pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO.
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quarta-feira, 27 de junho de 2018

Crônica: Uma crônica para Samantha


 

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José Luiz Gomes


Nesses tempos difíceis que enfrentamos - que alia grave crise econômica e institucional - encontrar motivos que nos façam chegar em casa felizes não tem sido uma tarefa das mais simples. São os constantes engarrafamentos no trânsito; são aquelas cenas deprimentes de um contingente de pessoas, cada vez mais expressivo, residindo nas ruas; jovens adolescentes - que deveriam estar nas escolas - vendendo água mineral e pipocas pelas ruas do Recife. Muito improvável mesmo, leitor, que você chegue em casa com aquele sorriso largo no rosto, beije sua esposa e abrace seus filhos, numa atitude natural, prazeirosa, sem aqueles ritos impostos pelas boas regras de convivência social ou afetiva. Não sei se é este o teu caso, mas sou um marido colecionador de papéis velhos, o que nos impõem uma reserva de atenção ainda maior, para convencer  a esposa a nos permitir, ser guardada num lugar especial da estante, como diz o Luiz Fernando Veríssimo, aquela meia usada pelo Cafuringa - jogada na arquibancada e pega por este torcedor -  num jogo decisivo entre o Flamengo e o Fluminense.

Mesmo com o advento da internet, sou um incorrigível colecionador de papéis velhos. Há alguns anos, como ossos do ofício, precisei pesquisar e escrever sobre diversos temas envolvendo a cultura regional. Um belo dia, nos deparamos com uma quantidade expressiva desses escritos e nos perguntamos o que fazer com ele. Foi aí que nos surgiu a ideia de criarmos um site de pesquisa escolar onde seria possível disponibilizarmos esse material para a ajudar a rapaziada em suas pesquisas escolares. O site assumiu um perfil um pouco distinto, na medida em que acabamos publicando ali algumas críticas de exposições, entrevistas, pareceres, artigos, crônicas e alguns trabalhos de pesquisas mais extensos. Se, por um lado, o site apresentava alguns aspectos incomuns aos tradicionais sites de pesquisa escolar - com alguns diferenciais, portanto - por outro lado, isso poderia contribuir para criar um problema de identidade, com alguns contornos de posicionamentos políticos que, possivelmente, geraria algumas arestas com o "outro" lado.    
Mesmo assim, o site foi mantido no ar, exigindo uma reflexão mais apurada sobre o seu conteúdo e, até mesmo, uma atualização mais sistemática - o que ainda não foi realizada -  pois acabamos por dar prioridade ao este blog de política. Descobri que não é assim tão simples manter dois blogs, sobretudo com os padrões de exigências de ambos. A manutenção da audiência de um blog, entre outros fatores, está diretamente relacioanda à sua atualização. Quando saímos de férias, por exemplo, essa audiência cai sensivelmente, pois não mantemos o mesmo padrão de publicações. Mas agora, leitor, quero compartilhar contigo um desses momentos raros de felicidade. Ontem, ao abrir a caixa de e-mail, recebo uma mensagem de uma menina que, pela sinceridade do texto - crianças ainda não são contaminadas com as falsidades dos adultos - não deve ter mais do que 10 anos de idade, a idade de nossa caçulinha, Maria Luísa, que aparece na foto acima, ao lado do irmãozinho.

Samantha, este é o nome dela, nos informa que, a partir de um texto do Pesquisa Escolar do Nordeste, obteve a nota dez numa atividade escolar e, como agradecimento, envia-nos um monte de beijos. Fiquei muito feliz com a sua mensagem Samantha, dedico a crônica de hoje a você, minha querida, cuja sinceridade nos ajudam a superar esses dias bicudos, de tamanha intolerância, onde sua professora, confessa ainda Samantha, deu a nota máxima, mas não deixou de resmungar, possivelmente por não concordar com algum posicionamento do texto, o que a criança não entendeu muito bem. Deixa isso para lá, Samantha. Deve ser uma dessas "coxinhas". Abraços fraternais.  

Cadê a agenda da resposta à crise da economia brasileira que esta aqui?

                                           
Wilson Gomes
                                                                                

Cadê a agenda da resposta à crise da economia brasileira que estava aqui?  Agenda pública e os políticos ignorando a crise econômica (Arte Andreia Freire)

