Segundo Aristóteles, a
classe média é a salvação da democracia. Para ele, ela atenuava a desigualdade
social. Quando maior fosse, impedia que uma pequena minoria fosse muito rica; e
a grande maioria pobre. Ou seja, quando mais extensa ela fosse, mais o risco de
um desequilíbrio social seria evitado. Este sábio pensamento do estarigita
poderia ter evitado a corrupção da democracia ateniense e o advento dos
demagogos e tiranos na ágora de
Atenas. Infelizmente, não foi o que aconteceu. Caiu a democracia, Atenas
tornou-se imperialista e foi derrotada por Esparta.
No resto do mundo, quando se fala em “classe média” é o terceiro Estado,
o povo e a burguesia, ou num estrato da população que é conhecido como
trabalhadores de “colarinho branco”, para se diferenciar do marrom dos macacões
dos operários da indústria. Nos EE.UUs. onde se tem notícia da maior classe
média do planeta, esta classe costuma ser a âncora do capitalismo (e da
economia de mercado) e da democracia americana. Para onde for a classe, vai o
regime político dos “Yanques”, que se gabam de ter um regime político estável
em razão da força de sua classe média, enquanto consumidora e eleitora.
No Brasil, entretanto, as coisas são muito diferentes. A única vez que
esses setores tiveram a veleidade de se revoltarem contra o regime, exigindo
mais participação na economia e na política, foi na Velha República, com o
“Tenentismo”. De lá para cá, o aparelho de Estado cresceu tanto que absorveu o
protesto da classe média, dando a cada um de seus membros um emprego público ou
cargo. Por isso, que há aqueles que definem a Revolução de 1930 como uma
revolução dos setores médios (Hélio Jaguaribe, Virgílio Santa Rosa).
O drama da classe média no Brasil começa pela sua classificação sociológica: “classe média” ou “Classes
médias”. “classe” ou “categoria social”. Setores médios? “Classe média baixa”,
“classe média média”, “classe média
alta”? Uma nova “classe média” criada no governo petista? – Afinal, como
conceituar esse extrato da população brasileira? – (nesse aspecto, as teses de
Décio Soares procurou trazer uma contribuição ao debate do estatuto teórico da
classe média).
Mas há uma constatação inevitável, de 1964 em diante essas “classes”
passaram a ter um comportamento político conservador, de direita; servindo
muitas vezes de mera massa de manobra de regimes autoritários: quem não se
lembra das passeatas com Padre Peyton, com Deus, pela família e pela liberdade?
Ou do Integralismo? Ou da TFP? – Inegavelmente, as manifestações políticas das
“classes médias” no Brasil têm sido conservadoras, a favor da ordem (ou do que
entendem por ordem). A razão disso está em que esses setores são atravessados
por uma forte ambiguidade: não são aceitos pelo andar de cima da sociedade,
embora os invejem e desejem conquistar o seu “status”, e nem querem se parecer
com os do andar de baixo, temem o fantasma da “proletarização”. Cada vez que há
uma movimentação social no andar de baixo,
“as classes médias” reagem de forma conspirativa, apoiando partidos,
discursos e movimentos de direita e de extrema-direita. Pensam ingenuamente que
apoiando a espada ou a cruz, estarão protegidas da “proletarização”. Não sabem
que a sua função política é ser mera “bucha de canhão”, para a defesa dos
privilégios dos mais ricos e das grandes empresas. Fazem o trabalho sujo para
os outros, e no final não ganham nada.
Esse modelo foi estudado por Marx, no “Dezoito Brumário de Luiz
Bonaparte”. Só que no caso da França, o papel de “classe-apoio” para os
aventureiros e candidatos a ditadores foi desempenhado pelos “camponeses”,
iludidos com a saga da família Bonaparte. Apoiaram a eleição de um aventureiro,
que se tornou imperador da França, que
no frigir dos ovos foi fazer a política
das finanças e da alta burguesia francesa. E os camponeses, continuaram
endividados.
Esse modelo de análise de aplica como uma luva ao caso brasileiro. Aqui, a chamada “classe-apoio” é a classe
média. Que, depois da revolução de 1930, viu aparecer um novo ator político: a
classe operária e seus partidos, cortejada pelos políticos urbanos. A classe
média ficou de escanteio. Com inveja dos ricos e com ódio dos pobres. Seu
imaginário é o “American way life”: mandar os filhos para
a Disneylândia, fazer compras na Flórida e tirar fotos no Central Park.
Coitados! Tem vergonha de ser brasileiros, mas não de trazerem “muambas” dos
EE.UUs. ou emigrar para lá, para limpar latrinas e tapetes de americanos gordos
e mal-educados. É essa classe – já denominada de “vaqueira”, por um filósofo –
que confunde o acesso a bens de consumo duráveis com cidadania. Mas não passa
de um “Brucutu” urbano, sem educação, civilidade, noção de direitos etc.
Comporta-se como “vaca de presépio” nas manifestações de rua contra a
democracia, sem se dar conta da manipulação política que sofrem dos meios de
comunicação de massas.
O
Brasil não está só caminhando para Cristo, como dizem os evangélicos
neopentecostais, está avançando a passos largos para o fascismo verde-amarelo,
condimentado pelos preconceitos de classe, de gênero, de orientação sexual.
Precisamos reagir diante dessa catástrofe que ameaça desabar sobre as
nossas vidas.
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE
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