferta e demanda", completou.
No Brasil
O ex-prefeito de São Paulo também ponderou que, quando a crise política no Brasil estourou, resultando no golpe parlamentar que tirou Dilma Rousseff do poder, com a aprovação popular, o "caldo cultural" da insatisfação já estava pronto.
"Já existiam setores da sociedade muito ressentidos com o que tinha acontecido no boom econômico", destacando que a classe média vinha apresentando insatisfação desde 2006, na reeleição de Lula, em consequências das políticas redistributivas que resultaram no enriquecimento ainda maior dos mais ricos e na inclusão dos mais pobres no mercado de consumo.
"A classe média não empobreceu do ponto de vista absoluto, mas do ponto de vista relativo viu sua posição ser prejudicada por uma onda de expansão que foi sim combinada com políticas distributivas", disse Haddad.
O quadro de insatisfação pirou no primeiro mandato de Dilma, quando o Produto Interno Bruto começou a se estabilizar, saindo da rota de expansão vista no período Lula. No segundo mandato, Dilma não consegue manter os empregos e o quadro muda para o início de uma fase de recessão.
"O mal-estar, portanto, mudou de patamar. Porque, se tinha um mal-estar na prosperidade, imagine vocês o que que é esse mal-estar já com estagnação? Só que aí vem um terceiro capítulo que é o mal-estar com recessão, e essa recessão vem em função de uma mudança de postura completa do governo Dilma, depois da reeleição", lembrou Haddad.
No início do segundo mandato, a ex-residente deu uma guinada na trajetória dos governos petistas, implantando políticas econômicas conservadoras a contragosto do perfil do seu eleitorado. Ainda assim, para o ex-prefeito de São Paulo, nada disso justificaria um impeachment, lembrando que Fernando Henrique Cardoso também alterou significativamente suas políticas no segundo mandato, elevando o valor do Dólar em relação ao Real de 1 para quase 4 Reais, e ainda provocando uma grande crise energética.
"Nem por isso aprovou-se o impeachment do presidente Fernando Henrique. Até se discutiu isso publicamente, mas não teve nem um meio de comunicação que tenha defendido".
Por isso, como os outros cientistas políticos que participaram da palestra, André Singer e Leonardo Avritzer, Haddad avaliou que o país vive um momento de tensão que coloca em risco a democracia e o conceito de república, entendendo que a crise enfrentada hoje no país, é “uma sobreposição de crises”, que poderá gerar consequências ainda mais graves do que a derrubada de uma presidente democraticamente eleita para colocar no lugar um grupo político que pôs em andamento uma série de reformas que desmontam direitos previstos na Constituição Federal.
"Esses dois anos, desde o afastamento [de Dilma], já é um período excepcional, porque as reformas que estão sendo feitas não passaram pelas urnas, não passaram pelo escrutínio da população. Ao contrário, a população é manifestamente contra essas reformas", concluiu.
Leia também:
‘Perdemos capacidade de gerar previsão do sistema político’, afirma Avritzer
(Publicado originalmente no Jornal GGN, de Luis Nassif
(Publicado originalmente no Jornal GGN, de Luis Nassif
A série de palestras do Ciclo Pensando a Democracia, a República e o Estado de Direito no Brasil continuará nos próximos meses em encontros alternados que vão acontecer em Belo Horizonte, todas as primeiras segundas-feiras do mês, no auditório do BDMG, e em São Paulo nas últimas segundas-feiras do mês, no Teatro Aliança Francesa, com transmissão ao vivo do Jornal GGN dos encontros que ocorrerão na capital paulista. Clique aqui para mais informações.
Nenhum comentário:
Postar um comentário