A crise institucional brasileira é parecida como a “caixa de
Pandora”, uma vez aberta começa uma sucessão de escândalos, manobras,
indecências que faria corar o mais sórdido dos integrantes da quadrilha de Ali
Babá. Naturalmente, quando se dá golpe – mesmo com as aparências de legalidade
– com ocorreu com a Presidente Dilma Rousseff, com motivações políticas e
econômicas hoje sobejamente conhecidas, não se espera respeito à lei, a
moralidade pública ou a Constituição. Mas o que vem ocorrendo no cenário
político do país surpreende ao pior dos realistas desencantados com os fatos.
Desde que se abriu o processo de delação e denúncia contra o
atual ocupante da cadeira presidencial, desencadeou-se uma série de episódios
profundamente lamentáveis não só para a combalida saúde republicana, mas para a
credibilidade do povo nas instituições políticas do Brasil. A soltura do assessor
de Temer, a volta do senador Aécio Neves para o Senado e, agora, as manobras
patrocinadas pelo denunciado que levaram à substituição em massa de seus
aliados na CCJ com o objetivo do arquivamento da denúncia, tudo isso em que
mundo estamos vivendo hoje. Curiosamente, na academia a discussão sobre
direitos humanos, a pena, o regime carcerário e o massacre cotidiano de presos,
parece sem importância diante desses escândalos protagonizados pela chamada
“classe política”.
É como se vivêssemos em dois universos paralelos: um o do
Direito, da Constituição, das Normas e Garantias individuais (e seus clientes
preferenciais- “os criminosos de colarinho branco”, onde é sempre possível
achar um amigo no Poder Judiciário e ganhar uma tornozeleira eletrônica na
frente de 4.000 presos “comuns”): e o
outro, dos “corpos infames”, “abjetos”, sem direitos ou garantias individuais.
Um país que suporta – sem se indignar – as cenas de impunidade, cinismos, falta
de vergonha, como esse, não pode dá um tratamento minimamente digno, humano,
justo a ninguém. A não ser esse “rebotalho de iniquidades” que atende pelo nome
de “reforma trabalhista”, com que querem reinstalar a escravidão do trabalho no
Brasil.
Esse abismo, essa distância entre os dois mundos penais e de
direitos e garantias, socava os fundamentos da consciência ética, republicana,
cidadã, em qualquer lugar do mundo. Não pode haver dois marcos legais ou dois
direitos penais para uma mesma sociedade. Ou bem universalizamos essas
conquistas do “garantismo” jurídico e penal, abrangendo todas as pessoas,
independentemente de cor, raça, credo, orientação sexual, gênero etc. Ou
instituímos uma sociedade de castas, de
estamentos, baseada em privilégios, no
dinheiro, nas posições sociais, no capital social e assim por diante.
O que não dá mais para aguentar são as discussões sobre o
justo e o injusto, o certo e o errado,
enquanto aqui – do lado de fora – campeia a desigualdade, o desrespeito, a
humilhanção e acima de tudo, a indiferença.
Como disse o corvo de Edgar Allan Poe, “nunca mais, nunca
mais, nunca mais”.
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD:UFPE.
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