Mano Brown em 2014 (Foto: Daryan elles/Divulgação)
“Em um lugar como este, a Vila Madalena, alguém como eu pode ser confundido, simples assim. Pode tomar um tiro a qualquer momento. Sabia disso?”, começou, provocativo, o líder dos racionais MC’s, cuja arte sempre esteve ligada à realidade da periferia, especialmente à do Capão Redondo, em São Paulo, onde vive até hoje.
De óculos espelhados, boné de aba reta e um colar com pingente em forma do continente africano, ele afirmou, categórico, que quando se trata de racismo, “vitimismo não existe”: “Existe, sim, um plano de matar pretos. O Brasil é uma máquina de matar pretos faz tempo”.
Brown refere-se ao número assustadoramente alto de mortes violentas de negros, principalmente jovens, no Brasil: segundo o Atlas da Violência (2017), a cada 100 pessoas assassinadas no país, 71 são negras – ser negro, ainda de acordo com o Atlas, mais que dobra a probabilidade de ser assassinado. Além disso, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada(Ipea), enquanto a mortalidade de mulheres brancas caiu 7,4% entre 2005 e 2015, o homicídio de mulheres negras subiu 22% no mesmo período.
“O povo acha que o pobre tá acostumado com a violência, que pobre mata um ao outro. Mas não é assim”, rebate Brown. Para ele, a questão é ainda mais ampla, profunda e cultural: tem a ver com a fixação histórica do negro em um lugar de vítima, já que “não se ensina nada sobre heróis negros brasileiros”: “Quando [o sistema] tira nossa vontade de viver, nossa energia de resistir, a vontade e a possibilidade de fazer planos, aí, já era”.
Lugar de fala e apropriação cultural
Questionado sobre o lugar do branco dentro da luta antirracista, Brown afirmou que, por ser filho de “preto com branco” e por ter pele clara, ele mesmo já foi “colocado à força dos dois lados”: “Quando me querem por baixo, me colocam como negro; quando me querem por cima, me consideram branco”, criticou.
Por isso, sem defender a existência de uma “democracia racial” no Brasil, Brown disse que não vê problemas no apoio de brancos à luta contra o racismo – até porque, em suas palavras, “separar por cor é coisa de branco, não de negro”.
“Existe uma tendência de todo mundo achar que só a vítima pode reclamar. Que, por exemplo, em briga de marido e mulher não se mete a colher. Mas se você não faz nada, então você é conivente. O branco omisso também é racista porque aceita que o racismo exista”, defendeu. E questionou: “Por que um branco não poderia protestar contra o racismo?”.
Por outro lado, Brown alertou que, em um país historicamente racista como o Brasil, é preciso estar sempre alerta para fortalecer a luta contra a discriminação de forma verdadeira, e não leviana.
A apropriação cultural foi um dos exemplos dados pelo rapper: “O turbante pode parecer besta, mas é um símbolo de tudo o que os brancos nos tomaram. Quando um branco usa turbante, não seria problema se a troca [cultural] não fosse tão injusta. Então, você vai ver gente negra reclamando. E tem que reclamar mesmo. Enquanto o preto reclamar, ele vive”.
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(Publicado originalmente no site da Revista Cult)
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