pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
Powered By Blogger

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Eduardo Galeano, o caçador de vozes.

Eduardo Galeano, o caçador de vozes

outubro 19, 2011 23:25
O escritor uruguaio Eduardo Galeano fala do destino dos países latino-americanos, faz a defesa dos ideais de esquerda e decreta: o único pecado que não deve ser cometido é o pecado contra a esperança
Por Glauco Faria e Nicolau Soares
O ano é 1996. O escritor uruguaio Eduardo Galeano estava em um encontro em Chiapas, México, com integrantes do movimento zapatista, entre os quais o próprio subcomandante Marcos. Em meio a conversas e debates, algo o perturbava. Aquele não era um dia qualquer.
No entanto, o que tirava o sossego de Galeano não eram os focos de tensão entre os rebeldes e o governo, nem algum acontecimento no cenário político internacional, mas uma partida de futebol. Tratava-se da final do torneio de futebol masculino nas Olimpíadas de Atlanta entre as seleções de Argentina e Nigéria.
Como assistir o jogo em meio à extensa programação do dia? Em um intervalo entre uma reunião e outra, o uruguaio não se conteve. Fingiu ir ao banheiro e saiu escondido para o hotel onde estava hospedado. Quando voltou, perguntaram-lhe: “Eduardo, onde estavas?”. Disfarçou e deu uma desculpa qualquer. “Nunca tive coragem de admitir que fugi para ver o jogo.”
O futebol é tema recorrente de comparações e de histórias de Galeano, que fez essa confidência à Fórum em meio à sua participação no I Festival Latino-Americano de Música Camponesa, realizado em Curitiba em novembro do ano passado. Na ocasião, o escritor falou a milhares de integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, o MST.
O uruguaio, que conseguiu tocar milhões de leitores com o clássico As Veias Abertas da América Latina, seduz os espectadores que acompanham suas palestras. Com um português impecável e uma serenidade inabalável, recorre a histórias e parábolas para ilustrar suas contundentes críticas ao modelo neoliberal e aos rumos da esquerda e dos países do continente latino-americano. Mas em cada trecho de sua fala faz questão de deixar uma palavra de esperança e reafirmação de valores caros aos movimentos progressistas. Durante sua estada no evento, Fórum acompanhou os passos do escritor e traz abaixo os principais trechos de sua entrevista exclusiva, assim como da palestra que realizou no evento. Apesar de ser sábado e ter jogo do Brasileiro na televisão, dessa vez, Galeano não escapou.
Ser de esquerda
É difícil fazer um catálogo dos ideais de esquerda. Eu diria que são os mais ligados às idéias da liberdade, da comunhão com a natureza, da preservação da vida, não só humana, mas da vida do planeta, que é nossa casa. E é a certeza de que fazemos parte de um arco-íris de diversas cores e que o racismo está nos deixando cegos para essa maravilha que é a diversidade humana e da vida no mundo. Porque o melhor do mundo é a quantidade de mundos que ele contém. Essas seriam algumas coisas básicas.
Ocorre hoje a ressurreição dos laços solidários, não digo mortos, mas muito feridos, quebrados, a partir da imposição de uma escala de valores fundada na salvação pessoal, na idéia de que o outro é um competidor e um inimigo, não um companheiro. Que é uma ameaça e não uma promessa. Acredito, como um homem de esquerda, que alguém sempre  tem alguma coisa para dizer que valha a pena escutar. Os trinta e poucos anos transcorridos desde que escrevi As Veias Abertas da América Latina indicam que alguns desses valores já não têm a força que antes tinham. Por exemplo, nos anos 70, ninguém discutia que a pobreza era filha da injustiça. Era a esquerda quem denunciava, mas ninguém discutia. O centro aprovava e a direita não discutia, calava a boca. Agora, é uma minoria que continua acreditando nisso. Para a maioria dos opinion makers, os fabricantes de opinião do mundo, a pobreza é o castigo que a ineficiência merece. Isso é uma mudança de valores radical.
Boas notícias
É muito difícil perceber que projetos e idéias são interessantes, mas eles existem. Há casos como o plebiscito da água, que me parece uma coisa digna de contágio, merece ser imitada por outros países. Mas não tenho muita esperança, porque o Uruguai já fez um outro plebiscito em 1992 sobre a privatização das empresas públicas em que 72% da população votaram contra e ninguém imitou isso, que é um exercício de democracia elementar. Quando você está tomando uma medida que vai afetar o destino de várias gerações, como é a privatização dos recursos essenciais de um país, é necessário consultar à população.
Mas além dessas coisas, que são muito concretas, palpáveis, é difícil fazer uma lista das boas notícias. Mas elas existem o tempo todo, às vezes em uma escala local que não tem a menor repercussão, mas que é verdadeira.
Efeito Lewinsky
O governador Requião, em um almoço, me dizia que nenhum jornal brasileiro publicou nenhuma linha sobre o plebiscito da água que ocorreu no Uruguai. E foi um fato muito importante, não por ter acontecido no meu país, não vou fazer patriotadas bobas, mas porque foi o  primeiro país a fazer uma consulta pública sobre o uso de um recurso natural perecível como é a água. Foram 65% dos uruguaios a favor de uma emenda constitucional que garante que a água continuará sendo  propriedade pública e não um negócio privado. Isso não apareceu nos jornais, não era notícia.
Há um controle mundial nos meios de comunicação que já é hora de ser quebrado. Uso como exemplo o ano de  1998, quando o mundo ficou condenado a ler, escutar e assistir, dia  após dia, às notícias do romance entre o presidente do planeta e aquela gordinha voraz, Monica Lewinsky. Você tomava café da manhã com ela, almoçava com ela, jantava com ela… Um ano inteiro. Um dia,  estava na Europa e abri um jornal que era pura Monica Lewinsky. E aí, perdida, havia uma notícia, na última coluna da página sete, dizendo que as três organizações ecológicas mais importantes do mundo haviam se juntado em Londres para divulgar um relatório seriíssimo que revelava que, em meio século, o mundo tinha perdido um terço de seus recursos naturais. Isso não teve a menor importância. Um terço dos  recursos é fácil de dizer, mas se você pensa na dimensão desse crime gigantesco… O mundo tinha perdido em cinqüenta anos um terço de seus recursos e não tinha espaço para isso no jornal, porque estavam  ocupados com a outra história.
O processo do Fórum
Percebo uma multiplicação da energia criativa na sociedade civil da América Latina a partir do primeiro FSM, um maior dinamismo. Existe uma contradição entre o tempo da história e o tempo da vida dos homens. Cada pessoa quer ver os resultados das coisas, o que é compreensível,  um desejo humano. Mas a história é uma senhora que caminha devagar. É preciso ter paciência. O resultado dessa articulação de vozes não aparece em um ou nem mesmo em dez anos. Estão despertando  energias que pareciam estar dormindo ou até mortas.
Essa articulação  é lenta, mas imprescindível para o futuro dos movimentos sociais. Na  solidão, estamos mortos. A esquerda está tentando um caminho novo,  novas experiências políticas. Essas novidades aparecem em todos os  setores, não só nas eleições. É interessante ver que (Hugo) Chávez, demonizadíssimo  por toda a grande mídia, ganha nove eleições limpas. Estamos falando de um tirano muito especial que ganhou nove eleições – todas mais transparentes que as dos EUA. No Uruguai, a esquerda ganhou, mostrando que o trabalho rende frutos, não é só água jogada no  mar. Foi um trabalho iniciado em 1971, casa por casa.
O FSM e os pequenos
Com o passar do tempo, valorizo cada vez mais as pequenas escalas,  as pequenas dimensões e desconfio cada vez mais da espetacularização das grandes notícias. Eu digo isso para revelar a grandeza  escondida nas coisas pequenas e denunciar a mesquinharia das  coisas grandes. O Fórum Social Mundial tem essa característica do espetáculo, mas é diferente, porque é nascido da insólita e jamais vista tentativa de juntar todas essas pequenas forças desconhecidas  que existiam espalhadas. Ele tem sido um grande passo adiante na direção correta de juntar os dispersos, re-vincular os desvinculados,  de salvar-nos da solidão. Nesse sentido, acho que o mundo tem avançado  muito, de uma maneira silenciosa, não estrepitosa, mas certa. E que não corresponde exigir resultados imediatos, pois são processos muito longos, complexos, que caminham devagar e crescem desde o  pé, como pedia o cantor uruguaio e meu amigo muito querido Alfredo
Zitarosa, porque senão as coisas não duram.
O Fórum abriu um grande espaço de encontro e essa é sua importância, ter conseguido  que os dedos ganhassem consciência de que fora da mão não servem para nada. A ida para a Índia parece ter sido uma experiência positiva, pois abriu toda uma metade do mundo que estava meio em sombra, não aparecia muito, e permitiu a expressão de forças que estavam latentes. Mas não sei o que acontecerá. Em geral, não sou  um bom profeta. Sobretudo no que mais me interessa na vida, que é o futebol (risos).
500 Anos de Solidão
A América Latina é uma região do planeta dentro da qual existem energias de mudança muito lindas e também energias do sistema colonial que vêm se perpetuando já há mais de cinco séculos e que são  muito poderosas. Eles têm um poder econômico e cultural imenso e boa parte do poder político. São essas as forças que estão nos treinando desde sempre para a certeza de nossa impotência. Para a certeza de  que a realidade é intocável, de que o que é, é porque foi e continuará sendo. De que amanhã é outro nome de hoje. Isso é um fatalismo herdado e tem muito tempo de vida: cinco séculos. Não é fácil lutar contra isso. Vamos inventar a vida, vamos imaginar o futuro. Vamos cometer a loucura de acreditar que essa terra pode ser outra. De que essa região nossa não está condenada pelos deuses nem pelos diabos à pena perpétua de solidão e desgraça. Mas isso não é fácil.
Elogio ou acusação
Como sempre, há essa tensão criativa entre as forças da inércia dos sistemas tradicionais e as forças novas que surgem. O problema é que às vezes as forças novas adotam os valores das que combatem sem perceber. Por exemplo, toda uma escala de valores que acredita no sucesso como uma fonte de valor. Então, essas forças de mudança começam uma corrida louca para parecer com seu inimigo, para fazer a coisa de tal maneira que seu inimigo lhe aplauda. Às vezes me dizem: “você é muito bom”. Mas eu procuro ver quem é que está falando, porque, dependendo, pode ser uma acusação gravíssima.
O pecado contra a esperança
