pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO: Crônica: Dois escritores num quarto de pensão.
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sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Crônica: Dois escritores num quarto de pensão.


José Luiz Gomes



Alguns anos atrás, por indicação de um amigo, li o livro de crônicas “Linhas Tortas”, do escritor alagoano Graciliano Ramos. Relutei um pouco, a princípio, por saber tratar-se de um texto não consagrado do escritor alagoano, a exemplo de Angústia, Caetés ou Vidas Secas. Depois, fui convencido por este amigo com a informação de que se tratava de um livro onde o autor faz algumas considerações sobre o ato de escrever. A melhor impressão possível. Gostei tanto que acabei produzindo uma série de outras crônicas, a partir dos assuntos abordados pelo alagoano. Graciliano, como se sabe, era muito exigente com o ato de escrever. Comparava-o ao ofício das lavadeiras, que lavam, enxáguam, batem as roupas nas pedras, voltam a enxaguar até concluírem o trabalho. O livro reúne as crônicas que o escritor publicou em alguns jornais do Estado de Alagoas, possivelmente escritos do início de sua carreira literária. Além dos inúmeros assuntos do cotidiano - algo inerente a qualquer cronista - se sobressaem nesses textos algumas reflexões de Graciliano sobre o ato de escrever, onde ele analisa alguns textos que lhes chegam às mãos, seja de candidatos a escritor ou de escritores já consagrados, como os amigos do círculo literário de Maceió, como José Lins do Rego, Raquel de Queiroz e Jorge Amado. Há poucas referências de publicações de crônicas do escritor Graciliano Ramos. Não nos parece ter sido um gênero com o qual ele guardasse maiores afinidades, diferentemente do conterrâneo José Lins do Rego, que nos surpreendeu pelo número de crônicas publicadas, inclusive crônicas esportivas, não raro com remissões à sua paixão, o Clube de Regatas Flamengo. A lembrança do cronista Graciliano Ramos, no entanto, fez algum sentido depois da leitura de uma resenha literária publicada numa revista comemorativa aos 40 anos de Vidas Secas, aquele livro que é considerada sua obra-prima. Durante o Estado-Novo, em razão de suas ligações com o Partido Comunista, Graciliano amargaria 08 meses de prisão nos porões da Ditadura Getulista, o que implicou, entre outras tantas sequelas, na perda do seu emprego e, assim, nas dificuldades de sustentar sua família. Contou com a ajuda do amigo José Lins do Rego, que teve um visto de entrada nos Estados Unidos negado em razão disso. O paraibano morreu sem nunca ter entrado naquele país, depois de impedido de acompanhar a cerimônia de casamento de uma de suas filhas. Neste período, em São Paulo, dividiu um quarto de pensão com o cronista capixaba Rubem Braga, onde se dedicava a escrever contos para jornais, como forma de superar aquelas dificuldades financeiras. Assim surgiu Vidas Secas, obra onde alguns críticos apontam uma certa “descontinuidade”, em razão da forma como foi escrita. Mas não são todos os críticos que defendem essa tese. Há aqueles que, inclusive, encontram no texto uma profunda sintonia e unidade entre os capítulos. Rubem Braga, este sim, o cânone da crônica brasileira, foi editor de um jornal do Partido Comunista quando esteve aqui no Recife. É o período de maior envolvimento político do escritor capixaba, embora nem ele, tampouco a família gostassem de falar sobre o assunto. Da província, talvez, apenas as lembranças dos sarapatéis compartilhados com Capiba e Gilberto Freyre no Mercado do Bacurau. Ele falava tão bem desse sarapatel que bate até água na boca quando trato do assunto. Um dia desses, não me contive e fui experimentá-lo no templo da gastronomia tipicamente pernambucana, o Mercado de São José. Fico imaginando aqui como teria sido a convivência entre ambos e as possíveis ideias que eles teriam trocados sobre literatura em noites insones. Pelo menos Rubem era um incorrigível notívago. O alagoano talvez fosse mais disciplinado. 

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