García Márquez após briga Vargas Llosa, em 1976 (Foto Rodrigo Moya)
Era 12 de fevereiro de 1976, Cidade do México. Dois importantes nomes da literatura latino-americana, o colombiano Gabriel García Márquez e o peruano Mario Vargas Llosa, assistiam juntos a uma sessão privada de cinema. A convivência de nove anos, entretanto, acabou naquela noite, após Llosa dar um soco no olho esquerdo de Gabo.
Iniciada em 1967 na Venezuela, a amizade nunca foi reatada depois do episódio – e os dois não voltaram a se falar até a morte de Gabo, em 2014. Na última quinta (6), após um longo silêncio sobre o assunto, Llosa atribuiu motivações políticas ao rompimento durante um colóquio em comemoração aos cinquenta anos de Cem anos de solidão, na Universidade Complutense de Madrid, na Espanha.
Em diálogo com o ensaísta colombiano Carlos Ganés, o peruano disse que considera a esquerda muito dura com escritores que não aderem ao seu pensamento – e Gabo, em sua opinião, teria apoiado o regime de Fidel Castro em Cuba apenas para não se indispor com a própria esquerda.
“[Gabriel García Márquez] tinha um sentido prático da vida e sabia que era melhor estar com Cuba do que contra Cuba. Assim, se livrou do banho de sujeira que caiu sobre aqueles que eram críticos à evolução da revolução, mais socialista e liberal, para o comunismo”, afirmou o escritor.
Diante da insistência do mediador para que falasse mais sobre o assunto, disse que não tinha mais comentários a fazer e sugeriu que a conversa fosse encerrada.
A hipótese de que ambos haviam rompido devido a discordâncias políticas já era cogitada pelo fotógrafo mexicano Rodrigo Moya, que registrou o olho roxo de Gabo dois dias depois do incidente, em 1976. Segundo ele, na ocasião o colombiano teria dito que Llosa “se somava a ritmo acelerado ao pensamento de direita”.
Biógrafo de Márquez, o jornalista britânico Gerald Martin tem outra opinião. No livro Gabriel García Márquez: uma vida (2010), sustenta que a agressão teve relação a problemas familiares, já que na época ambos moravam em Paris, com suas famílias, e Márquez costumava mediar eventuais conflitos conjugais entre o peruano e sua mulher.
Algo que Gabo teria dito a Patricia, mulher de Llosa, poderia ser o motivo do rompimento, de acordo com Martin. “Isso é pelo que você disse a Patricia” ou “isso é pelo que você fez a Patricia”, são as palavras que Llosa teria dito no momento da agressão.
Durante o colóquio, Vargas Llosa também relembrou as cartas trocadas com Gabo na década de 1960, seu deslumbramento quando leu a narrativa de Macondo, as leituras compartilhadas, os escritores de que gostavam e os encontros e desencontros que tiveram ao longo dos anos de amizade.
“García Márquez não foi um intelectual. Não tinha condições de explicar o enorme talento que tinha na hora de escrever, funcionava mais por instinto, palpite. Dava a impressão que não era consciente das coisas mágicas que fazia, era mais um artista, um poeta”, disse.
Llosa obteve seu doutorado na Universidade Complutense de Madrid com a tese García Márquez: história de um deicídio, uma análise biográfica de 667 páginas de toda a produção literária do autor colombiano até Cem anos de solidão.
(Publicado originalmente no site da Revista Cult)
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