A vitória da esquerda nas eleições uruguaias foi, para nós, um acontecimento incrível. Parece milagre. A esquerda obteve a metade mais um dos votos contra um monopólio compartilhado de dois partidos  tradicionais que exerciam o poder desde a fundação dos tempos, desde Adão e Eva ou antes. Parece milagre, mas não é. É o resultado de um trabalho paciente, feito dia após dia, porta por porta, consciência após
consciência. A vitória da Frente Ampla foi crescendo desde o pé. E foi celebrada numa noite inesquecível. Aquele domingo foi absolutamente inesquecível. Eu nunca tinha visto, sentido, vivido tanta alegria no meu país. Foi uma ressurreição da alegria, que parecia morta, mas estava apenas dormindo. Lá pelas quatro da manhã, o povo nas ruas, aquela explosão incessante das melhores coisas, um amigo me comentou: “Quero que essa noite não acabe nunca”.
E essa frase, que é lindíssima, não se refere só à noite da celebração, mas também a tudo que aquela noite estava encarnando, simbolizando. O que ele queria dizer verdadeiramente, mesmo sem saber, era: “Eu quero que essa alegria, essa esperança, não seja jamais traída”. Porque tinha razão o meu mestre Carlo Quijano quando, há muitos anos, comecei a fazer jornalismo ainda quase criança com ele, no semanário Marte. Ele me dizia: “Qualquer um que lhe olhe nos olhos já vê claramente sua vocação de pecado. Você é um pecador de nascença e eu não tenho nada contra. Peque sim. Mas tem um pecado que não tem redenção, que não merece perdão. É o pecado contra a esperança”. Essa é a imensa responsabilidade da esquerda em meu país. Não trair nunca essa boa energia de vida que foi vitoriosa nas eleições.
Uruguai hipotecado
O governo da Frente Ampla, que está nascendo agora, é o resultado do desenvolvimento de um movimento popular que jamais falou que iria ganhar o governo para fazer o socialismo. Seria irreal prometer isso. O que se prometeu foram coisas mais moderadas, modestas, que são as mais ou menos realizáveis, que eu espero que sejam realizáveis em um país quebrado, desesperançado como é o Uruguai. A primeira  prioridade é lutar contra a pobreza. A segunda, resgatar os filhos perdidos de um país que perdeu a população jovem, condenada ao exílio econômico, expulsa pelo sistema de poder. E a terceira, vinculada com as outras duas, é buscar um desenvolvimento econômico que não contradiga a soberania nacional sobre os recursos básicos e que permita a criação de fontes de emprego. O problema do Uruguai é que o país foi convertido pela estrutura dominante em um banco. O banco quebrou e assim estamos. A esquerda recebe um país hipotecado, com  compromissos de dívida externa terríveis, pesadíssimos. Esse é o drama latino-americano em geral, é uma soberania condicionada. Você é independente até um certo ponto. Porque depois, quem decide são os credores. É o resultado de viver em um estado de dívida perpétua, pagando para se endividar mais e mais.
Lula
Não pretendo explicar para o brasileiro como são as coisas aqui. Não sou de vender gelo a esquimós. Estou aqui aprendendo, perguntando. No caso do governo Lula, há uma distância entre as expectativas e a realidade. É um problema da esquerda no mundo, a perda de identidade. Ela passa a não se diferenciar do que combate. Em nome do realismo, se sacrificam alguns princípios fundamentais do movimento  socialista, ou como queira chamá-lo, já que teve muitos nomes. Lembro de ver, quando era jovem, um filme dos irmãos Marx. Groucho estava conduzindo um trem e não havia mais lenha. Então, ele começou a destruir os vagões com um machado, para alimentar a caldeira. Ele conseguiu chegar até a estação, mas apenas com a locomotiva. Chegou um trem sem trem. Esse é o perigo que corre a esquerda. Não é inevitável, mas é um perigo.
Projeção internacional do Brasil
O que eu resgataria do governo de Lula é a projeção internacional, essa vontade de fazer uma frente unida dos países que vivem situações semelhantes, que têm problemas semelhantes e um destino comum a conquistar. Que têm essa urgência imediata da restauração da dignidade ferida na negociação financeira, comercial e cultural. Sem essa união, não tem possibilidade. Nenhum país tem. O Brasil pode achar que tem, pela sua dimensão imensa. Mas a situação é a mesma. Por maior que o Brasil seja, não tem a possibilidade de se salvar na solidão. Já está na hora do sul do mundo recuperar aquela energia perdida dos velhos tempos, há 40, 50 anos, quando se faziam aquelas conferências do Terceiro Mundo, que era um mundo independente dos dois blocos, capitalista e comunista. Era a emergência de uma terceira possibilidade e chegou a ter muita força, mas depois se perdeu na névoa do tempo. E também os organismos que existiam
para defender o preço dos produtos básicos, que morreram todos, exceto a OPEP. Já é hora de acabar com a impunidade dos poderosos nos grandes mercados, financeiros e comerciais, e no panorama cultural mundial  também. Eles são os donos de nossos sonhos, de nossas opiniões, das informações que recebemos ou não, de acordo com a vontade de quem manda. Já é hora de recuperar isso tudo.
União é a chave
Para poder fazer frente a essa negação da esperança, é preciso concretizar uma política conjunta do Uruguai com o Brasil e a Argentina. Aí está a chave de tudo. Cito esses dois porque, no caso do Uruguai, são os vizinhos mais diretos, mas deveria envolver toda a área do cone sul. Fazer uma política conjunta do Mercosul ampliado, como for possível. A idéia de que você pode se salvar sozinho não tem mais nenhuma relação com a realidade dos dias de hoje. Sozinhos, estamos fritos. A solidão nos condena ao fracasso.
Os EUA e o medo
A propósito das outras eleições, que aconteceram dois dias depois das nossas, em um outro país, um pouco maior que o Uruguai, e que ocupa um pouco mais de espaço na mídia universal, elas consagraram o presidente do planeta, senhor George W. Bush. Na eleição do Uruguai, que não teve nenhuma repercussão neste mundo que confunde a grandeza com o tamanho grande dos países e das pessoas, foi uma vitória contra o medo. Na campanha política, a direita tentou aterrorizar a população dizendo que a Frente Ampla era uma conjunção de forças dirigida por tupamaros, seqüestradores, estupradores, ladrões e assassinos. Eu vi pela televisão o discurso final do vice-presidente do partido Colorado, que é o partido do governo atual. Ele lançou uma terrível advertência: se a esquerda ganhar, todos os uruguaios seriam obrigados a se vestir iguaizinhos, como os chineses na época do Mao.
Sobre o plebiscito das águas, também uma campanha  de terror, anunciando o pior. Águas envenenadas, sujeira, cheiro fétido, o fim dos esgotos, um panorama terrível, apocalíptico. E o pessoal não deu bola, a população votou contra o medo. Acho que nas eleições dos EUA o medo ganhou. Uns dias antes das eleições, as pesquisas apontavam uma preocupante paridade entre Bush e Kerry. E aí, apareceu, não sei como, deve ser a divina providência, esse personagem que parece tirado  do carnaval uruguaio, com aquela barba longa, que responde pelo nome de Bin Laden. Ele aparece para assustar o mundo anunciando que vai comer todos os nenês crus, que vai fazer todos os desastres. Dois apocalipses, três apocalipses, quinze mil torres de Nova York. Magnificamente, Bush subiu quatro pontos em um dia só nas pesquisas de opinião graças à ajuda proporcionada por esse que me parece um chefe de boy-scout (escoteiro). O lema do boy-scout é always ready, ou sempre alerta. Ele está sempre pronto. Acode cada vez que o sistema do medo necessita do grande assustador, esse alto funcionário da ditadura universal do medo.
O medo é importantíssimo não só porque pode eleger um presidente, como aconteceu aí com essa extorsão contínua, essa histeria do terrorismo que avança, das forças do mal, o Diabo que está aí perto, cheirando a enxofre, com chifre e rabo. Mas também para o poder militar. Que seria desta estrutura militar que hoje manda no mundo, dos 2,5 bilhões de dólares que são a cada dia destinados à indústria da morte, às despesas militares, sem o medo? Se não houvesse pessoas ou máquinas, como fabricar os demônios para justificar a existência da estrutura militar? E a mesma coisa em relação à mídia. O medo vende muito bem.
Tecelão
Meu último livro se chama Bocas do Tempo e são textos curtos, num estilo levemente parecido com o do Livro dos Abraços. São 333 histórias, mas isso não foi deliberado, foi o número que encontrei quando fiz o índice. É um número bom, dá sorte. Mas uma quantidade imensa de histórias ficou fora, porque quem escreve, tece. A palavra texto vem do latim textum, que significa tecido. Ou seja, quem escreve está tecendo, é um trabalho têxtil. Você trabalha com fios e cores, que são as palavras, as frases, os relatos. Eles vão se encontrando e há alguns fios que são lindíssimos, mas que não coincidem, não combinam. Então, com dor na alma, ficam de fora.
Foram oito anos de trabalho para esse livro, umas histórias simples, mas que de simples não tem nada. Quanto maior é a sensação que o leitor percebe de transparência, mais complicado é o trabalho que essa aparente simplicidade contém. Para mim, escrever é uma força enorme. E me dá uma alegria imensa também. No fim, quando consigo sentir que essas palavras são bastante parecidas com o desejo de dizer, fico com a certeza de que a condição para não ser mudo é não ser surdo. Ou seja, só é capaz de dizer quem é capaz de escutar. Sou um caçador de vozes e histórias. É a realidade que me conta as coisas que acho que vale a pena que sejam contagiadas.
Abraçado aos vencidos
Não sou um homem que tem ídolos, não idolatro ninguém. O mais próximo que tenho de um ídolo é um jogador de futebol, um cara que me acompanha quando escrevo, já que tenho um pôster dele no meu  escritório. Era um inimigo, pois jogou no Peñarol e sou torcedor do Nacional. Fui conquistado por ele, pelo que fazia e por sua personalidade.
Seu nome era Obdulio Varela e foi o herói de um episódio que os brasileiros chamam, com certo exagero, de “nosso Hiroshima”, a final da Copa de 50, quando o Uruguai ganhou, contra todas as possibilidades, do Brasil. Após a partida, os jogadores foram festejar essa impossibilidade. Mas ele fugiu do hotel e foi beber em um boteco do Rio.
Ele me disse que o que havia nas arquibancadas era uma besta, um monstro de 200 mil cabeças. “Eu os odiava”, contou. Depois, tomou uma, duas, três cervejas e via as pessoas, uma a uma, tristes, chorando. E pensou: “Como eu fiz isso com essa gente tão boa?”. E todos atribuíam a vitória a ele, “foi o Obdulio”, diziam. Por isso o admiro, ele não se acusou, não comemorou e passou a noite inteira abraçado aos vencidos.