Ali pelo finalzinho de 2014, a conversa política no Brasil girava ao redor da crise da economia brasileira. Uma crise fiscal que se aprofundou aceleradamente, fruto de reiterados equívocos macroeconômicos do governo Dilma, produziu, em cascata, uma série de efeitos sobre a situação financeira das empresas e das famílias. Dívida pública instável, retração dos investimentos privados e públicos, endividamento, queda dos indicadores de renda e emprego.
E, como costuma acontecer nesses casos, estabeleceu-se uma espiral entre política e governo, de um lado, e fundamentos econômicos de outro, de forma que já nem se conseguia mais entender o que era causa e o que era consequência. No caso em tela, a crise econômica brasileira foi causada certamente pelo governo e por suas políticas, mas, ao mesmo tempo, se torna, ela mesma, a causa de uma crise política, uma vez que a quem governa interessa a cooperação de todos para produzir respostas eficazes aos indicadores econômicos, enquanto quem é oposição ao governo quer respostas, sim, mas com um outro governo e, certamente, com uma outra política econômica.
Os problemas políticos da administração Rousseff – que ganha uma eleição em outubro de 2014 negando a crise e começa o governo em fevereiro avisando que há crise, sim, e ela é medonha – vão produzir ainda mais crise econômica. A crise fiscal, somada à fragilidade política da presidente, gera a perda do grau de investimentos, o dinheiro privado desaparece, o dinheiro público já não há, dispara dólar, inflação, juros e a atividade econômica congela. Quando a crise chega ao emprego e à renda, o país entra em surto. O jornalismo vai aos gráficos, números, tabelas, recorre às sonoras de operadores do mercado e de políticos interessados no que a crise lhe podia render, e o nível de angústia vai às nuvens. Este foi o cenário de economia política que levou ao desfecho que conhecemos, entre 2015 e 2016, com o impeachment de Dilma Rousseff. E estes são os fatos, a prescindir do julgamento que se faça sobre a legitimidade do ato, que certamente dividirá a sociedade brasileira ainda por muitos anos.
O que me interessa aqui é registrar como, às vésperas de um novo e decisivo ciclo eleitoral, o tema da resposta política à crise da economia brasileira deixou de ser o centro da vida pública nacional para se tornar uma agenda de nicho, de bolha. Tanto do ponto de vista da oferta quando da perspectiva do consumo eleitoral. O que não deixa de ser assombroso, haja vista o quanto a sociedade e as instituições do Estado brasileiro permitiram que fosse feito, em nome da resposta à crise econômica e em termos de “puxadinhos” e arranjos democráticos, com o mandato da última presidente eleita. Que consistiu, para dizê-lo de maneira honesta e simples, em uma presidente recém-eleita pelo voto popular ter o seu mandato suprimido politicamente em razão de uma crise econômica que o seu governo anterior criou ou, em uma versão que lhe é mais favorável, que o seu governo não foi capaz de responder de forma eficiente.
Pois bem, suspendemos há uma semana as eleições para a Copa do Mundo com uma perspectiva econômica em que a crise continua presente e assustadora, sem que pareçam ter alguma chance eleitoral as respostas que o jornalismo e o debate público sobre macroeconomia nos disseram que eram imprescindíveis. Aumentaram os índices relativos à pobreza e à miséria, o desemprego continua em alta e Temer, escolhido pelo Clube do Saneamento do Ambiente Macroeconômico, sangra e agoniza aos olhos de todos desde meados de 2017. Para completar, recebeu nos peitos a greve dos caminhoneiros, para a qual a única resposta que conseguiu produzir foi exatamente no sentido oposto ao receituário do grupo da agenda da estabilização da dívida pública. De fato, acabou prometendo onerosos subsídios públicos para as empresas transportadoras e intervenção estatal na economia na forma de, pasmem, tabelamento de preços. Às favas controle de gastos, às favas os escrúpulos da austeridade fiscal. Ora, é inegável que isso tenha gerado uma sinalização certamente confusa, vinda justamente do homem que foi retirado do banco de reservas para fazer os gols políticos que a “agenda das reformas” precisava com urgência.
Assim, não deixa de ser ao mesmo tempo irônico e trágico que, às vésperas da largada final da disputa eleitoral, não vislumbremos candidaturas competitivas comprometidas com uma resposta à crise econômica que cobrou do país um preço altíssimo, no que tange ao desordenamento do sistema político e à desconfiguração das regras do jogo democrático. Ou que todos os candidatos competitivos se esforcem para guardar distâncias das respostas que os apologistas da austeridade fiscal e da reforma da Previdência consideram os únicos meios eficientes para o país retomar o crescimento. E é curioso, além disso, quem nem mesmo os mais devotos da causa sequer consideram as candidaturas de Henrique Meirelles (MDB) ou de João Amoêdo (Novo), resignados ante o fato de ambos serem ofertas eleitoralmente ignoradas pelos brasileiros que votarão em outubro. Como Temer não teve coragem de vir à disputa eleitoral defender o seu pretenso legado e a sua agenda sobre “o que é melhor para o país”, os defensores da plataforma veem-se limitados à já inquietante espera de que alguma poção mágica acorde, enfim, Geraldo Alckmin.
Na verdade, a agenda economicista de austeridade e reformas, que se acreditou vencedora quando empossou um presidente sem ter vencido uma eleição com tal plataforma, reduziu-se a apenas mais uma das bolhas em que a nossa já decantada fragmentação política produziu nos últimos quatro anos. A bolha não tem janelas e facilmente se desconecta do mundo, julgando a realidade equivocadamente a partir do próprio ambiente social, cada vez mais homogêneo.
Esta semana, assisti a um painel em que uma “economista-chefe” de fundos de investimentos declarava, com cristalina certeza, que não importa quem seja eleito em 2018, as reformas têm que sair, “porque senão o sujeito não vai terminar o mandato”. Para ela era claro que se o ambiente macroeconômico piorar, por falta de reformas, “vai ter muita gente na rua” e aí, frisou, “é uma questão de terminar mandato”. Achei extremamente revelador da mentalidade economicista por trás da fase aguda da crise política de 2015 a 2016. E que se desconectou da realidade em 2018.
Primeiro, fiquei encantado com a “cool indifference” com as instituições da democracia liberal, coisinhas secundárias como soberania popular manifestada em decisões eleitorais e o respeito a mandatos populares obtidos de forma livre e limpa. É praticamente um “se não gostar, a gente tira de novo”, como se o acontecido com Dilma Rousseff não fosse um feito insólito, anômalo e com uma extraordinária capacidade de desestabilizar o sistema político, como o estamos presenciando agora.
Segundo, é uma amostra embaraçante da certeza típica de quem vive em câmeras de eco ouvindo apenas a própria voz: a convicção de que no fim do dia é a Economia quem acaba dando as cartas e se impõe sobre a política, mesmo que para isso precise passar por cima de uma ou outra das regras do jogo democrático. Lamento pela crença alheia, que não é do meio feitio desrespeitar a religião dos outros, mas não somos governados por um conselho de fundos de investimentos, como desejariam os ultraliberais e como a esquerda tem certeza de que já acontece.
Na democracia, para governar é preciso combinar com os eleitores. E os eleitores parecem, neste momento, terem adotado prioridades muito, mas muito distante mesmo desta agenda. Para o bem ou para o mal. E se em 2016 a maioria da sociedade comprou a ideia de que uma situação extraordinária podia admitir medidas excepcionais, duvido muito que em 2020 estejamos dispostos a recomeçar este ciclo de insanidade, apenas porque não gostamos da política econômica que a maioria escolheu nas eleições de 2018.

(Publicado originalmente no site da Revista Cult)

Charge! Hubert via Folha de São Paulo

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segunda-feira, 25 de junho de 2018

Crônica: As crônicas de Graciliano Ramos



 Resultado de imagem para Graciliano Ramos escrevendo
 José Luiz Gomes


Numa crônica que escrevi sobre o poeta Marcus Accioly, em determinado contexto, comento sobre alguns hábitos curiosos dos escritores no momento de criação. Não nos ocorre haver citado o escritor alagoano, Graciliano Ramos, mas cumpre registar aqui que Graciliano, normalmente, sentava numa escrivaninha repleta de folhas de papel, um candeeiro e uma garrafa de cachaça. Era muito metódico e exigente. Sua carreira literária reservaria, ainda, outros lances curiosos, como o percurso daquele “empurraozinho” inicial, fundamental para deslanchar a carreira de jovens candidatos a escritores. Graciliano era prefeito da cidade de Palmeira dos Índios, localizada na zona da mata alagoana, onde exercia o ofício com um espírito público invejável, coisa rara nos nossos dias, quando o gestor público costuma apoiar-se no cargo que ocupa para auferir toda espécie de vantagens, seja através do emprego de parentes, recebendo propinas, exercendo tráfico de influência... a lista é imensa e eu prefiro, leitor, deixar essa discussão para os nossos editoriais de política.  

Mas, voltando ao homem público Graciliano Ramos, encerro apenas dizendo que ele deixou bons exemplos na gestão da máquina pública, um dado de sua biografia que sempre costumo enaltecer, embora a sua condição de escritor tenha se sobressaído. Aliás, foi como gestor que ele tornou-se escritor. Seus relatórios de gestão chegaram às mãos do editor Augusto Frederico Schmidt, que se interessou bastante pelos escritos daquele prefeito que escrevia tão bem. Estava, segundo ele, no lugar errado. Esses relatórios, encaminhados ao Governo do Estado,  com fatos hilariantes sobre gestões anteriores, foram publicados, criando um vínculo mais efetivo entre o escritor e o editor, o que tornou possível a publicação dos seus livros. Há um livro de Graciliano com o sugestivo título Linhas Tortas, que reúne uma série de crônicas do escritor, publicadas em jornais alagoanos. Tenho lido essas crônicas com regularidade, notadamente, depois que observei que o escritor Raimundo Carrero, em suas oficinas literárias, sempre o recomendava como uma boa leitura para candidatos a escritores.

São crônicas antigas, publicadas em jornais alagoanos, e a primeira parte do livro, não posso deixar de confessar, apesar de grande admirador de Graciliano,  não nos foram muito atrativas. Algumas delas devem ter sidos escritas de afogadilho, para cumprir aquela missão de apenas preencher um espaço determinado do jornal. A segunda parte, quando as crônicas já aparecem com os seus respectivos títulos, aí sim, pode-se falar num mestre na arte da escrita, de onde se entende que Carrero não teria cometido nenhuma estultice em recomendá-lo. Muito ao contrário.  Entremeando as exigências impertinentes do dono do jornal - que ele sequer conhece - para aquela produção diária, conforme já nos referimos, Graciliano tira um tempinho para aprontar das suas, assim como debruçar-se sobre o oficio de escrever, dando conselhos, fazendo considerações que ajudam a construir as linhas tortas de quem se inicia no ofício de escrever. A crônica que li hoje foi justamente sobre aquele incômodo papel em branco e o caboclo naquela Angústia, sem inspiração alguma.  

