pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO. : Crônicas do Cotidiano: O massacre de Cuieira.
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domingo, 2 de fevereiro de 2025

Crônicas do Cotidiano: O massacre de Cuieira.



Não é incomum escritores não se sentirem plenamente satisfeitos com suas obras. Este comportamento é até positivo, na medida em que implica conceber o ato de escrever como um processo de aperfeiçoamento permanente. Grandes nomes da literatura podem ser elencados nesta categoria, a exemplo de Ernest Hemingway, Franz Kafka, Robert Walser. Este último, internado contra a sua vontade num hospital para tratamento de pessoas com transtornos nervosos, simplesmente se recusava a escrever. Quando instigado sobre o assunto, dizia que estava ali para ser louco. Alguns sugerem que Kafka não tinha realmente a intenção de queimar os seus livros, conforme recomendara ao seu amigo e biógrafo, Max Brod.  Se fosse esta realmente a sua intenção ele mesmo se encarregaria de atirar os livros na fogueira. 

No Brasil, há o caso emblemático do alagoano Graciliano Ramos, que nunca se sentiu plenamente satisfeito com o resultado do seu primeiro romance Caetés. Num desses momentos de fúria, o velho Graça até tentou se desfazer do único original do texto, recolhido às pressas por sua esposa, Rachel que Queiroz e Jorge Amado.  Quando escrevíamos o Menino de Vila Operária, nosso primeiro romance, já no término do texto, lembramos do massacre de Cuieira, ocorrido na cidade de Igarassu, perpetrado por uma autoridade policial de Abreu e Lima, que pertencia à época ao distrito de Paulista. O Massacre de Cuieira, como ficou conhecido o episódio, é um fato emblemático sobre as atrocidades cometidas contra as comunidades quilombolas e as religiões de matriz africana em Pernambuco, duramente perseguidas durante a vigência da Ditadura do Estado Novo. 

Fizemos uma ginástica danada para retomar o assunto, inventando um jogo de futebol do nosso glorioso Monte Castelo Futebol Clube e um time de várzea local, comandado por um líder comunitário que, durante a preleção nos fez referência a História da comunidade, hoje uma comunidade ribeirinha, que sobrevive da pesca e da agricultura de subsistência. Vencemos o jogo por 2x0, com dois golaços do Nego Tom, um craque de bola, simbolicamente proveniente de família descendente de escravizados de Palmares, na Zona da Mata Sul de Pernambucana. 

Nego Tom chegou à Vila Operária esquálido, com a barriga cheia de verminoses. Tratado com as garrafadas de Seu Severino e o leite das vacas de Dona Tile, logo ele estava arrasando nas peladas de final de tarde com os moleques locais. Jogava um bolão e tornou-se o nosso centroavante, praticamente jogando pelo time todo. Orgulhava a este editor dá os passes magistrais que, na pequena área, ele transformava em gols memoráveis. Numa dessas ocasiões, num jogo simbólico sobre todos os sentidos, entre o time da Vila Operária e o time da Companhia, numa inesquecível tarde de domingo, aplicamos uma goleadas de 4x0 no time da oligarquia industrial, resolvendo o conflito de classe dentro de campo. Na segunda-feira, a Vila amanheceu em festa. Ninguém foi trabalhar. 

Barbaridades inomináveis foram praticadas contra a Comunidade de Cuieira à época, sob um regime autoritário, com absoluta licenciosidade concedidas aos guardas de esquina. O que nos fez recordar deste assunto foi uma matéria\denúncia de entidades de terreiros do estado de Pernambuco, queixando-se de violações do direito sagrado de liberdade de práticas religiosas, numa afronta à Constituição Federal. Esperamos que as denúncias sejam rigorosamente apuradas, os responsáveis identificados e punidos. 


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