(Publicado originalmente na Revista Fórum)


domingo, 12 de abril de 2015

Elvino Bohn Gass: Quem são, afinal, os verdadeiros ratos da política brasileira?


publicado em 11 de abril de 2015 às 11:56
ratosFoto: Luís Macedo/Agência Câmara
Ratos
Elvino Bohn Gass, via assessoria de imprensa da Liderança do PT na Câmara dos Deputados
Antes de Lula e Dilma, o Brasil era um país que não investia em infraestrutura. Deu no que deu: enormes complexos metropolitanos onde se amontoavam pessoas desempregadas, vivendo em casebres insalubres e submetidas ao fétido odor dos esgotos a céu aberto. A responsabilidade por isso é da política. Melhor dizendo, da ausência histórica de políticas que só passaram a enfrentar, de fato, esses males há uns poucos anos.
E não adianta espernear porque os números provam e o mundo já reconheceu: foi só depois de Lula e de Dilma que as populações periféricas passaram a ser alvo de políticas públicas de recuperação da dignidade desses milhões de excluídos. Antes, esses homens e essas mulheres não só conviviam com os ratos, como do ponto de vista governamental, eram tratados como tal.
Ratos… Esta semana, alguns oposicionistas aos governos do PT soltaram alguns deles antes do depoimento de um membro da direção petista na Câmara dos Deputados. Foi uma tentativa torpe e extremamente agressiva de associar a imagem suja dos bichinhos aos membros do partido.
Então, mais do que repudiar a exposição dos animais ao risco de serem pisoteados (como foram), valho-me da mal sucedida analogia oposicionista para perguntar: quem são, afinal, os ratos da política brasileira? Os que garantem níveis de emprego nunca antes alcançados, ou os que aprovam um projeto como o da terceirização que rói conquistas que estão sendo consolidadas há 70 anos? Os que garantem casa própria para milhões de brasileiros que nunca a tiveram, ou os que quando governaram roeram o Banco Nacional de Habitação jogando-o em transações escabrosas e não construíram uma moradia sequer?
Os que permitiram que o filho da faxineira chegasse à universidade, ou os que carcomeram o futuro dos jovens proibindo a abertura de novos cursos técnicos? Os que retiraram 30 milhões de pessoas da miséria, ou os que devoraram as nossas reservas quebrando o país três vezes?
Não, senhores oposicionistas, os ratos da política não somos nós, são vocês! Vocês que impedem a reforma política porque sempre foram sustentados pelo poder econômico. Vocês que entregaram o patrimônio público a preço de banana para os seus amigos ricaços. Os roedores históricos do dinheiro e dos valores desse país são vocês, que sustentaram a ditadura, que torturaram e mataram pessoas, que trocaram de partidos mil vezes, que impediram que a corrupção fosse investigada, que mantiveram preconceitos raciais, de classe e de gênero.
Vocês, que devastaram as nossas riquezas naturais, que poluíram as nossas águas e que aniquilaram nossas populações indígenas e quilombolas. Vocês, que sempre andaram por túneis subterrâneos da política, que se comportaram furtivamente como se não fossem responsáveis pela gigantesca diferença social deste país. Vocês, que politicamente, sempre agiram como ratos.
É por isso que quando nos deparamos com cenas como a dos ratos soltos na Câmara, ou quando assistimos os senhores marchando sem constrangimento ao lado de quem pede a volta dos coturnos covardes, nós não nos surpreendemos. Porque sabemos com quem estamos lidando. Estamos lidando é com as suas longas caudas, Longas como a dos ratos. E o pavor, a gente também sabe, é porque Dilma armou a ratoeira.
Elvino Bohn Gass é deputado Federal (PT-RS)  e Secretário Nacional Agrário do PT
(Publicado originalmente no site Viomundo)

Tijolinho Real: Dilma não vetará a PL 4330








Um dos assuntos mais comentados aqui pelas redes sociais ainda é a PL 4330 ou o Projeto de Lei que regulamenta a terceirização do trabalho. Depois de muita discussão, o  texto-base foi  aprovado na Câmara dos Deputados, em sessão tumultuada. Expressivos contingentes sociais torcem para que a presidente Dilma Rousseff vete o projeto. Dentre os partidos políticos, algumas decepções, como o voto fechado do PDT - quem diria - a favor do projeto de lei. O PT votou contra; uma ou outra defecção no PMDB; o PSDB, como já era previsto, votou fechado pela aprovação da PL 4330. No PCdoB, um partido que em toda a sua história nunca votou contra os trabalhadores, desta vez contou com uma honrosa exceção, representada pelo deputado neo-comunista pernambucano Carlos Eduardo Cadoca. Aqui torna-se difícil realizar uma clivagem ideológica. Nem Cadoca nunca foi comunista, e faz algum tempo que a turma do PCdoB deixou de sê-lo. Os trabalhistas do PDT também votaram pela aprovação do projeto. O senador Cristovam Buarque​, adjetivou de vergonhosa a posição do PDT. De fato, uma atitude que depõe contra a trajetória da agremiação à qual esteve vinculado atores políticos da estirpe de um Darcy Ribeiro e Leonel Brizola. Ressalve-se que toda a família Brizola, com a qual mantemos contato nas redes sociais, se manifestou contra a decisão do partido.