Quem leu Infância, conhece bem os dramas vividos por Gracialiano Ramos em terras nordestinas, cruzando suas diversas microrregiões, morando em cidades como Quebrangulo, Buíque, Palmeira dos Índios. Uma experiência bem próxima de Vidas Secas, que incluíam surras, palmatórias no processo de alfabetização, humilhações, como em Buíque, quando era obrigado pelo pai a banhar-se num rio infestado de cobras. Numa das crônicas, confessa seu temor em findar os seus dias numa daquelas instituições disciplinares descritas pelo filósofo Michel Foucault, como um hospital psiquiátrico ou uma penitenciária. Por suas ligações com o Partido Comunista Brasileiro, cumpriu alguns anos de prisão na década de 30/40. Voltaremos a falar sobre o velho Graça, quem sabe sobre a sua experiência como prefeito de Palmeiras dos Índios, de onde se sabe coisas interessantíssimas, como a multa aplicada ao próprio pai, por manter animais soltos nas ruas. Prefeito não tem pai, dizia.

domingo, 24 de junho de 2018

Crônica: Literatura de engenho

 
 
 PESQUISA ESCOLAR DO NORDESTE
 
 José Luiz Gomes
 
 
O poeta Marcus Accioly, numa de suas aulas, contou um caso interessante. Numa conversa com a secretária do departamento, teria afirmado sentir falta dos tempos em que vivia no campo. Sentia, na realidade, saudade de bosta, ou seja, daquele bolo fecal característico, produzido pelos bovinos. A moça olhou para ele espantada e teria afirmado. Eu já vi bosta de saudade, mas saudade de bosta...?Assim como o poeta, sou apaixonado pela vida no campo. Não sou um especialista no assunto, mas poucas coisas se comparam a ensinar o pouco que aprendi aos rebentos, dessa geração fast food, absolutamente ignorantes sobre as coisas mais básicas do campo. Que a batata doce, o inhame e a macaxeira são raízes; um pé de colorau, numa referência, claro, à planta urucum; aqueles cajus amarelos que já não existem mais; uma horta bem cuidada, com seus viçosos pés de alface, coentro cebolinho, espinafre; tirar leite da vaca ainda fresquinho e transporta-lo direto para a vasilha para a produção daquele doce de leite, que eles só conhecem industrializados.  

Assim, como seria inevitável, tornei-me um apaixonado pela literatura de engenho. Antes, não fazia muito bem a distinção entre literatura regional ou literatura de engenho. Não estou certo se a distinção é correta, mas gosto do termo, que passei a usar depois da leitura do livro Contando o Passado, Tecendo a Saudade, dissertação de mestrado de Diego José Fernandes Freire, que aborda a construção simbólica do engenho açucareiro em José Lins do Rego. Confesso haver aqui uma fraqueza de Pernambucanidade. Os primeiros representantes dessa literatura são pernambucanos: Hilton Sette, com sua Senhora de Engenho, um livro que é um verdadeiro manual para jovens escritores, muito bem escrito - Seus filhos afirmam que Sette era bastante exigente com ele mesmo - e os primeiros capítulos de Minha Formação, do abolicionista Joaquim Nabuco.


Como se sabe, Joaquim Nabuco viveu seus verdes anos no engenho da família, o Engenho Massangana, localizado no Cabo de Santo Agostinho. Há outro fato importante sobre esse engenho, que, normalmente é negligenciado. No documentário de Eduardo Coutinho, Cabra Marcado Para Morrer, há uma referência ao fato de o líder camponês João Pedro Teixeira, ter trabalhado naquele engenho, enquanto residia em Jaboatão dos Guararapes, possivelmente fugindo dos seus algozes, em Sapé, na Paraíba, onde exercia forte liderança sobre os trabalhadores rurais. 
 


Sejam bem-vindos leitores vietnamitas


Nos últimos meses, precisei fazer algumas intervenções no blog que se refletiram, significativamente, no seu número de acessos. Havia uma série de postagens políticas indexadas que permitiam uma regularidade nesses acessos, houvesse ou não novidades publicadas. Infelizmente, precisamos retirá-las, como medida de prudência, nesses tempos bicudos, de absoluta insegurança jurídica que atravessamos. Todos os dias preciso bloquear e excluir novos "amigos" que desejam nos acompanhar nas redes sociais. Quando vamos observar seus perfis, não há rosto ou são "coxinhas" assumidos, o que significa que estão ali apenas para acompanhar o que publicamos. O país vive um clima de muita animosidade, criada, como se sabe, no contexto do processo que culminou com o afastamento ilegítimo da presidente Dilma Rousseff da Presidência da República, e o estigma ou metáfora do mal - numa expressão da filósofa Márcia Tiburi - atribuindo todos os males aos petistas ou a seus simpatizantes.
 
Os americanos são os maiores leitores do blog. Mas, gradativamente, vamos recuperando espaços, penetrando em países de língua espanhola - que era um gargalo - e no continente asiático, particularmente no Vietnã e na Indonésia. Registre-se aqui, igualmente, para a nossa satisfação, o aumento expressivo de leitores do mundo árabe, particularmente dos Emirados Árabes Unidos. Sejam todos muito bem-vindos.


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Charge! Jean Galvão via Folha de São Paulo

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No Rio, se o crime ordena o toque de recolher, o jeito é dormir na calçada



Sérgio Ramalho


João passou a madrugada do último domingo de abril em claro. A cada novo tiro que escutava, pensava na família, a poucas quadras de distância. A região em que mora em Duque de Caxias, a 25 km do centro do Rio de Janeiro, estava vivendo mais uma noite de toque de recolher, imposto por traficantes de drogas. Ao ser avisado pelos outros passageiros que desceram com ele na estação de trem Corte 8, o garçom preferiu não arriscar e montou um improvisado acampamento no lado de fora da estação.
Os cerca de 40 passageiros que o acompanhavam se dividiram. Parte foi para a casa de parentes, e o resto pernoitou nos arredores da estação junto de João, que voltava do trabalho em um restaurante na zona sul da capital fluminense. A decisão foi comunicada pelos criminosos em uma série de áudios de WhatsApp que correram pelos celulares dos moradores no sábado e no domingo, horas após o assassinato de cinco pessoas em um baile funk na região.
Áudio atribuído a traficantes da Vila Operária, em Duque de Caxias, em que é informado que milicianos da região da Penha, na zona norte do Rio, irão atacar a região do bairro Doutor Laureano, também em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.
Nos últimos 16 meses, ao menos 1,7 milhão moradores de 55 localidades do Rio e de municípios como São Gonçalo, Duque de Caxias, Belford Roxo, São João de Meriti, Itaboraí, Itaguaí, Mesquita e Angra dos Reis tiveram o direito de ir e vir cerceado por grupos criminosos organizados, segundo levantamento realizado pela reportagem com base em dados fornecidos com exclusividade pela ONG Disque-Denúncia. Na cidade do Rio de Janeiro, há registros de casos em ao menos 21 bairros. Ao todo, 10,5 milhões de pessoas moram nesses municípios – e 17% delas convivem com situações de toque de recolher.
The Intercept Brasil ouviu moradores de algumas dessas localidades, onde o toque de recolher passou a fazer parte da rotina. Por motivo de segurança, as pessoas que aceitaram falar estão identificadas com nomes fictícios, caso de João.
“Nunca me senti tão impotente. Estava tão perto de casa, mas não podia seguir até lá para ver minha família, minha mulher e minhas crianças que passaram à noite acordadas em meio ao tiroteio, sem saber onde o pai estava. E eu lá perto, na estação”, conta João, que não tinha créditos no telefone para ligar para a família e só foi escutar os áudios que decretavam o toque de recolher na segunda-feira.
O áudio supostamente disseminado por traficantes da Vila Operária, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, nos dias 28 e 29 de abril, horas após o assassinato de cinco pessoas no final de um baile funk na região, determinando um toque de recolher a partir de 20h. O “bonde” que teria assassinado as pessoas durante o baile seria formado por milicianos que atuam no bairro da Penha, na zona norte do Rio.
Logo que amanheceu, correu para casa. Para alcançar a família ainda teve que passar por duas barreiras feitas pelos traficantes que controlam a localidade.
Os criminosos deram a ordem por meio de três áudios distribuídos no WhatsApp ao longo do dia. Neles, fica clara a preocupação com uma possível invasão de milicianos, citados como responsáveis pelas mortes.
Os paramilitares dominam a parte baixa da localidade, enquanto que nas encostas as regras são ditadas pelos traficantes. Na chacina, cinco pessoas foram mortas, entre elas duas mulheres. Todos surpreendidos por homens com os rostos encobertos.

