A GREVE DA POLÍCIA MILITAR DA BAHIA: Como a ausência de planejamento e a omissão do Estado desencadearam o problema.
José Luiz Gomes escreve:
Não faz muito tempo que uma reportagem publicada por um jornal local alcançou uma enorme repercussão junto ao aparelho de segurança do Estado, para usar uma expressão muito comum entre os filósofos e sociólogos que se debruçaram sobre o debate em torno dos sistemas de controle social. Tratava-se de um trabalho de conclusão de curso, realizado por uma recém-formada no curso de Arquitetura da Universidade Federal de Pernambuco.
Um leitor desavisado poderia supor que se tratasse, quem sabe, de uma proposta inovadora no campo das unidades prisionais, que padecem de inúmeros problemas, inclusive de superlotação. Ou, ainda quem sabe, um trabalho orientado pelas reflexões foucautiana sobre a “arquitetura da punição”, aplicada aos marginalizados ou dissidentes do sistema. Nada disso. O trabalho da jovem – que lamentavelmente esqueço o nome – teve a brilhante ideia de realizar um mapeamento das ruas mais perigosas do Recife, identificando, inclusive, as tipologias de delitos cometidos naquelas artérias.
O trabalho da estudante pegou o aparato de segurança do Estado de Pernambuco de calças curtas que, devido a enorme desorganização e ausência de planejamento de suas ações, jamais teriam condição de apresentar esses dados de forma precisa. Ou seja, a “política de segurança” do Estado era elaborada sem nenhuma fundamentação na realidade observada, sem nenhum controle sobre variáveis importantes, como incidência de delitos em áreas geográficas específicas.
Ao assumir ao Governo do Estado, foi esse o quadro encontrado pelo governador Eduardo Campos, agravado pelo fato de que Pernambuco ostentava um dos maiores índices de violência no país, com problemas crônicos na área de segurança: ausência de uma efetiva política de segurança pública; uma polícia dividida, descoordenada, desaparelhada e desmotivada; uma população acuada, assustada. Uma de suas promessas de campanha foi enfrentar o problema.
Montou uma equipe de trabalho articulada; passou a monitorar a incidência de delitos; equipou o aparato policial; orientou as ações a partir de pesquisas – neste aspecto contou com o apoio de acadêmicos; minimizou as práticas corporativas e a politicagem no meio, estabelecendo a meritocracia como critério para ascensão na carreira; aprimorou os processos de “limpeza” da máquina, excluindo policiais corruptos; reequipou a polícia científica, uma das pontas do iceberg insegurança; acompanhou e cobrou resultados sobre todo o andamento do processo. O chefe da Polícia Civil do Estado, delegado Manuel Carneiro, atribui o êxito do programa ao acompanhamento sistemático do chefe do executivo.
Conforme afirmamos no blog, Pernambuco não se transformou numa “ilha” de segurança, como sugere crer algumas opiniões precipitadas. Como o Pacto pela Vida prioriza a questão dos homicídios, algumas práticas delituosas até cresceram nos últimos anos, como assaltos a bancos, mas o Estado hoje tem um controle efetivo do processo, o que não ocorria num passado recente. Os problemas ainda estão longe de serem resolvidos no quesito segurança no Estado de Pernambuco. Aquela “sensação de segurança” – que nos facultavam, há alguns anos atrás, passear pelas ruas do Recife mostrando seus pontos históricos aos amigos, ainda está longe ser sentida.
O “Pacto pela Vida” ainda enfrenta algumas dificuldades. Variáveis que pareciam estar sob controle – como o número de homicídios por causas violentas – no último ano passou a preocupar o Governo, reacendendo a luz amarela no comitê de gestão do Pacto. Agora, inegavelmente – isso admitido pelos maiores especialistas em segurança pública – o Estado de Pernambuco desenvolve hoje uma política de segurança das mais estruturadas, consistentes e exitosas no país, exportando tecnologia de gestão nessa área e alavancando os projetos nacionais do governador Eduardo Campos.
A maioria dos Estados do Nordeste, inclusive a Bahia – que manteve o mesmo nome do programa – já enviaram emissários ao Estado de Pernambuco para se familiarizarem e adotarem o programa. Alagoas, Sergipe, Paraíba são alguns exemplos que nos ocorrem. São Paulo e Rio de Janeiro – até então campeões do ranking da insegurança no país – com algumas nuances particulares, adotaram programas semelhantes e estão obtendo êxito no processo de redução da violência. O que ocorre na Bahia, Alagoas, Paraná e Paraíba – onde está ocorrendo homicídios até por apedrejamento nas ruas da capital – em última análise, é resultado da ausência de Estado, não apenas pela existência de “zonas de exclusão” controladas por bandidos e traficantes, mas pela omissão na concepção, implantação e acompanhamento de políticas públicas estruturadoras para o setor.