Na realidade, a aprovação da PL 4330 representa um grande retrocesso no que concerne às conquistas históricas da classe trabalhadora. Menores salários, mais acidentes, menos concursos públicos, enfim, uma crescente precarização das condições de trabalho. Estudos do DIEESE indicam que a redução salarial entre os terceirizados fica em torno de 29%. É um conjunto de medidas que só interessam ao capital. As entidades ligadas aos trabalhadores estão mobilizadas em todo o país no sentido de pressionar por sua reversão, hoje nas mãos da presidente Dilma Rousseff, que tem a prerrogativa de vetar o projeto.  Com raros lampejos de lucidez - caso da indicação de Renato Janine para a educação - o fato é que a presidente encontra-se num momento político delicado. Até seu Ministro do Trabalho já fez rasgados elogios ao projeto. É muito pouco provável que Dilma vete o projeto. Infelizmente. Essa tal governabilidade tolhe significativamente a margem de manobra dos governantes. A economia está nas mãos do PSDB e a política nas mãos do PMDB. Estamos em maus lençóis. 

sábado, 11 de abril de 2015

Os professores entraram em greve... E agora, senhor governador Paulo Câmara?






Não faz muito tempo, escrevemos um artigo sobre as primeiras negociações entre a categoria dos professores e o Governo do Estado. Falávamos ali de um possível impasse nessas negociações, o que poderia culminar na decretação de uma greve. Não deu outra. A categoria, em assembléia, resolveu decretar greve por tempo indeterminado. Os representantes do Governo Estadual foram para as rodadas de negociações apenas para dizer que as finanças públicas não permitiriam arcar com a recomposição salarial pleiteada pelos professores. Já estavam no limite da Lei de Responsabilidade Fiscal, que estipula o teto de 46,6% dos gastos da receita com a folha de pagamento dos servidores. A Lei de Responsabilidade Fiscal, se considerarmos suas finalidades, na realidade, é algo muito positivo. Ela contingencia uma margem de manobra dos governantes para os investimentos em políticas públicas determinadas pelas demandas da população. Do contrário, a máquina pública tende a torna-se apenas um cabide de empregos e nada mais. 

Parece não haver dúvidas de que a constelação de súditos que se se formou em torno do ex-governador Eduardo Campos entende muito bem de contas públicas. Alguns deles foram escolhidos ainda no tempo de militância política estudantil, nos bancos do Curso de Ciências Econômicas da UFPE. Depois, um número expressivo deles vieram do Tribunal de Contas do Estado e transitaram pelas áreas fazendárias da administração pública estadual, a exemplo do próprio governador do Estado, o senhor Paulo Câmara. Não seria nada humilhante para o governador informar para a população que o Estado encontra-se com suas finanças combalidas. Embora isso seja negado, na prática, todos os dias percebe-se isso muito claramente. A negativa parece ser, então, uma tentativa de não macular a imagem de bom gestor do ex-governador Eduardo Campos. Não sei como este cidadão vai se "arranjar". Durante a campanha ele prometeu que dobraria o salário dos professores. 

Essa política escancarada de renúncia fiscal e fundiária é, certamente, um dos fatores que estão comprometendo as finanças públicas estaduais. É isenção para isso, para aquilo, cessão de patrimônio público - terrenos e prédios (Fábrica da Tacaruna) - e para que? Alguém já fez a continha para saber o que isso representou em termos de geração de emprego e arrecadação de tributos? No final, a conta acaba sendo paga pelo arrocho contra os servidores públicos. 

Se o senhor Paulo Câmara conhecia todo esse contingenciamento das contas públicas estaduais, por que prometeu que dobraria os salários dos professores? Como fazê-lo nas circunstâncias atuais, onde sequer uma recuperação do poder de compra do salário dos servidores pode ser concedida? O senhor Paulo Câmara precisa entender que exerce uma função pública de altíssima responsabilidade, que não pode ficar atrelado aos interesses de grupos comezinhos. O Estado, para usarmos uma expressão do sociólogo Gilberto Freyre, está "inchado" desses cargos comissionados, uma prática para satisfazer os apetites dos apoiadores de ocasião. Devo admitir que, em razão do não comprometimento do seu projeto presidencial, o ex-governador até tentou passar a tesoura nesses cargos, já no final do seu mandato. O discurso da "meritocracia" não coadunava-se com essa prática. Meritocracia, meu caro, é concurso público. Preocupado em "acomodar" os apoiadores, o Paulo parece não ter dado muito atenção a essa questão.Deveria ter dado amplitude a esse lampejo de lucidez política do seu padrinho. Eis aqui, grosso modo, as razões pelas quais o Governo alega que não reúne as condições de conceder a recomposição salarial dos professores. O pleito dos professores é justo. É justíssimo, como diria aquele personagem do Chico Anísio. Só não sei como o senhor Paulo Câmara irá se "arranjar".  

Comenta-se que a bancada da situação na ALEPE não tinha muita coisa para falar sobre esses primeiros cem dias do Governo Paulo Câmara. De fato, não há muita coisa a ser mostrada mesmo. Isso ocorre de forma generalizada por todo o Brasil. No Maranhão, por exemplo, a única coisa que o comunista Flávio Dino conseguiu mostrar foram as peças de publicidade de campanha, quando ele pôs fim ao reinado da  oligarquia Sarney. Aqui, em primeiro lugar, ele deve uma boa explicação à categoria dos professores. Em segundo lugar, em razão da responsabilidade do cargo, em algum momento, ele terá que se pronunciar sobre a herança maldita deixada em sua poltrona no Palácio do Campo das princesas. Só  espero que ninguém resolva nos processar por dizer essas verdades. 

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Je suis Michel Zaidan Filho



Em Pernambuco, parece-nos que voltamos a viver uma época de obscurantismo político, com o cerceamento da liberdade dos indivíduos em externarem suas opiniões sobre a gestão da res pública. Isso é muito grave. Gravíssimo. O cidadão que entra na vida pública e pensa que estará imune às críticas, certamente não está preparado para exercer nenhuma função pública. Melhor seria se continuasse cuidando da sua vida privada, lendo, escrevendo seus livros, trocando ideias sobre autores e coisas do gênero. Não possui a vocação necessária para as contingências impostas pela vida pública. Abnegação, renúncia, transparência dos seus atos, estrito cumprimento das leis que regem a administração pública, além da impessoalidade. Não sei qual desses princípios é o mais transgredido no atual momento político vivido pelo Estado de Pernambuco, mas, certamente, o que parece mexer mais com o brio dessa oligarquia em formação é o princípio da impessoalidade. A coisa pública para eles é uma simples transferência dos interesses familiares. Um puxadinho, um quintal recheado de pitangas roxas. 

Um desses dias, um preposto do grupo entrou no nosso perfil da rede social Facebook para nos agredir. Depois de duras respostas, optei por excluí-lo. Ele hoje ocupa uma das secretarias do Governo Estadual. São arrogantes, prepotentes e algozes dos seus críticos. Pela sua ascendência com o Dr. Arraes, mantínhamos uma certa admiração pelo ex-governador Eduardo Campos. Votamos nele na primeira eleição que ele ganhou para o Governo do Estado. O professor Michel Zaidan Filho também participou das primeiras reuniões para elaboração do programa de governo, além da definição do seu secretariado. Conta um amigo em comum, que ele havia afirmado que duas pessoas, em suas áreas de atuação específicas, poderiam dizer o que quisessem sobre o seu governo, sem medo de serem processados. Michel na área de política e Tânia Bacelar na economia. Pelo andar da carruagem - e a julgar pela ameaça de interpelação judicial contra o professor - essa promessa não foi cumprida.

Como bem lembra o Michel, por acaso é crime falar da inquestionável oligarquização dos negócios do Estado; do familismo amoral; do homem cordial; do patrimonialismo; do nepotismo. Penso que na próxima segunda-feira, os escritórios de advocacia terão muito trabalho pela frente. A lista dos futuros interpelados é grande: Robert Michels, Edward C. Banfield, Sérgio Buarque de Holanda, Max Weber a té o Papa Francisco, uma vez que essa história de nepotismo tem a ver com os sobrinhos de um deles. Ninguém tem dúvida de que o clã mantém acesa a chama e lutará pela perpetuação do espólio deixado pelo falecido. A quem isso interessa, afinal? ao povo de pernambuco, certamente não é. 

Conhecemos o professor Michel Zaidan numa palestra aqui na Fundação Joaquim Nabuco. Ele se encontrava meio perdido e fizemos a gentileza de encaminhá-lo até a sala de conferências. Já tinha uma grande admiração pelo mestre, em razão de suas ideias, ou mais precisamente, da coragem e dignidade em defendê-las. Essa relação consolidou-se no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPE , onde ele foi o professor, o co-orientador e, sobretudo,o amigo de todas as horas. Não fosse pelo seu apoio, talvez não chegássemos a bom termo. 