Do Leme à Baixada

O mapeamento das áreas atingidas por toque de recolher mostra que a prática de limitar o direito de ir e vir de moradores não está restrita a regiões distantes da capital carioca.
No dia 30 de janeiro, um conflito entre facções rivais resultou na imposição de toque de recolher nos morros da Babilônia e Chapéu Mangueira, no Leme, Zona Sul do Rio – bem ao lado de um forte militar. O mesmo aconteceu no Pavão-Pavãozinho, favela atendida por uma Unidades de Polícia Pacificadora e vizinha aos bairros de Copacabana e Ipanema.
O toque de recolher geralmente é imposto por grupos que detém o domínio territorial de determinadas regiões para tentar impedir ataques de bandos rivais. Coordenador do Disque-Denúncia, Zeca Borges, diz que tanto traficantes quanto milicianos adotam a estratégia para impor medo aos moradores e, com isso, diminuir ao máximo a movimentação de pessoas nas ruas à noite.
Áudio atribuído a traficantes da Vila Operária, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, declara guerra a milicianos, cita a morte de inocentes na chacina ocorrida no bairro em 28 de abril e afirma que os milicianos levaram dois integrantes do bando para a favela Vila São Luiz, também em Duque de Caxias, onde foram espancados.
Borges reclama que, apesar do grande número de denúncias, o governo faz pouco ou quase nada para mudar a situação. “Ao denunciar, o cidadão faz sua parte, mas nem sempre as autoridades têm qualquer apreço pelo clamor das denúncias.”
A imposição de toque de recolher também levou o comerciante Lúcio a desistir de voltar para casa na Praça Seca, na zona oeste do Rio, na noite de 28 de março. Ele e a família vivem numa das ruas de acesso à comunidade Bateau Mouche, região em que conflitos entre traficantes e milicianos fazem parte da rotina.
“Eu estava para fechar a loja, quando minha mulher ligou para dizer que os vizinhos estavam recebendo mensagens ameaçadoras por WhatsApp. Geralmente, começa assim. Alguém espalha áudios com o alerta de toque de recolher. Liguei para o 190, mas a PM só foi à comunidade no dia seguinte. Passei a noite na loja preocupado com minha família. Se isso não é o mesmo que viver num país em guerra, então não sei o que é”, desabafa Lúcio.
Especialista em segurança, Vinícius Domingues Cavalcante compara a imposição de toque de recolher por criminosos ao terrorismo.
“O toque de recolher é uma medida que pode ser adotada pelo Estado em situações excepcionais. Já o crime organizado, seja tráfico ou milícia, quando lança mão da medida o faz para mostrar que têm poder e domínio territorial. É uma tática de guerrilha, que impõe medo e terror na população”, diz Cavalcante, diretor da Associação Brasileira de Profissionais de Segurança.
Procurada pela reportagem, a Polícia Militar do Rio informou apenas que também compila dados sobre ocorrências de toque de recolher, mas não forneceu as informações tampouco se posicionou sobre as denúncias registradas pelo Disque-Denúncia. A Secretaria de Segurança do Estado respondeu que iria elaborar um posicionamento a respeito da situação, mas não se manifestou até a publicação desta reportagem.
 
(Publicado originalmente no site Intercept Brasil

Le Monde Diplomatique: Aos cuidados dos proprietários de terra

Com 235 deputados de 513 no total, e 27 senadores de 81, a bancada ruralista se mostra bastante empreendedora. De sua autoria estão iniciativas que aumentariam a violência no campo se aprovadas: um projeto de lei legalizando o porte de armas por produtores rurais; outro que propõe inscrever o MST e outros movimentos de trabalhadores do campo na lista de “organizações terroristas”
Uma grande reunião acontece todas as terças em uma linda pousada de um bairro de alto padrão de Brasília. “É um almoço e o menu muda toda semana”, explica o encarregado de comunicação da “bancada ruralista”. No cardápio não estão petiscos ou menu degustação, e sim temas que esse grupo de latifundiários do Parlamento discutem em sala fechada para, em seguida, levar ao Congresso ou ao Palácio do Planalto.
“É exatamente isso: eles discutem com qual molho vão devorar os direitos indígenas ou a reforma agrária”, ironiza Alceu Castilho, responsável pelo De Olho nos Ruralistas, um observatório da indústria agroalimentar no Brasil. Desde a chegada de Michel Temer à Presidência em 2016, a bancada parlamentar ganhou uma influência inédita. O mérito? Ter contribuído com metade dos votos do Congresso que destituíram a presidenta Dilma Rousseff. Confrontado com uma impopularidade abissal (menos de 5% dos brasileiros se dizem satisfeitos com seu governo), Temer não conseguiria se manter no poder sem o apoio dos ruralistas. E de fato o presidente é convidado com frequência para o almoço de terça.
Nestes dois anos, “o presidente tem nos atendido plenamente, isso é verdade. Mas ainda há muitos obstáculos para superar”, avalia João Henrique Hummel, diretor do Instituto Pensar Agro, o anfitrião desses almoços. Pensar Agro é um “think tank sem fins lucrativos” que agrupa as quarenta principais organizações agrícolas no Brasil, todas também desprovidas de “fins de lucro”, ressalta Hummel. O instituto financia as atividades do grupo parlamentar ruralista, elabora propostas e analisa os projetos de lei desse campo. Em relação aos “obstáculos”, Hummel relembra “duas recuadas de Temer” nestes dois anos. A primeira vez quando renunciou à diretriz de abolir a qualificação de “trabalho escravo”, conforme a reivindicação dos ruralistas. Em nome dessa qualificação, em 2017, o Ministério do Trabalho liberou 2.264 trabalhadores de 165 empresas que os mantinham em “condições análogas à escravidão”, notadamente em latifúndios. A segunda vez foi quando tentaram liberar a mineração em uma das reservas amazônicas mais importantes, a Renca. Ambas as vezes, a pressão internacional forçou o recuo. Uma pena para os amigos de Hummel, que se consolam em constatar que o presidente satisfez treze dos dezessete “temas prioritários” que pautaram no Congresso.

