sexta-feira, 13 de novembro de 2020
Crônica: O Quinze, uma literatura para cabra macho?
Raquel de Queiroz, assim como José Lins do Rego e Jorge Amado tornaram-se amigos do escritor alagoano, Graciliano Ramos, compondo com este uma espécie de círculo literário, em Maceió, onde se reuniam com regularidade. Quando O Quinze foi lançado, no entanto, Graciliano teve uma reação misógina ao romance, afirmando, numa crônica, que aquele romance não poderia ter sido escrito por uma mulher. Abro aqui o jogo com os leitores e leitoras e afirmo que pesou, certamente, algum ciúme em relação ao seu Vidas Secas.
"Romance de mulher e ainda por cima mulher jovem. Só podia ser um pseudônimo. Raquel era um homem", bradava o autor de Angústia. Graciliano ainda não conhecia Raquel, tornando-se amigos algum tempo depois do lançamento de O Quinze, que foi muito bem recebido pela crítica e pelo público. A amizade entre ambos permitiu não apenas que essas idiossincrasias do escritor alagoano fossem desfeitas, mas também possibilitou a revelação de detalhes sobre a concepção da obra, produzida no chão, de pernas para cima, numa fazenda da família no interior do Ceará.
Neste mesmo contexto, o escritor alagoano faz referência aos inúmeros questionamentos recebidos por ele com críticas a uma literatura “amarga” observada em seus romances. Responde que tal literatura reflete, tão somente, a sua própria experiência de vida, as dificuldades que teve que superar, as adversidades enfrentadas, as agruras do cotidiano. Conclui que sua literatura não poderia estar dissociada dessa realidade. Não apenas em Vidas Secas, mas em Angústia, Infância e Memórias do Cárcere essa característica do autor em estabelecer uma conexão entre a sua experiência de vida com a ficção escrita – não sem alguns contornos biográficos - fica bem evidente.
Aliás, no campo da literatura “amarga”, O Quinze é um concorrente de peso quando se está em discussão as avarezas e sofrimentos do homem nordestino, castigado pelas estiagens da vida na região. Em ambas as indisposições, seja no campo sexista ou literário, essas impressões são logo superadas. Ambos tiveram uma convivência sem sobressaltos no círculo literário de Maceió. Neste período, por ocasião do lançamento de um outro texto da escritora cearense, Caminhos de Pedra, Graciliano se derrama em elogios à autora.
Sempre li uma literatura focada na realidade. Não necessariamente engajada, mas focada, sim, na realidade social e econômica do nosso país, onde surgem sujeitos operários, prostitutas, negros, escravos, homossexuais, personagens que vivem sob condição de miséria ou profunda exclusão social. Não são todos os leitores que gostam desse tipo de literatura, mas há alguns que leem, por entender, de certo, que a miséria é incômoda mas que, num país como nosso, tal problemática estaria refletida nas obras literárias. Há sempre um pouco de indignação e solidariedade naquilo que escrevo e não vejo nenhum problema nisso. Por conseguinte, convém tomar cuidado com os possíveis excessos.
Costumo sempre introduzir umas pitadas de humor naquilo que escrevo, mas a literatura cor-de-rosa não é mesmo comigo. Não me importo em contar que a moenda da usina triturou o braço do negro escravo (José Lins); que os operários da CTP eram mantidos em alojamentos insalubres (José Luiz); que um sujeito meteu a faca até o cabo na barriga do outro (Jorge Amado). Como observa o escritor Graciliano Ramos, em tom de ironia, de fato, os narradores nordestinos estão se dando ao desplante de escrever inconveniências, como relatos de fome, trabalho sob condições desumanas, perseguições, gente magra, injustiças de toda espécie.
José Luiz Gomes da Silva
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