Quem o conhece de perto, costuma destacar alguns traços marcantes de sua personalidade: a intransigência com alguns princípios que norteiam a sua conduta; a integridade; a solidariedade; a coerência; a autenticidade, a franqueza. Num dos últimos andares do CFCH, montou uma espécie de trincheira em defesa do interesse público. Por isso mesmo é tão perseguido, destratado e odiado pelos governantes de turno e seus áulicos ou prepostos a soldo, mantidos sob as tetas da Viúva. Outro dia precisamos escrever um longo editorial em sua defesa, depois dele ser vítima de calúnias e difamações, num artigo escrito - melhor seria dizer assinado - por um prefeito "cevado" pela oligarquia desde pequenininho. Até o corpo ele tatuou com os seus ídolos. Sempre que ele for atacado, estaremos aqui para defendê-lo. E não faremos isso por nenhuma questão de afetividade, mas, sobretudo pela admiração por sua coragem e honradez na defesa do interesse público. Je suis Michel Zaidan Filho.

Michel Zaidan diz não temer processo de Antonio Campos e reafirma críticas

 

Publicado em 10/04/2015 às 10:34 por em Notícias


Demorou, mas saiu

Por Michael Zaidan

Quando fui convidado pelo ex-governador de Pernambuco, ainda durante as cerimônias fúnebres da morte de meu saudoso pai, para contribuir criticamente na formulação do programa de governo e na composição de seu secretariado, disse ao ex-mandatário estadual que não imitasse o seu antecessor raivoso, me processando por críticas e reparos à sua gestão. Hoje, vejo que a promessa feita, naquela ocasião, por Eduardo Campos não se cumpriu.
Acabo de saber, através do Blog de Jamildo, que apesar de respeitar a chamada “liberdade de expressão”, o advogado, irmão do ex-governador e pré-candidato à Prefeitura de Olinda, vai ajuizar uma interpelação judicial sobre o conteúdo do artigo publicado neste Blog: “não vamos desistir de vocês”.
Vamos ver se entendi.
A família Campos tem todo direito de usar o espaço público para dizer a alto e bom som que não vai desistir de governar Pernambuco, Olinda e Recife. Mas eu não posso mais fazer críticas a essa oligarquia familiar, sob o risco de responder a uma interpelação judicial sobre o que eu disser.
Se a regra tem reciprocidade por que quando o senhor “Juninho Matuto” atacou a minha honra pessoal, com injúrias e difamação, a serviço dessa mesma oligarquia o dono do jornal (Folha de Pernambuco), onde foi veiculada a matéria, não permitiu o direito legal de resposta?-
O senhor Campos, do alto de seu saber literário e jurídico acha que pode contar com os serviços de um apaniguado para ofender, humilhar, enxovalhar a honra dos críticos da gestão do seu falecido irmão, e ele – pretenso candidato à Prefeitura de Olinda – não pode ser alvo de nenhuma crítica?
Acha mesmo o ilustre filho do escritor Renato Carneiro Campos que vai entrar na vida pública, disputando um cargo majoritário, sem receber nenhuma criticazinha, pelo menos? –
Está redondamente enganado. A administração pública obedece a princípios constitucionais: impessoalidade, legalidade e transparência.
Como compatibilizar esses princípios com a atitude, pouco republicana, de utilizar o nome da família para disputar e ocupar cargos na administração municipal e estadual?
Desde quando utilizar a tipologia weberiana ou o conceito da sociologia americana de “familismo amoral” é uma ofensa à honra de quem quer que seja, senão às pretensões de caudilhos, chefes políticos e oligarcas?
Para esses, a liberdade de imprensa é uma licença poética apenas utilizada por eles para detratar os adversários e a justiça, uma forma de intimidação dos críticos.
E olhe que a admoestação feita pelo advogado/literato estende-se ao Blog de Jamildo, dizendo abertamente que tenha cuidado com o que vem publicando (contra ele). É isso a liberdade de imprensa, em Pernambuco?
O direito de usar a mídia impressa e eletrônica para malbaratar a integridade moral dos críticos e uma forma de propagandear o interesse pela dominação familiar da política de nosso estado?
Quem disse que o irmão do ex-governador usou a sua proximidade com o governo do estado para obter recursos destinados aos convescotes literários de Olinda, não fui eu. Foi o correspondente da Folha de São Paulo (Daniel Carvalho, hoje em Brasília), em entrevista no Shopping Center Recife.
E ele disse mais: o governador retaliou a matéria por ele publicada na Folha, sobre essa privilegiada relação político/familiar. Só repeti uma informação que já vinha sendo repetida em vários lugares.
Também não afirmei que o citado advogado e pré-candidato usa o prestígio (e o poder) da família para arrecadar dinheiro junto a empresas que prestam serviço ao Estado. Só disse que não se deve fazer isso, porque é crime contra a administração pública.
Está aí o escândalo da Petrobrás, onde o irmão de Campos aparece mencionado nos depoimentos como beneficiário da bagatela de 20.000.000,00, nas obras de construção da Refinaria Abreu e Lima.
Nunca afirmei que o doutor Campos tenha sido beneficiado por essa dinheirama. Certamente, com o seu prestígio literário, jurídico e familiar, ele não deve ter dificuldades para arranjar financiadores para seus projetos editoriais e congressuais.
Também não fui eu que disse que o senhor Antonio de Campos, neto de Miguel Arraes e irmão de Eduardo Campos, já foi arrecadador de campanha eleitoral.
A informação foi prestada por um conhecido político do PSDB de Pernambuco, na época que o jornalista Eurico Andrade, da VEJA, estava colhendo informações para a matéria publicada na revista: “Uma biografia arranhada”, sobre Miguel Arraes e o escândalo dos precatórios. Se ele continuou ou não nessa importante tarefa político-literária, não posso dizer e nem disse.
Agora o que não se pode negar é a presença contínua, permanente, constante da nobre figura do advogado, da viúva e da própria família do ex-governador nos eventos políticos do estado. Nos funerais de Eduardo Campos, nos out-doors da cidade, no programação nacional do PSB, nas tratativas do lançamento de Marina Silva à Presidência da República etc.
Isso não é propriamente atitude de luto, tristeza pela morte de um ente querido. É EXPLORAÇÃO POLÍTICA DE UMA TRAGÉDIA PESSOAL PARA FINS ELEITOREIROS, que aliás rendeu muito dividendos e que o advogado espera que continue rendendo (para ele e sua família).
É crime afirmar que “o rei está nu”?

Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE

UNESCO reprova o MEC, mas ainda é possível pedir revisão da nota.

 
 

José Luiz Gomes Escreve:

A questão de como determinados canais de comunicação tratam algumas notícias é algo bastante preocupante.Digo isso a respeito da divulgação do último relatório da UNESCO sobre as 06 metas para a educação. Não se constituiria nenhuma novidade que a emissora do plim plim encontrasse aqui uma maneira de atacar o Governo da presidente Dilma Rousseff, informando que o Brasil "deixou de cumprir" 04 das metas estabelecidas por aquele órgão, numa evidente exploração de que fomos "reprovados". Não fizemos o dever de casa. Os órgãos de imprensa menos "carregados", por sua vez, enfatizam o fato de termos "cumpridos duas" das metas estabelecidas: a universalização do acesso à educação primária (1º ao 5º ano do ensino fundamental) e a igualdade de gênero. Não penso ver aqui algum problema neste segundo ponto. Está todo mundo junto e misturado. Todos os levantamentos sugerem concluir que as mulheres estão dando um banho nos homens quando o assunto é estudar. 

O Governo - e isso não é de hoje - contesta bastante os números apresentados pela UNESCO. Questiona a metodologia utilizada pelo órgão. Em momentos anteriores, já ocorreram intensos debates sobre essa metodologia. Salvo algum engano, então no IPEA, o economista Marcelo Neri  entrou na "briga", defendendo os avanços conquistados pelo Brasil nos últimos anos. Em alguns aspectos, de fato, o país avançou bastante, principalmente no ensino profissionalizante de jovens; no ingresso de alunos de estratos sociais fragilizados ao ensino superior. Incontestável isso. Segundo levantamento realizado por pesquisadores da Fundação Joaquim Nabuco sobre os egressos ao ensino superior no processo de interiorização das universidades públicas, para 83% deles os pais não possuíam formação superior. Como sempre afirmamos, uma verdadeira revolução. 