Essa lista de “reclamações” compreende em primeiro lugar os entraves à expansão territorial do agronegócio, em particular na Amazônia. A palavra-chave dos ruralistas nesse campo é “flexibilização”: a das análises preliminares das concessões de exploração (sejam de mineração ou agrícolas), mas também a da obrigação de realizar estudos de impacto ambiental.
Também reivindicaram uma lei que permita às empresas estrangeiras adquirir terras sem limitações – o que foi, de fato, implementado – e desejam que os “entraves históricos” aos seus negócios sejam suprimidos, entenda-se: os direitos indígenas e de comunidades quilombolas, além da obrigação por parte do Estado de empreender uma reforma agrária diante da desigualdade da propriedade das terras no Brasil. Vitória: não apenas o governo Temer propôs uma reforma constitucional visando à mudança das regras de demarcação de terras indígenas de comunidades quilombolas, mas também amputou o orçamento de dois organismos públicos essenciais, o Instituto Nacional de Colonização e da Reforma Agrária (Incra) e a Fundação Nacional do Índio (Funai).
Desde sua chegada à Presidência, Temer suprimiu o Ministério do Desenvolvimento Rural, que desenvolvia políticas favoráveis aos pequenos agricultores. Uma nova lei limita a reforma agrária e prevê a regularização de terras adquiridas a um preço bem inferior aos praticados no mercado – prática histórica entre os latifundiários. “Essa lei é uma grande derrota para a democratização da propriedade da terra”, resume Julianna Malerba, doutoranda em Planejamento Urbano na Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Ela muda completamente as regras e provoca uma concentração ainda maior. Além disso, permite anistias fiscais e reduções de dívidas aos latifundiários”, pontua.
Há dois anos, o ministro da Agricultura é “o maior dos ruralistas”: Blairo Maggi, conhecido no Brasil como “rei da soja”, proprietário do grupo Amaggi e maior produtor mundial da commodity, citado no Panama Papers por ter montado com o grupo Louis-Dreyfus uma empresa super-rentável nas Ilhas Cayman. “Esse governo suprimiu toda a regulamentação ambiental para a agricultura, de sementes transgênicas a inseticidas”, explica Carlos Frederico Marés de Souza Filho, professor de Direito Agrário da PUC-PR. “E o enquadramento legal já era limitado. A lei permite, atualmente, o uso de pesticidas proibidos em seu país de origem.”
Com 235 deputados de 513 no total, e 27 senadores de 81, a bancada ruralista se mostra bastante empreendedora. De sua autoria estão iniciativas que aumentariam a violência no campo se aprovadas: um projeto de lei legalizando o porte de armas por produtores rurais; outro que propõe inscrever o MST e outros movimentos de trabalhadores do campo na lista de “organizações terroristas”…
Os ruralistas também dirigiram duas comissões parlamentares de inquérito (CPIs) sobre o Incra e a Funai. Essas comissões pedem que a justiça investigue 96 pessoas (antropólogos, responsáveis de ONGs nacionais e internacionais, procuradores, juízes etc.), acusadas por eles de “fraudes na demarcação e homologação de terras indígenas”. “O Poder Judiciário tem uma grande responsabilidade nos processos de criminalização dos movimentos sociais”, inquieta-se Layza Queiroz Santos, advogada do Comitê Brasileiro de Defesa dos Direitos Humanos. “Se a relação de forças entre progressistas e conservadores não se equilibrar no Congresso que será eleito este ano, a violência no campo vai recrudescer.”
Enquanto o governo Temer se abre para o agronegócio, quase 4 milhões de camponeses permanecem sem terra no Brasil, em um território com 66 mil latifúndios improdutivos, que representam 175 milhões de hectares (uma área um pouco menor que a do México, que tem 196 milhões de hectares). “E esses números são estimados para baixo”, ressalta Marés de Souza Filho. “Os critérios que medem a produtividade datam de 1975. Se a miséria dos camponeses não for levada em conta, os conflitos vão se radicalizar.”
O número de brasileiros que vivem em estado de extrema pobreza aumentou em 11,2% entre 2016 e 2017, passando de 13,34 milhões para 14,83 milhões de pessoas – sujeitos que jamais participam do almoço de terça-feira.

*Anne Vigna é jornalista.

(Publicado originalmente no site do jornal Le Monde Diplomatique Brasil)

sábado, 23 de junho de 2018

Editorial: A metáfora do mal

 

Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula
 
  
A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva realiza um grande esforço no sentido de viabilizar o relaxamento de sua prisão, assim como assegurar sua candidatura nas próximas eleições de 2018, se elas, de fato, ocorrerem. Ainda ontem, segundo vazou, forças do obscurantismo e dos estertores da politica nacional estiveram reunidas secretamente, para tratarem de assuntos de natureza, certamente, nada republicanos. Diante de inúmeras refregas, Lula reforçou o seu staff de advogados de defesa, incluindo no elenco o ex- ministro do STF, Sepúlvida Pertence. Esperava-se, portanto, que as coisas pudessem melhorar para o ex-presidente, notadamente em razão da experiência, capilaridade e incontestáveis saberes jurídicos do ex-ministro. Isso, infelizmente, não está ocorrendo.

Os críticos insistem que o problema é de natureza técnica, ou seja, falta uma argumentacao jurídica convincente. Nós aqui continuamos batendo na tecla da natureza política do julgamento das ações que envolvem o ex-presidente, não existindo, assim, argumentos jurídicos capazes de demover essa lógica. É aquilo a que a filósofa Márcia Tiburi identifica como a metáfora do mal, ou seja, demonizar o PT e os petistas, associando a eles todas as mazelas nacionais. O grande inimigo identificado é o lulopetismo. É contra essa metáfora que se insurge a filósofa Márcia Tiburi. Marcia, até recentemente esteve filiada ao PSOL. Dizem que esta identidade com Lula, assim como o seu propósito de se contrapor à metáfora do mal é o que a levou a não apenas deixar a agremiação psolista e filiar se ao PT, mas igualmente apresentar sua candidatura ao governo do Rio de Janeiro, nas próximas eleições previstas para 2018.

Quem acompanha o blog, já leu muitos artigos da filósofa, aqui publicados com certa regularidade. Não apenas nos afinamos com suas posições, mas acreditamos e torcemos pelo êxito de sua candidatura, identificada com os anseios de republicanismo e cidadania hoje tão ausentes na arena carioca, dominada, há anos, por uma trupe de fazer inveja ao Al Capone. No seu último artigo aqui publicado, por exemplo, ela comenta a morte do jovem Marcos Vinicius, assassinado na favela da Maré, quando voltava do colégio, numa ação desastrada das forças policiais. Um Estado que mata, quando deveria proteger e oferecer as condições de cidadania aos jovens. Na jugular, Márcia. 



Crônica: O mais belo pôr do sol da Bahia


 
 
José Luiz Gomes 

Num Estado imenso e com um litoral tão extenso, talvez possamos cometer por aqui algum disparate ao se propor à tarefa de identificar o mais belo pôr do sol baiano. Melhor seria reduzir esse universo para salvador e, ainda assim, isso não nos impedem de cometermos alguma injustiça, omitindo alguns outros lugares, na opinião de quem nos lê, bem mais interessantes para se curtir um pôr de sol, em boa companhia, num final de tarde.  Vocês podem imaginar como o sol se põe em Itapuã, antigo reduto do poeta Vinícius de Moraes? Ou mesmo no complexo de praias de Itacaré, Porto Seguro, Arraial D'Ajuda, na Ilha de Itaparica, que dizem ser belíssimo? Difícil mesmo ranquear esse fenômeno da natureza. Mas, em relação a salvador, leitores, acredito que possamos fazer algumas indicações importantes sobre o assunto. Comecemos pelo pôr do sol do monumento da cruz, ali no Pelourinho, nas proximidades do prédio da prefeitura e do elevador Lacerda, que permite uma vista maravilhosa da Baía de Todos os Santos, na cidade baixa. É um dos preferidos da rapaziada porque, além das belas imagens possíveis, é também um espaço para troca de afetos.  
 
Um outro por do sol concorrido é aquele observado a partir do mirante do Solar do Unhão, onde funciona o MAM - Museu de Arte Moderna da Bahia. É um local bastante atraente. Não apenas pelo visual, mas pelo riquíssimo acervo de arte moderna que aquele espaço comporta. Fica relativamento perto do Mercado Modelo, há seis reais de Uber. O grande problema, no momento, e que ele está passando por reformas, o que impede de ver a totalidade do acervo, além da desativação temporária do mirante. Existe um outro local, conhecido como Ponta de Humaitá, que fica um pouco mais distante do centro de salvador, uma região belíssima, mas que exige um certo cuidado em razão do evidente descaso do poder público. Tornou-se um espaço relativamente degradado, sendo recomendado a visita apenas nos finais de semana, quando o espaço é bastante frequentado. Existe um porto no local, as pessoas que para tiveram a oportunidade de conhecer são enfáticas em apontarem como um dos melhores locais para acompanhar o pôr do sol, de preferência tomando uma cerveja bem geladinha.  
 
Agora, vamos para o melhor pôr do sol de salvador. Aquele que todo soteropolitano recomenda aos visitantes, informando-os que, se você foi a salvador e não o acompanhou, não foi à capital baiana. Estamos falando do pôr do sol do Farol da Barra, um dos pontos turísticos mais concorridos da cidade. Como se trata de um local bastante aprazível, as pessoas estão por ali desde as primeiras horas da manhã. Acompanhar o pôr do sol é uma espécie de saideira. Mas ali pelas 04:00 horas da tarde inicia-se uma romaria para um espaço ao redor do farol onde é possível  contemplar o lindo pôr do sol. Vai cedo para assegurar um lugarzinho, evitando o embaçamento da vista, pois o local é bastante visitado. O pôr do sol do Forte de São Marcelo, no momento, é um grande concorrente da Barra, mas exige uma pequena travessia pelo mar, o que já interdita a presença de algumas pessoas. A elite e a bagaceira acabam se encontrando mesmo é na Barra.
 

