terça-feira, 10 de novembro de 2020
Editorial: Ainda é possível debater o Recife que queremos?
Há alguns anos atrás, com uma antecipação bastante razoável, fiz uma previsão acertada sobre quem seria o novo prefeito do Recife. Isso, naturalmente, provocou a ira dos seus adversários, que fizeram gestões para que o artigo fosse retirado do ar. Tivemos algumas dores de cabeça com o assunto, mas isso hoje já não importa. Com uma antecedência de até dois anos, o blog acompanhava sistematicamente todo o processo eleitoral, numa atitude republicana, informando aos eleitores não apenas o perfil dos candidatos, mas, principalmente, debatendo os problemas da cidade e a plataforma programática de cada candidatura, quando ela existia. Ousávamos até em inferir sobre a avaliação de campanha de cada candidato, um assunto que, confesso, fugia um pouco à nossa alçada. Passados cinco séculos de existência, Pernambuco ainda é governado como uma capitania do período colonial, não ficando infenso à sua ira aqueles cidadãos e cidadãs - seja homem público, jornalista ou blogueiro - que resolver questionar essas relações de poder.
Não há, portanto, um ambiente transparente e republicano, que faculte a esses profissionais emitirem suas opiniões livremente. Que o digam um Aníbal Fernandes - espancado quando chegava em sua residência em boa viagem - ou um Rubem Braga, por diversas vezes ameaçados aqui na província, durante a vigência do Estado Novo. O cronista teve uma experiência tão traumática que nem gostava de falar sobre o assunto, exceto pelo sarapatéis degustados no Mercado do Bacurau, na companhia de Capiba e do sociólogo Gilberto Freyre. Pouca gente sabe disso, mais os cinco meses que Rubem Braga passou aqui na província foi o período de maior engajamento político do cronista capixaba. Certa vez, Cristiano Cordeiro o encontrou com um volume na cintura e quis saber do que se tratava. Rubem não se fez de rogado. É um martelo que uso para prender o terno quando for preso.
Mencionamos alguns exemplos do Estado-Novo, mas, no então estágio de redemocratização nada mudou em relação a isso. Nossa democracia, na realidade, é uma democracia de arremedo, susceptível aos constantes solavancos golpistas e sob a medida dos interesses de nossas oligarquias torpes, abjetas,covardes e entreguistas. Nunca passou de um grande mal-entendido, como afirmava o historiador Sérgio Buarque de Hollanda. Hoje, então, em pleno projeto de implantação de um programa perverso de ajustes neoliberais no continente aí mesmo é que os espaços de debates públicos ficam obstruídos. Assim, a eleição será no próximo domingo e publicamos apenas um editorial sobre o assunto, o que provocou um questionamento de um fiel eleitor, que nos dava a honra de nos acompanhar por aqui. A lista dos blogueiros e jornalistas vítimas de ações persecutórias dessas elites é extensa. Até professores universitários são perseguidos através de processos judiciais, numa clara demonstração de intimidação. A estrutura univeristária omite-se em defendê-los.
Assim, um debate necessário sobre os destinos da cidade que queremos fica comprometido, envolto em picuinhas, trocas de farpas, disseminação de fake news e coisas do gêneros. Uns dizem que vão acabar com os impostos, outros que vão prender os corruptos, construir plataformas de transportes mirabolantes. E a eleição acaba sendo definida não em razão do melhor projeto para a cidade, mas como resultado da candidatura que conta com maiores recursos, um bom marqueteiro, aquele que definiu uma melhor estratágia para o candidato. Há uma candidatura que não conta sequer com o apoio de alguns membros do seu próprio grêmio partidário, que a boicotam para apoiar o nome do candidato de um outro partido. Dar-se a eles o nome de "Queijos do Reino". Eu não seria tão condescendente.
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