Mal senta na cadeira de Ministro da Educação e o filósofo Renato Janine Ribeiro já se depara com o relatório da UNESCO. Do ponto de vista estritamente republicano, penso ter sido um equívoco de Lula convocar Fernando Haddad para aquela aventura política na capital paulista. Ele vinha estruturando as políticas públicas de educação no país", atacando nossos pontos nevrálgicos, principalmente a questão da formação dos professores e o gargalo da qualidade(social) do ensino básico. Políticas de Estado, não apenas de uma coalizão de Governo. Se uma crítica pode ser feita, também ele, colocou como segundo plano o enfrentamento do alto índice de analfabetismo entre a  população adulta. No Brasil ainda há algo em torno de 13 milhões de analfabetos, 8,7% da população. Quando o senhor Fernando Freire assumiu a Fundação Joaquim Nabuco - e se discutia como a instituição iria se inserir no contexto das políticas públicas de educação do Ministério da Educação - escrevemos um e-mail para ele tratando deste assunto. 

O MEC já havia contratado doutores em educação em Brasília para atuarem na questão do analfabetismo aqui na região. Não sei de vocês sabem, mas o perfil do analfabeto brasileiro é: mulher, preta e nordestina. As regiões Norte e Nordeste concentram os maiores índices de analfabetos do país. Infelizmente, eles estão sendo esquecidos na formulação de políticas públicas para a área de educação. Ainda é cedo para saber como o professor Renato Janine Ribeiro​ irá tratar este assunto, mas nos parece tratar-se de uma pessoa com bastante sensibilidade para a questão.

O mundo obscuro da internet: onde o ódio tem vez



Facebook: um mapa das redes de ódio. Pesquisa vasculha território obscuro da internet: as comunidades que clamam por violência policial, linchamentos, mortes dos “esquerdistas” e novo golpe militar

internet páginas facebook ódio policia militar
 
Fanpages de admiradores das Polícias Militares no Facebook (Imagem: Pragmatismo Político)
No dia 5 de março o Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic), da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), publicou um mapa de redes de admiradores das Polícias Militares no Facebook. São páginas dedicadas a defender o uso de violência contra o que chamam de “bandidos”, “vagabundos”, “assaltantes”, fazer apologia a linchamentos e ao assassinato, defender policiais, publicar fotos de pessoas “justiçadas” ou mortas violentamente, vender equipamentos bélicos e combater os direitos humanos.
Para centenas de milhares de seguidores dessas páginas, a violência é a única mediadora das relações sociais, a paz só existe se a sociedade se armar e fizer justiça com as próprias mãos, a obediência seria o valor supremo da democracia. Dentro dessa lógica, a relação com os movimentos populares só poderia ser feita através da força policial. Qualquer ato que escape à ordem ou qualquer luta por direitos é lido como um desacato à sociedade disciplinada. Um exemplo: no sábado, dia 8 de março, a página “Faca na Caveira” publicou um texto sobre o Dia Internacional das Mulheres no qual manda as feministas “se foderem”. Em uma hora, recebeu 300 likes. Até a tarde de domingo, 1473 pessoas haviam curtido o texto.
Abaixo o professor Fábio Malini explica como fez a pesquisa e analisa o discurso compartilhado por esses internautas. “O que estamos vendo é só a cultura do medo midiático passando a ter os seus próprios veículos”, diz ele. Explore as redes.
garfo internet facebook páginas policia militar
Como você chegou a esse desenho das redes? O que ele representa?
É um procedimento simples em termos de pesquisa. O pesquisador cria uma fanpage no Facebook e passa a dar “like” num conjunto de fanpages ligada à propagação da violência. Em seguida, usamos uma ferramenta que identifica quais os sites que essas fanpages curtem. E, entre elas, quais estão conectadas entre si. Se há conexão entre uma página com outra, haverá uma linha. Se “Faca na Caveira” curte “Fardados e Armados” há um laço, uma linha que as interliga. Quando fazemos isso para todas as fanpages, conseguimos identificar quais são as fanpages da violência (bolinhas, nós) mais conectadas e populares. Isso gera um grafo, que é uma representação gráfica de uma rede interativa. Quanto maior é o nó, mais seguida é a página para aquela turma. No grafo, “Polícia Unida Jamais será vencida” é a página mais seguida pela rede. Não significa que ela tem mais fãs. Significa que ela é mais relevante para essa rede da violência. Mas a ferramenta de análise me permite ver mais: quem são as páginas mais populares no Facebook, o que elas publicam, o universo vocabular dos comentários, a tipologia de imagens que circula etc.
O que você queria ver quando pesquisou esse tema? E o que achou de mais interessante?
Pesquisei durante apenas uma semana para testar o método de extração de dados. Descobri que o Labic, laboratório que coordeno, pode ajudar na construção da cultura de paz nesse país, desvelando os ditos dessas redes, que estão aí, lotadas de fãs e públicas no Facebook. Assustei-me em saber a ecologia midiática da repressão no Facebook, em função da agenda que esses sites estabelecem.
Primeiro há um horror ao pensamento de esquerda no país. Isso aparece com inúmeros textos e imagens que satirizam qualquer política de direitos humanos ou ligadas aos movimentos sociais. Essas páginas funcionam como revides à popularização de temas como a desmilitarização da Polícia Militar ou textos de valorização dos direitos humanos. Atualmente, muitas dessas páginas se articulam em função da “Marcha pela Intervenção Militar”. Um de seus maiores ídolos é o deputado Jair Bolsonaro.
Após os protestos no Brasil, a estrutura de atenção dos veículos de comunicação de massa se pulverizou, muito tráfego da televisão está escoando para a internet, o que faz a internet brasileira se tornar ainda mais “multicanal”, com a valorização de experiências como Mídia Ninja, Rio na Rua, A Nova Democracia, Outras Palavras, Revista Fórum, Anonymous, Black Blocs. São páginas muito populares. Mas não estão sozinhas. Há uma guerra em rede. E o pensamento do “bandido bom, bandido morto” hoje se conformou em votos. Esse pensamento foi capaz de construir redes sociais em torno dele.
A despolitização, a corrupção, os abusos de poder, a impunidade, estão na raiz da força alcançada por essas redes da violência e da justiça com as próprias mãos. E não tenho dúvida: essas redes, fortes, vão conseguir ampliar seu lastro eleitoral. Vão ajudar na eleição de vários políticos “linha dura”. Em parte, o crescimento dessas redes se explica também em função de forças da esquerda que passaram a criminalizar os movimentos de rua e ficaram omissas a um conjunto de violações de direitos humanos. O silêncio, nas redes, é resignação. O que estamos vendo é só a cultura do medo midiática passando a ter os seus próprios veículos de comunicação na rede.
Você escreveu que “é bom conhecer e começar a minerar todos os conteúdos que são publicadas nelas.” Por que?
Porque é preciso compreender a política dessas redes e seus temas prioritários. Instituir um debate por lá e não apenas ficar no nosso mundo. É preciso dialogar afirmando que uma sociedade justa é a que produz a paz, e não uma sociedade que só obedece ordens. Estamos numa fase de mídia em que se calar para não dar mais “ibope” é uma estratégia que não funciona. É a fala franca, o dito corajoso, que é capaz de alterar (ou pelo menos chacoalhar) o discurso repressor.
É interessante, ao coletarmos e minerarmos os dados, notar que muitas dessas páginas articulam um discurso de Ode à Repressão com um outro pensamento: o religioso, cujo Deus perdoa os justiceiros. Isso se explica porque ambos são pensamentos em que o dogma, a obediência, constituem valores amplamente difundidos. Para essas redes, a defesa moral de uma paz, de um cuidado de si, viria da capacidade de os indivíduos manterem o estado das coisas sem qualquer questionamento, qualquer desobediência.
No lugar da Política enfrentar essas redes, para torná-las minoritárias e rechaçadas, o que vemos? Governantes que passam a construir seus discursos e práticas em função dessa cultura militarizada, dando vazão a projetos que associam movimentos sociais a terrorismo. Daí há uma inversão de valores: a obediência torna-se o valor supremo de uma democracia. E a política acaba constituindo-se naquilo que vemos nas ruas: o único agente do Estado em relação com os movimentos é a polícia.
O grafo mostra as relações entre os diversos nós dessa rede. Mas e se a gente quiser saber o que essas redes conversam? As PMs estão no centro de vários debates importantes hoje: o tema da desmilitarização. A repressão às manifestações. O assassinato de jovens pobres, pretos, periféricos. Esses nós conversam sobre essas coisas? Em que termos?
Sim, esses nós se republicam. Tal como páginas ativistas se republicam, tais como páginas de esporte se republicam. Todo ente na internet está constituindo numa rede para formar uma perspectiva comum. As ferramentas para coletar essas informações públicas estão muito simplificadas e na mão de todos. Na tenho dúvida que as abordagens científicas das Humanidades serão cada vez mais centrais, pois a partir de agora o campo das Humanidades lidará com milhões de dados. É uma nova natureza que estamos vendo emergir com a circulação de tantos textos, imagens, comportamentos etc.
Você escreveu que “os posts das páginas, em geral, demonstram o processo de construção da identidade policial embasada no conceito de segurança, em que a paz se alcança não mediante a justiça, mas mediante a ordem, a louvação de armamentos e a morte do outro.” Pode dar exemplos de como isso aparece? E por que isso é grave? Afinal, na visão dos defensores e admiradores da polícia, as posições que defendem dariam mais “paz” à sociedade.
Sábado, 8 de março, foi o Dia Internacional da Mulher. Uma das páginas, a Faca na Caveira, deu parabéns às mulheres guerreiras. Mas mandaram as feministas se foderem. O post teve 300 likes em menos de meia hora e na tarde de domingo tinha 1473 likes. A paz só será alcançada com ordem e obediência, dizem. No fundo, essas redes revelam-se como repressoras de qualquer subjetividade inventiva. Por isso, são homofóbicas e profundamente etnocêntricas de classes. É uma espécie de decalque do que pensa a classe média conectada no Brasil, que postula que boné de “aba reta” em shopping é coisa da bandidagem.
Em Vitória, onde resido, em dezembro de 2013, centenas de jovens que curtiam uma roda de funk nas proximidade de um shopping tiveram que entrar nesse recinto para fugir da repressão da polícia, que criminaliza essa cultura musical. Imediatamente foi um “corre-corre” no centro comercial. Os jovens foram todos colocados sentados, sem camisa, no centro da Praça de Alimentação. Em seguida, foram expulsos em fila indiana pela polícia, sob os aplausos da população. Depois, ao se investigar o fato, nenhum deles tinha qualquer indício de estar cometendo crime. Essa cultura do aplauso está na rede e é forte. É um ódio à invenção, à diferença, à multiplicidade. É por isso que a morte é o elemento subjetivo que comove essa rede. Mostrar possíveis criminosos mortos, no chão, com face, tórax ou qualquer outro parte do corpo destruída pelos tiros, é um modo de reforçar a negação da vida.
Essas redes conversam com outras redes não dedicadas especificamente à questão das PMs? Vi, por exemplo, que tem um “Dilma Rousseff Não”, um “Caos na Saúde Pública” e um “Movimento Contra Corrupção”. Que ligações as pessoas ali estabelecem entre esses temas?
Sim, são páginas que se colocam no campo da direita mais reacionária do país. Mas isso também é um índice da transmutação do conservadorismo no Brasil. Infelizmente, o controle da corrupção se tornou um fracasso. Essa condição fracassada alimenta a despolitização. E a despolitização é o combustível para essas páginas. Mas a despolitização não é apenas um processo produzidos pelos “repressores”, mas por sucessivos governos mergulhados em escândalos e que são tecidos por relações políticas absolutamente cínicas em nome de alguma governabilidade.
Patrícia Cornils, Outras Palavras