 




sexta-feira, 22 de junho de 2018

Charge! Nani

Segurança para quem? Reflexões sobre o Estado de extermínio

                                          
Marcia Tiburi

Segurança para quem? Reflexões sobre o Estado de extermínio                                                                              
Foto vencedora do Prêmio Vladimir Herzog (2002) clicada por Nilton Claudicio da Silva na Maré (arte revista CULT)

Marcos Vinicius da Silva, um menino de 14 anos, morre na favela enquanto se dirige à escola. Ele é atingido no abdome por uma bala. A bala vem da horizontal. À sua mãe, Bruna da Silva, ele conta que viu quem atirou nele um pouco antes de morrer.
No velório, a camiseta do uniforme torna-se uma bandeira nas mãos dessa mulher que, como todas as mães moradoras de comunidades atingidas pela violência sem igual e intensificada desde a cruel intervenção militar no Rio de Janeiro, faz muitos sacrifícios para que seus filhos possam ter uma vida de esperança.
Ela sabe, e todos sabem, que a morte de Marcos Vinicius enquanto ia à escola é uma metonímia da sociedade atual. A parte que vale pelo todo. Em palavras simples: quando e onde o Estado deveria proteger os jovens, dar-lhes um futuro por meio da escola, ele lhes dá a morte. Essa não é apenas mais uma contradição social – é a barbárie, um nome arrumado para explicar o que é o inferno.
É o inferno. É muito mais do que triste ver a vida desse jovem estudante interrompida e tantas vidas destruídas em uma guerra insana, delirante e interesseira para quem alimenta o medo e transforma a segurança em mercadoria. E tudo faz crer que não se trata apenas de que a vida das pessoas não importe, que o Estado não se preocupe com elas – o que já é em si mesmo algo terrível -, mas trata-se também de que as vidas de pessoas marcadas como negras que vivem em favelas devem ser exterminadas. Esse é o ponto onde fica evidente o jogo entre racismo e capitalismo. Os indesejáveis devem morrer.
Vivemos um genocídio que não tem fim, um genocídio patrocinado há muito tempo pelo Estado e que usa os próprios homens negros, na posição de soldados ou policiais para fazer o trabalho infeliz de matar. Qualquer governante, de direita ou de esquerda, que não interromper esse processo ficará para a história como um genocida.
Hoje, nas favelas cariocas, há esse “helicóptero-caveirão” que sobrevoa os territórios imprimindo o terror. O caveirão, para quem não conhece, é o nome popular do carro blindado usado pelo batalhão da polícia para operações em favelas. Um verdadeiro pavor para crianças, mas também para adultos que são submetidos a essa presença.
Mas há também o homem, o cidadão comum, funcionário do governo, que descarrega a metralhadora sobre a população sem medo de matar alguém. Falo em medo porque qualquer pessoa que valorizasse a vida e a responsabilidade de seu trabalho no campo da segurança deveria cuidar do que faz. O agente da matança pode alegar, como os carrascos nazistas, que apenas seguem ordens. E isso não deixa de ser verdade, por mais que aniquile completamente a perspectiva ética. Mas o que é “ética”quando se trata da queda na barbárie?
Todos sabem, além de tudo, que esse homem que opera a metralhadora deve sentir raiva do lugar que ele ataca. E, contraditoriamente, ele opera a arma com frieza. Foi ensinado a ser frio quando deveria ter sido formado para ser responsável. A raiva é possivelmente o efeito de uma projeção. O lugar que ele ataca deve ser muito parecido com o lugar de onde ele mesmo vem. Esse homem que mata os filhos dos outros também tem filhos. Esse homem que mata recebe também um salário de fome. Esse homem que mata pertence ao mesmo mundo no qual ele descarrega a sua metralhadora. Para quem opera a máquina, tanto faz quem vai morrer, há quem pondere. É um mandamento do Estado exterminador.
O número de tiros ajuda a entender o horror: 59 são os sinais que ficam no chão. Uma escrita da morte nas páginas cada vez mais ensaguentadas das favelas. Outros param nos corpos daqueles que foram marcados para morrer por um sistema de extermínio. Não podemos esquecer de Marielle Franco, morta com 4 tiros na cabeça, símbolo do genocídio contra o povo negro, da favela, das mulheres, das pessoas LGBTs.
As notícias que vêm da favela são diferentes das que vêm do jornal. Conta-se que há muito mais gente assassinada nesse processo de extermínio, mas as pessoas têm medo de denunciar, medo de mais mortes. Enterram seus mortos em silêncio.
Nesses momentos é triste perceber a insistência brasileira em desqualificar e até criminalizar as vítimas. Toda vida importa. A morte precoce é uma tragédia seja de um adolescente que vai para o colégio, de um policial ou de uma pessoa acusada por um crime. Nas democracias, a vida é um direito inegociável.
A morte para o povo é o que resta na nossa falsa democracia. O Estado que deixa morrer também manda matar. O Estado que deveria cuidar dos cidadãos torna-se seu assassino. Essa é a realidade que é preciso mudar. Diante desse cenário, precisamos de um exercício de reflexão intenso para entender o país em que vivemos. Um país no qual contradições sociais estão escandalosamente expostas. O sofrimento de pessoas totalmente inocentes não entra nas estatísticas e não importa a quem está no poder.
Mudar isso é uma tarefa de todos nós.

(Publicado originalmente no site da Revista Cult)

Crônica: De que adianta se o Recife está longe, a saudade é tão grande...





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José Luiz Gomes



Que eu até me embaraço. Umas das melhores satisfações de quem escreve é o feedback dos seus leitores. Quando publicava meus artigos de politica num jornal local, fazia questão de responder a todos que comentavam o assunto, inclusive a um deles que atendia pelo codinome de Lins, que hoje se sabe tratar-se uma pessoa escalada para bater deliberadamente nos críticos de um grupo político do Estado. Tenho um profundo respeito por esses comentários, que, críticos ou elogiosos, sempre nos ajudam no sentido de corrigir algumas imperfeições do texto, dos argumentos expostos, equívocos de informações. Por outro lado, isso também se constitui num indicador da capacidade de convivência democrática de quem escreve.

Quando tinha apenas 08 anos de idade, Gilberto Freyre, de acordo com os seus biógrafos, abandonou o bairro de Apipucos, onde vivia, e fugiu para Olinda. Depois, já adulto, escreveria um guia sentimental da cidade. Estas são as únicas informações sobre este episódio na vida do autor de Casa Grande & Senzala. Ocorreu lembrar desse episódio depois de ler, numa revista de circulação nacional, uma descrição apavorante - este é o termo - sobre o Rio Capibaribe. Ora, em épocas passadas este rio ganhou até homenagem em poema do poeta Manuel Bandeira, amigo de Gilberto Freyre. Mas, as homenagens ao rio não se limitaram ao poema de Manuel Bandeira. Grandes compositores o incluíram em suas canções, por tratar-se de um rio que se confunde com a própria cidade do Recife. Numa de nossas últimas crônicas, afirmamos que a música Recife Manhã de Sol do compositor J. Michiles, era a cara do Recife. Uma leitora discordou e a crônica de hoje é dedicada a esta leitora. 


Na realidade, ela nos critica por termos escolhido a música do J.Michiles como a música símbolo em homenagem ao Recife. Não creio ter cometido aqui alguma injustiça, leitora, embora compreenda que as músicas e os autores citados, de fato, produziram verdadeiras obras-primas em homenagem à Veneza brasileira. Tem coisa mais linda do que ouvir um Frevo nº03, de Antônio Maria, por exemplo:

Sou do Recife
Com orgulho e com saudade
Sou do Recife
Com vontade de chorar
E o rio passa
Levando barcaça
Pro alto do mar
E em mim não passa
Essa vontade de voltar
Recife mandou me chamar
Capiba e Zumba
Esta hora onde é que estão?
Inês e Rosa
Em que reinado reinarão?
Ascenso me mande um cartão


Rua antiga da Harmonia
Da Amizade, da Saudade e da União
São lembranças noite e dia
Nelson Ferreira toque aquela introdução


Ou mesmo o Frevo nº 02, do mesmo Antônio Maria, na voz de Maria Betânia.