O exemplo mais elucidativo do que estamos falando é o sucateamento da polícia científica. Um quadro desolador, observado em todo o Brasil. Amplas reportagens publicadas pela imprensa nacional denunciaram o descaso do Estado com o assunto. Nós, que sempre acompanhamos a crônica policial – auxiliado por repórteres policiais com os quais tuitamos na rede – ficamos muito feliz ao saber da prisão do principal suspeito da morte da jovem Rebeca, um caso bastante semelhante ao ocorrido com nossas adolescentes Tarsila Gusmão e Maria Eduarda (PE) e Elisa (RN), já abordados em nossos artigos.
Rebeca, uma jovem com apenas 15 anos de idade, foi sequestrada quando se dirigia à escola e encontrada morta numa praia da Paraíba, com sinais de violência sexual, com um tiro na nuca. Não sei quanto tempo ainda teremos de esperar pelos resultados dos exames que estão sendo realizados pela polícia científica daquele Estado, apontando ou não a culpa do principal suspeito. Segundo as últimas informações, o material recolhido teria sido encaminhado para outro Estado, com equipamentos mais atualizados. Vejam como isso embola o meio de campo. Em Pernambuco, por exemplo, as provas contra os kombeiros eram tão inconsistentes – o que não elide a possibilidade de culpa – que qualquer advogado de porta de cadeia conseguiria inocentá-los. Não se provou, sequer, que eles estiveram no local do crime.
O resumo da ópera é o seguinte: Em todos esses casos, a Justiça ainda não conseguiu punir os responsáveis por esses crimes. No caso do Rio Grande do Norte, quatro vidas foram ceifadas e o “Caso Elisa” continua sem solução. Com a notícia da absolvição dos jovens apresentados pela polícia como os possíveis autores do crime, o pai de Elisa passou mal e faleceu. Um irmão de Elisa matou um dos acusados e logo em seguida também foi executado. Uma tragédia.
Quando estive na Bahia, conhecendo a Fundação Pierre Verger – que fica localizada na periferia de Salvador, numa favela conhecida como Vasco da Gama – os turistas só visitam o belo escritório da Instituição, que fica no Pelourinho – fiquei espantado pela absoluta ausência de Estado naquela área. A fundação fica no mesmo local, onde, alguns anos atrás, o fotógrafo construiu sua residência. À época, possivelmente, um local paradisíaco. O lado positivo da sede daquela Instituição naquela localidade é porque ali se desenvolve um trabalho social relevante, atendendo a população empobrecida da comunidade. Em diálogo mantido com um pesquisador americano em visita ao Brasil, um especialista em segurança pública afirmou que ele havia ficado absolutamente espantado com fato de que o Rio de Janeiro conviveu tanto tempo com as “zonas de exclusão”, controladas pelo tráfico de droga. Como isso foi possível? Boa pergunta.
A partir de certo momento, o Estado da Bahia passou a enfrentar os mesmos problemas que vinham ocorrendo em Estados como Rio de Janeiro e São Paulo. O vandalismo praticado por bandidos tornou-se uma rotina. É suficiente relembrar as reportagens de alguns meses atrás, onde os chefes do tráfico ordenaram mortes e depredação de equipamentos públicos.
Ausência do Estado na concepção, planejamento e execução de políticas públicas de segurança consistentes, permanentes e a constituição das chamadas “zonas de exclusão”, isso somados, contribuíram para acender o rastilho de pólvora que deu inicio à greve dos policiais militares naquele Estado, algo que pode se repetir em outros Estados da Federação.
O governador Jaques Wagner vem recebendo todo o apoio do Governo Federal. Inclusive o apoio político, por tratar-se de um governador do Partido dos Trabalhadores, com o prestígio em alta. Recebe elogios da presidente Dilma Rousseff, do líder do partido no Senado Federal, Humberto Costa, e do Ministro da Justiça, Eduardo Cardoso. Passado os festejos de momo – se houver carnaval na Bahia este ano – convém chamar Wagner para uma conversa séria, no Planalto, ainda na tarde da quarta-feira de cinzas. Alguém precisa ter a coragem de colocar o guizo no pescoço do gato. Há assuntos mais urgentes a serem tratados no Palácio de Ondina do que as articulações em torno da candidatura de Nelson Pelegrino à Prefeitura de Salvador, nas eleições de 2012.
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