Há alguns anos, em debate com colegas, ficamos impressionados com o número expressivo de clérigos e intelectuais latino-americanos que se engajaram em projetos revolucionários pelo continente, inclusive pegando em armas. A Nicarágua, onde o presidente, forjado na luta revolucionária, hoje expulsa do país representantes da Igreja Católica, talvez seja o caso que alcançou maior visibilidade em relação a este assunto. Ernesto Cardenal, teólogo da Teologia da Libertação, chegou a exercer cargo importante no Governo Sandinista após a luta armada. Esses episódios, naturalmente, ficaram circunscritos há décadas do século passado. Ao longo dos anos, os intelectuais buscaram refúgio e proteção nos centros acadêmicos, afastando da luta real dos povos por democracia, justiça social e avanço dos direitos humanos.
Especula-se, por exemplo, que o filósofo e professor francês, Régis Debray, tenha se integrado ao projeto revolucionário que Che Guevara iniciou na Bolívia, depois do êxito da Revolução Cubana. O foco guerrilheiro, como se sabe, não foi bem-sucedido, culminando com a prisão do filósofo e o assassinato do guerrilheiro argentino\cubano. Hoje, o distanciamento dos intelectuais desse mundo real, das intervenções na luta pelo poder, da emancipação ou da conquista de melhores condições da vida para a sociedade é algo preocupante. Ontem líamos um artigo tratando deste assunto, escrito por Mário Júlio Griggi, onde fica claro porque um filósofo como Olavo de Carvalho conseguiu desmoralizar os centros acadêmicos, num trabalho muito bem concebido e articulado pela extrema direita, que incluía formação sistemática e atuação ousada nas redes sociais, onde eles hoje ganham de braçada das forças do campo progressista, sempre com a ajuda inestimável do algoritmo das big techs.
Uma boa parte do êxito da extrema direita não deve creditado ao filósofo, mas à incompetência ou omissão dos nossos acadêmicos, hoje enclausurados em suas torres de marfim, em seus rituais e saraus, produzindo conhecimentos técnicos ou científico estéreis e isentos, que não podem ser questionados, se não pelos mesmos critérios e pelos pares com lastro acadêmico mensurados pelo Lattes, num corporativismo insuportável, quando não usando o nome de Paulo Freire como escudo ético. Júlio Griggi remonta a conceitos básicos, como intelectual tradicional e intelectual orgânico (Antonio Gramsci, tão enfatizado nos cursos de ciências sociais), conhecimento técnico \científico, de conhecimento popular.
Seu embasamento para justificar a necessidade de sair da redoma são as reflexões - e, mais importante - a atuação daquele descrito por um professor da UFPE, em artigo recente, publicado num jornal local, como o último intelectual engajado: Jean-Paul Sartre. Quando observamos algumas instituições de pesquisa ou acadêmicas discutindo os seus diálogos interinstitucionais ou mesmo avaliando a produção de órgãos de fomento à pesquisa, vale a pena fazer uma questionamento básico: a quem interessa mesmo esse debate? Na outra ponta, as dificuldades de liberações de recursos para a realização de suas atividades inerentes, que dificulta o atendimento de demandas legítimas da sociedade, numa discussão que envolve a liberação de recursos públicos que estão saindo pelos ralos - pelo que se presume em termos de desvios já constatados - cumprindo outras finalidades, naturalmente, de caráter não republicano. Eis aqui um debate que realmente importa.
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