Ai, ai, saudade
Saudade tão grande
Saudade que eu sinto
Do Clube dos Pás, dos Vassouras
Passistas traçando tesouras
Nas ruas repletos de lá
Batidas de bumbo
São maracatus retardados '
Que voltam pra casa cansados
Com seus estandartes pro ar
Quando eu me lembro
O Recife tá longe
A saudade é tão grande
Eu até me embaraço
Parece que eu vejo
O Haroldo Matias no passo
Valfrido e Cebola, Colasso
Recife tá perto de mim
Saudade que eu tenho

São maracatus retardados
Que voltam pra casa cansados
Com seus estandartes pro ar



São coisas assim que nos emocionam bastante leitora. Até te entendo, amiga, mas a escolha do Michiles não foi absolutamente injusta. 

 

Vejo o Recife prateado
À luz da lua que surgiu
Há um poema aos namorados
No céu e nas águas dos rios
Um seresteiro, um violão
Anunciando o amanhecer
Um sino ao longe a badalar
Recife inteiro vai render
Ave Maria ao pé do altar

Bumba-meu-boi, Maracatu
Recife dos meus carnavais
Não vejo mais sinhá mocinha
Á luz de um lampião de gás
És primavera dos amores
Do horizonte és arrebol
Vai madrugada serena
Traz delirante poema
Recife manhã de sol




quinta-feira, 21 de junho de 2018

Crônica: Hotel Reis Magos

 


 
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 José Luiz Gomes
 
 
Ontem, publicamos por aqui uma crônica sobre a cidade de Serra Branca, na região do Cariri paraibano, onde, nessa época do ano, é realizado o melhor São João do mundo, com um autêntico forró pé de serra. Dizia por ali, tratar-se de uma grande bobagem entrar nessa briga entre Caruaru e Campina Grande. E olha que Serra Branca é apenas um desses redutos. Existem outros, como Bananeiras e Areia, por exemplo, apenas para ficarmos nos exemplos paraibanos. Eu não vou afirmar aqui que choveram pedidos de informações dos internautas sobre a cidade de Serra Branca. Iria parecer que desejávamos super dimensionar o alcance do blog. Mas surgiram, sim, alguns leitores interessados em passar os festejos juninos naquela cidade, e, como tal, por não conhece-la ainda, ansiosos por algumas informações. No rodapé da página, informo a esses leitores como chegar até à cidade, através do meu precário GPS  e aproveitar seus melhores momentos ali. Havia esquecido até de um detalhe: o calendário dos festejos deste ano permite conhecer a feira da cidade, que ocorre no sábado. Não preciso dizer para vocês o que significa uma feira de interior.
 
Por falar em GPS, hoje resolvi voltar do trabalho através de uma dessas conduções oferecidas pelos aplicativos. Conversa vai, conversa vem, descubro que o motorista já morou em Natal, cidade que devo visitar nos próximos dias, para falar sobre um dos seus filhos mais ilustres: o folclorista Luís da Câmara Cascudo. O cara nos deu várias dicas sobre a cidade, seus bairros, seus bons restaurantes, seus equipamentos culturais, suas melhores praias. Já conhecia Natal, inclusive de uma época em que o hotel Reis Magos ainda estava em funcionamento. Já se vão longos anos, diriam os leitores. E vocês tem razão. A praia dos artistas, que já  foi o perímetro urbano mais badalado  de Natal, entrou em declínio com a construção da via costeira, que praticamente redirecionou os equipamentos de hospedagem e tudo o mais para a praia de Ponta Negra.

Mas, nos seus tempos áureos, a Praia dos Artista recebeu este nome em função do grande contingente de artistas nacionais que frequentavam o local. O Israel, motorista do aplicativo, nos informou, por exemplo, que Roberto Carlos era um assíduo frequentador daquele badalado point, onde se hospedava no Hotel Reis Magos. A decadência foi rápida. Os equipamentos de hospedagem hoje são precários e tornou-se um local inseguro, constituindo-se quase uma aventura fazer uma visita ao Forte dos Reis Magos. Durante a realização da Copa do Mundo de 2014, chegou a ser cogitada a reabertura do hotel Reis Magos, mas, por algum motivo o projeto não foi concretizado. Ao contrário, hoje se pensa seriamente em demoli-lo, com o sinal verde até do Ministério Público.  Hotel foi construído em 1965, com recursos do Estado do Rio Grande do Norte e da famigerada Aliança para o Progresso. Salvou a festa a orquestra do maestro pernambucano Nelson Ferreira.

Feito esses reparos políticos, no entanto, trata-se de um ícone da arquitetura modernista da região. Por outro lado, também foi um marco importante na consolidação do turismo regional. Há um movimento que se contrapõe à demolição daquele equipamento, intitulado #(R)existe Reis_Magos, que tem se mostrado bastante ativo nas redes sociais. Eles argumentam, por exemplo, que não existe um laudo técnico apontando comprometimento de sua estrutura física. O Reis Magos era um excepcional equipamento por dentro e por fora. Os quartos eram espaçosos e arejados, as camas daquelas que o caboclo só precisa  dar o primeiro impulso, se é que vocês nos entendem. Como naquela época, ainda não existia esse tal de Wi-Fi, o que curtimos mesmo no local foi essa boa cama para as estripulias que ainda são permitidas aos mais jovens, um bom banho em sua famosa piscina e uma farofa d'água com carnes de carneiro e guiné. Ainda hoje, quando pensamos no assunto, a boca enche d'agua...

quarta-feira, 20 de junho de 2018

Crônica: O maior forró pelo que eu ouvi dizer é o de Serra Branca você pode crer





José Luiz Gomes


Todos os anos, durante os festejos juninos, trava-se uma verdadeira batalha de comunicação entre as cidades de Caruaru e Campina Grande, no sentido de se saber quem realiza o maior São João do mundo. No geral, na realidade, essas duas cidades realizam, de fato, grandes festejos juninos, embora hoje já bastante descaracterizados, em razão das atrações que se apresentam nesses eventos, sem qualquer identidade cultural com as tradições de um autêntico forró pé de serra. São os safadões da vida, que estão em todas. Do Have Metal ao velório. Não faz muito tempo, li uma postagem numa dessas redes sociais, onde o internauta citava todas as atrações de uma dessas festa, para depois perguntar: É isso que eles chamam de forró? É coisa para deixar o Ariano irritado, numa de suas aulas espetáculos, hoje ministradas num outro plano.
 
Não vou aqui me colocar como quem deseja estragar seu rala bucho, mas convém ficar atento, sim, em relação à sua segurança. A cidade de Caruaru rendeu mais de uma matéria em jornais do sul, e não foi por sua grande festa de São João, mas pelos altos índices de violência. Campina Grande vai no mesmo diapasão, uma vez que são cidades que guardam muitas semelhanças e essas semelhanças, infelizmente, também convergem no quesito insegurança, notadamente em algumas modalidades de delitos, como crimes violentos contra a vida, assim como assaltos e roubos de vans que transportam sacoleiros.
 
A confraria, todos os anos, procura fugir um pouco desses eventos estilizados, escolhendo outros espaços que, não raro, oferecem condições de diversão até melhores nessa época do ano, como é o caso, por exemplo de Serra Branca, a rainha do Cariri paraibano. A cidade, normalmente, se prepara muito bem para receber os visitantes nesse época do ano. Seu centro é relativamente pequeno: uma praça e uma torre de igreja, dessas que ofereciam as condições ideais para os ataques do bando de Lampião. Mas, a cidade também oferece os seus "escondidinhos", ou seja, espaços menos concorridos, onde se pode ficar mais à vontade, como um bom restaurante de comidas regionais, localizado em seu perímetro essencialmente rural, bem próximo à famosa pedra branca que dá nome à cidade.
 