(Publicado originalmente no site Pragmatismo Político)

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Michel Zaidan Filho: Não vamos desistir de vocês


 
 
 
 
 
                                 0  prestigiado blog do Jamildo publicou uma notícia emblemática sobre a oligarquia pernambucana. Segundo a notícia: a fim de perpetuar o legado da família (Campos) na política regional (estadual e municipal), o dublê de tesoureiro de campanha, advogado e literato estadual - Antônio Campos resolveu declarar a sua pré-candidatura à Prefeitura de Olinda. 0 redator da notícia foi gentil nas palavras utilizadas. "Perpetuar o legado da família" significa, em outros termos, reproduzir a dominação oligárquica que vem se  mantendo no Estado de Pernambuco, pelo uso da máquina administrativa, pela grife "Arraes/Campos", pela proximidade perigosa com a administração pública, pela exposição - com finalidade político-eleitoral - da família Campos e, naturalmente, pela influência que ela exerce sobre os prepostos eleitos.
 
                                      Fosse Pernambuco um Estado - não uma capitania hereditária ou feudo familiar - onde reinasse a mais absoluta autonomia e independência dos meios de comunicação, a expressão a ser utilizada na matéria seria outra, e não um eufemismo ou uma forma de edulcoração do fenômeno oligárquico, mandonista, familiar que ora nos governa. Até quando isso vai perdurar?
 
                                 Imagine que um auditor fiscal, investido no cargo de governador de Estado, por obra e graça de um oligarca já desaparecido,  que continua prestando reverência à primeira viúva, assume o legado (não da família) de dívidas, de obras inacabadas, de caos no sistema penitenciário na Polícia Civil, de crise na educação pública e cujo bordão, nos meios de comunicação, vem a ser "vamos transformar". A este, pelo visto, nem foi dado o dom da retórica nem da decisão. É um governante ("poste") que não decide, não tem capacidade ou autonomia decisória. Talvez porque tenha que se submeter (não a uma administração gerencial, guiada por metas) mas a um colegiado formado pelo irmão do ex-governador, a viúva, seus dois filhos e os agregados. É possível ter uma administração mais eficiente e séria do que essa? - Totalmente subordinada aos interesses eleitorais de uma oligarquia familiar?
 
                                   Os convescotes literários, anualmente patrocinados pelo hoje pré-candidato declarado à Prefeitura de Olinda, fartamente alimentados pela proximidade com o governo estadual, tornaram-se agora um formidável ativo político para que o pré-candidato venha  manifestar  o seu interesse pela administração da cidade vizinha. É assim: fiz isso, fiz aquilo, agora chegou a vez dos olindenses retribuírem o árduo trabalho de trazer o mundo da cultura para o município. Curioso é o cartaz que o pretendente distribuiu pela cidade-patrimônio: "não vou desistir de você". Trata-se de um botim? De uma presa ou uma recompensa? - 0 que significa essa obsessão de "perpetuar o legado da família" por todo o Estado?
                                    Um estudioso de Max Weber definiria essa  obsessão por patrimonialismo. Governo patrimonialista, que acha que a administração pública é coisa sua, da sua família, da sua "entourage" familiar. Engana-se o senhor Campos e sua cunhada. A gestão pública não é um patrimônio familiar, é um patrimônio da sociedade e está sujeita a leis que falam de impessoalidade, legalidade e transparência. Não pode servir a interesses "literários" particulares.
 
                                   Quer continuar a fazer os seus convescotes em Olinda, então que use seus dotes de arrecadador (não junto a empresas que tenham negócios com o Estado e a prefeitura) e continue fazendo um circo literário para convidados "vips", deixando o povo do lado de fora, a acompanhar pelos telões os eventos programados.
 
                                    Se a famosa frase do Conde da Boa Vista: "Em Pernambuco, quem não é Cavalcanti, é cavalgado" não tem mais validade, imagine-se que  hoje não podemos trocar a palavra Cavalcanti por Campos Accioly e seus apaniguados.
 
PS. Esta decisão é já um reconhecimento de que o aliado de todas as horas (PC do B) não vai lançar candidato à eleição? - ou uma ruptura?

Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE.

quarta-feira, 8 de abril de 2015

"Se o andar de cima bater mais panela, só resta ao andar de baixo botar fogo no fogão"


publicado em 08 de abril de 2015 às 06:50
xô golpistas
por Raimundo Bonfim, especial para o Viomundo 
Antes e durante a campanha eleitoral do ano passado ficou evidente que o campo popular representado pelos movimentos sociais e o governo federal  vinham perdendo a batalha da comunicação. Durante os 12 anos de governos Lula/Dilma não se enfrentou a mídia monopolista e golpista, se ignorou a importância da reforma política , além de abandonadas as disputas ideológica e cultural.
As manifestações de junho de 2013 e as da Copa do Mundo de 2014 mostraram notórios sinais de disposição da mídia e da oposição de colocarem fim aos governos liderados pelo PT. Depois, nas eleições de 2014 os ataques se intensificaram.
As comparações de crescimento econômico, das políticas sociais e distribuição de renda entres os períodos FHC e de Lula/Dilma não foram os fatores principais da disputa, como ocorreram nas eleições anteriores.  Não fosse a atuação contundente do movimento político e social que extrapolou a esfera partidária, certamente o candidato Aécio teria vencido o pleito.
O principal diferencial foi o engajamento dos movimentos sociais, que certamente contribuiram para assegurar a vitória da presidenta Dilma, numa das mais acirradas disputas eleitorais do último período democrático. A vitória eleitoral foi resultado de um discurso e compromisso com uma pauta de esquerda, num duro embate com as teses neoliberais e conservadoras. E foi neste embate que mobilizamos centenas de milhares de militantes para impedir o retrocesso político, econômico e social no Brasil.
No entanto, antes mesmo da posse da presidenta, fomos surpreendidos com a composição conservadora dos ministérios (com Kátia Abreu, Levy, Armando Monteiro e Kassab, entre outros), num claro “afago” à direita. Após a posse, veio o ajuste fiscal – afetando direitos trabalhistas, previdenciários e as políticas sociais, causando uma enorme frustração nos setores populares e de esquerda que foram às ruas defender a reeleição.
A direita, que na campanha já tinha ganhado terreno com discurso conservador, elegeu como presidente da Câmara dos Deputados um legítimo representante seu, Eduardo Cunha, do PMDB.
Em pouco mais de dois meses, a Câmara dos Deputados numa velocidade sem precedente, de um lado, se colocou contra propostas progressistas como o fim do financiamento empresarial, o projeto de criminalização da homofobia, a regulamentação da mídia, entre outros.
Do outro, encampou as bandeiras de direita, como o projeto de redução da maioridade penal, estatuto da família, a antirreforma política. Nesse ponto, Eduardo Cunha tem agido em conluio com o ministro do STF Gilmar Mendes, que engaveta há mais de um ano a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) apresentada pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) contra o financiamento empresarial de campanhas, mesmo já tendo alcançado a maioria de votos favorável à inconstitucionalidade.
A direita está se sentindo tão forte (no parlamento e nas ruas, com o apoio explícito da mídia) que nesse momento propala abertamente o golpe através do  impeachment ou, inclusive por meio da intervenção militar.
É tímida a reação das forças partidárias de esquerda que compõem o governo dada a gravidade da crise política. Diante da lacuna deixada pelos partidos políticos, assim como na disputa eleitoral de 2014, novamente os movimentos sociais estão indo às ruas para lutar contra o golpe, defender a democracia e enfrentar a direita.
No dia 13/03/2015, sem a participação dos partidos políticos, um conjunto de entidades e movimentos populares, sindicais e sociais, entres as quais, a CUT, CTB, CMP, MST, Levante Popular da Juventude, MAB e UNE, liderou nas ruas um amplo processo de mobilizações de massas contra o golpe, na defesa da democracia, de suas bandeiras históricas, dos compromissos de campanha que propiciaram a eleição de Dilma.
No dia 31 de março último,os mesmos movimentos sociais organizaram no país várias plenárias com a militância (a maior em São Paulo, com 3 mil pessoas). Desta vez tivemos o apoio do PT e PCdoB.
As plenárias tiveram o objetivo de fazer avaliação das mobilizações do dia 13/03/2015, animar a militância e aprovar um calendário de manifestações para os próximos meses, com destaque para o dia primeiro de maio – que se estenderá para além do movimento sindical, mas abarcará todos os movimentos sociais.
Agora o enfretamento deve ser político e tem que ser nas ruas. Esgotou-se a política de conciliação de classes, prioridade no campo institucional e alianças pragmáticas. Até porque, no cenário de crise econômica não há mais “cobertor” para os muito ricos e para os pobres. Os ricos que paguem a conta da crise, pois os trabalhadores e os movimentos sociais defendem que “direitos não podem ser reduzidos, mas ampliados”.
Estamos e continuaremos nas ruas defendendo a democracia e contra o golpe, pois, não é momento de vacilo, todas as forças de esquerda ou democrática, devem também combater o ajuste fiscal, no que penaliza os trabalhadores e direitos sociais.
Defenderemos o mandato da presidenta Dilma e, ao mesmo tempo, pressionaremos que implemente o programa vitorioso nas urnas, em especial o aprofundamento das políticas sociais, distribuição de renda e a pauta dos movimentos sociais. Que o governo encampe, ainda que seja derrotado no congresso, pautas como a regulamentação da mídia, a criminalização da homofobia, taxação das grandes fortunas e plebiscito da constituinte exclusiva.
Defendemos a retomada  das reformas agrária e urbana e a manutenção dos programas sociais. Não aceitamos corte de recursos dos programas “Mais Médicos” e “Minha Casa, Minha Vida”.
Os movimentos sociais não vão nem devem ficar em casa esperando a recomposição da base governista e assistindo o aumento da fúria direitista – que, além de pregar o “Fora Dilma” e “Fora PT”, dissemina o ódio, a homofobia, o preconceito racial, de gênero e contra os pobres.
É verdade que há falhas na articulação política do governo, mas está redondamente enganado quem achar que a troca de um ministro por outro ou a cessão de mais espaço para o PMDB vai resolver a crise política. O andar de cima está decido derrotar o de baixo, estamos diante de uma luta de classe.
Nossa articulação e mobilização serão indispensáveis e necessárias para frear a ascensão da direita. E é nas ruas que vamos ganhar essa batalha decisiva contra o golpismo, contra o fascismo, pela democracia e pelos direitos e política sociais. É hora de mobilizar milhões contra o golpe da direita e dos setores reacionários. E os movimentos sociais cumprem  novamente o papel decisivo no atual momento político brasileiro.
Por fim, reafirmo o que disse na plenária dos movimentos sociais em São Paulo: se o andar de cima insistir em continuar batendo panela só resta o andar de baixo botar fogo no fogão.
Raimundo Bonfim, é advogado e coordenador-geral da Central de Movimentos Populares do Estado de São Paulo.
(Publicado originalmente no site Viomundo)

terça-feira, 7 de abril de 2015

Com Renato Janine, Dilma retoma o caráter estratégico da pasta da educação no governo.


 


Há alguns dias escrevemos um artigo sobre o significado da indicação do filósofo Renato Janine Ribeiro​ para o Ministério da Educação e o que isso significava, igualmente, nos rumos do Governo Dilma Rousseff. Ontem, por ocasião de sua posse naquele ministério, se ainda havia algumas dúvidas, estas foram dissipadas. Há um colega nosso - velho amigo da militância virtual - que possui informações privilegiadas sobre os bastidores do Palácio do Planalto. Essas fontes - que o digam os jornalistas do Washington Post, quando estourou o Escândalo Watergate - são muito importantes. Outro dia, graças a uma fonte no Estado do Maranhão, noticiamos, em primeira mão, os estragos que a agenda de Décio Sá estavam produzindo nos meios políticos daquela Estado.

Se há alguma inquietação nossa, ele sempre nos informa a respeito, com precisão cirúrgica. É capaz de antecipar "frituras" de ministros quando os jornalistas que cobrem o Planalto ainda estão procurando o óleo nas prateleiras dos supermercados. O discurso da presidente Dilma Rousseff não deixa dúvidas de que ela retoma o caráter estruturante da pasta da educação nos governos de coalizão petista. Ouso afirmar que foi por ali onde passaram as políticas públicas mais estruturantes dos governos Lula/Dilma. Afinal, o que há de mais estruturante do que a educação? Procure saber porque alguns beneficiários do Bolsa Família estão deixando o programa espontaneamente. 

Daí as nossas ponderações sobre o possível "relaxamento" dessa prioridade, assim que foram anunciados o corte de verbas de custeio para a pasta. Contingenciado por dificuldades econômicas e políticas nesse início de Governo, também achávamos improvável que ainda houvesse margem de manobra da presidente para uma escolha desse porte, a rigor, com menos ingerência de sua base de sustentação política. Havia grandes interesses em jogo para a escolha da pasta da educação. Até setores do PMDB estavam de olho nela, mas Dilma despartidarizou a escolha, embora tenha negociado outro ministério para o partido. Dilma jogou muito bem nesse xadrez político. Afinal, como já informamos, por ali escoa as políticas públicas de caráter mais estruturantes do Governo.

Nenhuma "governabilidade" compensava se ela  tivesse que renunciar a isso. O custo seria muito alto, principalmente entre a base de apoio social mais identificada com o petismo. Essa base está com ela em qualquer circunstância - apesar das críticas -  e ela sabe disso. A todo custo, setores conhecidos da imprensa tentaram jogar o futuro ministro contra a presidente, principalmente a partir de algumas críticas do então professor ao Governo. Em entrevista, Janine teria reconhecido os avanços sociais dos governos petistas, mas lamentava sua fragilidade ética, que seria um outro legado que eles pretendiam imprimir na esfera pública. Dilma não quis nem saber mais nada sobre este assunto. Não pediu nenhuma explicação a ele. 

E Renato, por sua vez, elogiou a postura da presidente: sem revanchismo, demonstrando grandeza. Papo encerrado. Agora vamos trabalhar. Em sua fala, Renato enfatiza alguns aspectos gerais da educação; informa que sua gestão será balizada pelo Plano Nacional de Educação e já convoca as universidades a se engajarem no processo de formação dos professores. Quando você isola as variáveis que estão envolvidas nas causas do nosso desempenho escolar, ainda sofrível, a formação dos professores ganha uma relevância nada desprezível. Penso que vem daí a sua preocupação com o tema.Outro aspecto que possivelmente também será revisto em sua gestão diz respeito à desfederalização do ensino básico. Também é certo que os reformadores empresariais da educação estarão com o prestígio mais baixo do que poleiro de pato. E isso é muito bom. Muito bom trabalho, professor.