Ali se come bem, se dança ainda melhor, no zabumba de um autêntico forró pé de serra até altas horas da madrugada. É chililique, chililique, chililique, da poeira levantar. É chililique, chililique, chililique, da poeira levantar.Se a gente quer um repique, o cabra no zabumba dá, Trio Nordestino. É para lá que vai a turma da Confraria. Arnaldo já bateu o martelo e, quando Arnaldo decide, está decidido.

P.S.: O título da crônica acima é uma licença poética da letra da música do Trio Nordestino. Serra Branca está localizada a pouco mais de uma hora de viagem da cidade de Campina Grande. Uma hora e trinta minutos para os mais prudentes. Você chega até lá pela BR 412 ou pela PB 138, esta última melhor conservada. Do lado esquerdo da igreja há uma placa indicativa sobre a rota que se deve tomar para se chegar ao restaurante que fica bem próximo à grande pedra que dá nome a cidade. É lá que tudo acontece.

 
 
 

Charge! Renato Aroeira

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terça-feira, 19 de junho de 2018

Crônica: Luís da Câmara Cascudo


 Imagem relacionada

 José Luiz Gomes


Essas redes sociais...leitores! Um pernambucano, na Copa da Rússia, acha de fazer gracinha com uma jovem e já existem milhões de brasileiros e brasileiras não apenas condenando a sua atitude, mas pedindo que a sua manifestação explícita de misoginia seja severamente punida. Há algum tempo mantenho um blog de pesquisa escolar onde publicamos alguns verbetes, especialmente sobre aspectos da cultura nordestina. Exposto, recebo um convite para falar de Luís da Câmara Cascudo, numa faculdade potiguar. Tanta gente boa por aquelas bandas e eles acham de convidar este humilde cronista,  que o admira muito, mas conhece pouco do folclorista potiguar.  
Posso até estar equivocado, mas a impressão que eu tenho é que depois da morte de Luís da Câmara Cascudo e de Mário Souto Maior não surgiram outros grandes folcloristas por essas terras nordestinas. Hoje, reli uma crônica escrita pelo jornalista Aluízio Furtado de Mendonça, em 1986, por ocasião da morte do folclorista. Rebento de uma família de posses, Câmara Cascudo, em razão do seu habitus, Pierre Bourdieu, teve algumas boas oportunidades na vida. Estudou em bons colégios durante os estágios regulares, depois fez medicina na Bahia - curso não concluído - e direito na Faculdade de Direito do Recife, da Universidade Federal de Pernambuco. Aguça a nossa curiosidade, conhecer um pouco sobre a sua passagem aqui pela capital pernambucana, notadamente em razão dos possíveis círculos literários que ele, certamente, frequentou. Isso talvez agregasse algum valor à nossa fala, uma vez que os passos de Cascudo em terras potiguares devem ser bem conhecidos pelo estudantada.  
Como se sabe, mesmo formado em direito, Cascudo  se apaixonou mesmo foi pela cultura popular, sobre a qual produziu centenas de publicações. Tornou-se um especialista sobre a influência gastronômica dos africanos na formação da culinária brasileira. Quando dirigia o Instituto Nacional do Livro, o poeta Augusto Meyer o convidou para escrever o Dicionário do Folclore Brasileiro, um clássico imbatível na área até os nossos dias. Cascudo publicou sua primeira crônica - O tempo e eu - num jornal mantido pelo pai, A Imprensa. O que mais nos impressionou nesta crônica de Aluízio Furtado de Mendonça, no entanto - depois dos aspectos relacionados à biografia do folclorista - foram os seus comentários sobre a participação do escritor potiguar nos círculos literárias que se reuniam em torno do seu casarão, hoje transformado em memorial, que devemos visitá-lo nos próximos dias, quando de nossa visita à Natal.  
Esses círculos literários são curiosíssimos, Foucault. Através de um deles, que se reunia em Maceió, por exemplo, se descobre que é bem possível que Olívio Montenegro tenha exercido uma influência até maior sobre a carreira literária de Jose Lins do Rego, do que Gilberto Freyre, por exemplo. Menino de Engenho foi escrito em Maceió. Este círculo reunia uma turma da "pesada": Jorge Amado, Graciliano Ramos, Raquel de Queiroz. No tocante aos círculos literários potiguares, fala-se bastante sobre o casarão da Praça André de Albuquerque, número 30,  onde residia o folclorista, sempre frequentado por jovens candidatos às letras. E o que deixa transparecer na crônica de Aluízio, é que havia sempre uma luz acesa naquele casarão, até altas horas da noite, onde Câmara Cascudo recebia com total humildade tantos quantos o procurasse para discutir literatura ou mesmo fazer uma leitura dos manuscritos, sempre entregues com aquela advertência acanhada: Veja se isso presta, veja se isso tem alguma serventia...  
Já sugerimos por aqui que, se o Mário estivesse vivo, certamente se interessaria pela lista de apelidos curiosos que os executivos da construtora Odebrecht designavam os recebedores de propinas(ops!) doações da empresa. Os apelidos são curiosíssimos, segundo eles mesmos, utilizados com o propósito de que os entregadores dos malotes não identificassem os beneficiários. Se Cascudo ainda estivesse neste plano, certamente, iria sugerir a ele ficar atento às famosas listas de compra dos palácios dos governadores, onde aparece algumas curiosidades, como a compra, realizada por uma granja oficial do Estado vizinho, de 2 mil latas de farinha láctea e quase uma tonelada de leite em pó, numa estimativa de consumo de um ano, para uma criança bastante gulosa. Um detalhe: a última criança que nasceu naquela granja foi o autor do Auto da Compadecida.

segunda-feira, 18 de junho de 2018

Michel Zaidan Filho: O messianismo de chuteiras ou Deus salve a seleção



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Cada povo tem os heróis que merecem. Sobretudo os de pés de barro, mercenários, apátridas, sonegadores de impostos et caterva. Disse uma vez um antropólogo que a fantasia do herói tem a ver com a necessidade de uma projeção positiva e otimista que faz toda nação. É como dissesse: um país sem heróis, não tem auto-estima, auto-respeito ou uma identidade social positiva. Ocorre que no Brasil, os heróis são negativos. Não positivos. Não condensam ou exprimem anseios nobres ou civilizatórios. Mas têm rabo de palha, teto de vidro, os pés de barros. Notabilidades construídas pelo esforço "desinteressado" da mídia e redes sociais. Certa vez, o psicanalista Jurandy Freire disse que o povo brasileiro está sempre pronto a acreditar e apoiar determinadas cruzadas. Mas que, infelizmente, são causas e objetivos sem grandeza ou significação. O que faz dele uma excelente massa de manobra da indústria cultural capitalista.


Uma das expressões mais clara desse desejo de participar é a Copa do Mundo, antes de tudo um grande negócio para muitos. Aí o que menos conta é o espírito de nacionalidade ou de patriotismo. Uma população carente, sem esperanças ou expectativa na politica ou nos políticos, vê nesse evento uma descarga libidinal incomum. É tudo ou nada. E quando vem a frustração, é o nada. Os responsáveis pelo clima de exaltação verde amarela deviam se dá conta do que representa a fanfarronada esportiva em torno dessa seleção de jovens jogadores, que atuam fora do país. Enquanto dura o clima de fácil otimismo e de promessas de vitória. Tudo bem. Mas quando se dá um empate ou uma derrota, a casa vem abaixo. É o fim do mundo. Não se constrói uma nação com esse sentimento de derrota ou ilusão da vitória. É preciso adotar o pessimismo da inteligencia e o otimismo da vontade. A ilusão é uma espécie de neurose que nos conduz facilmente ao precipício. Mas ainda perto de uma difícil eleição presidencial, como a que se avizinha.


Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia.