Guindado por sorteio à condição de relator do Conselho de Ética do Senado, Humberto Costa (PT-PE) estima que “dentro de cerca de 30 dias haverá uma decisão” do colegiado “sobre a abertura ou não do processo de cassação do mandato do colega Demóstenes Torres (ex-DEM-GO).
Humberto concedeu uma entrevista ao blog na noite passada. Cauteloso, preocupou-se em dizer que ainda não formou um juízo sobre o caso. Informou, porém, que, na eventualidade de ser inaugurado o processo por quebra de decoro parlamentar, o conselho pode realizar “diligências, oitivas e acareações”.
Perguntou-se ao senador se cogita promover uma acareação de Demóstenes com o contraventor Carlinhos Cachoeira. E Humberto: “Se for necessário, mais para a frente, não terei nenhuma dificuldade de pedir.” Explicou que Cachoeira pode ser convocado ou os senadores podem ir ao encontro dele, na prisão.
Disse que as deliberações do Conselho de Ética não estão condicionadas à CPI que o Congresso está prestes a instalar nem ao inquérito que corre contra Demóstenes no STF. “O julgamento do Conselho é eminentemente político. Existe uma definição do que é quebra do decoro parlamentar. É algo bastante abrangente.”
Exemplificou: “Às vezes nem precisa de prova material. Por exemplo: mentir representa uma das possibilidades de quebra do decoro. Uma declaração que eventualmente tenha sido feita e que, posteriormente, verificou-se que não era verdadeira pode ser entendida como quebra de decoro.”
Admitiu que, nesse contexto, “ganha realce” o discurso que Demóstenes proferiu na tribuna do Senado em 6 de março, quando seu nome começou a frequentar as manchetes ao lado de Cachoeira. O repórter reviu o pronunciamento (disponível em vídeo lá no radapé).
A alturas tantas, Demóstenes declarou: “O contato pessoal, ainda que frequente, não significa participação pessoal em seus afazeres ocultos. […] Apesar dos relacionamentos de amizade, nunca tive negócios com o sr. Carlos Cachoeira.” Grampos telefônicos divulgados posteriormente revelaram que o senador, em verdade, colocara seu prestígio e seu mandato a serviço de Cachoeira.
Mais adiante, Demóstenes afirmou: “As ligações telefônicas apontam para conversas triviais e tiveram sua frequência ampliada num período em que eu e minha mulher interferimos numa questão pessoal da amiga dela, esposa de Carlos Cachoeira.” As escutas da PF evidenciaram que os diálogos nem eram triviais nem se limitaram às questões familiares.
Demóstenes admitiu ter recebido “um fogão e uma geladeira ofertados pelo casal de amigos”. Presente de casamento, disse ele. “A boa educação recomenda não perguntar o preço de um presente [cerca de R$ 30 mil], muito menos recusá-lo.” De novo, os grampos desdisseram o orador. Num deles Demóstenes pede a Cachoeira que pague uma fatura de táxi aéreo. Coisa de R$ 3 mil.
De resto, Demóstenes declarou coisas assim: “Podem grampear à vontade, não vão encontrar nada.” Não achariam, disse ele, porque não havia o que encontrar. Posteriormente, o senador admitiu que usou um aparelho Nextel cedido por Cachoeira. Equipamento habilitado em Miami, que se imaginava ser imune a grampeamentos. Não era.
Embora Humberto Costa se esquive de entrar em detalhes, parece evidente que é dessa matéria prima que será feito o miolo do relatório preliminar que irá submeter à apreciação dos membros do Conselho de Ética. Vai abaixo a entrevista do senador, que carrega no currículo os títulos de médico e jornalista:
- A decisão do Conselho de Ética depende da CPI ou do inquérito do STF? As decisões do Conselho podem ser tomadas independentemente do que venha a acontecer na CPI ou no Supremo. O julgamento do Conselho de Ética é eminentemente político. Existe uma definição do que é quebra do decoro parlamentar. É algo bastante abrangente. Às vezes nem precisa de prova material. Por exemplo: mentir representa uma das possibilidades de quebra do decoro. Uma declaração que eventualmente tenha sido feita e que, posteriormente, verificou-se que não era verdadeira pode ser entendida como quebra de decoro.
- Ganha realce, então, o pronunciamento que o senador fez em plenário no dia 6 de março, não? Exatamente. Isso ganha realce. Declarações que foram feitas na imprensa, coisas que ele admitiu que aconteceram também ganham realce.
- Portanto, pode-se concluir que a decisão do conselho virá mais rapidamente do que as conclusões da CPI e do STF? Trabalharei nesse sentido. Há um desejo do próprio senador Demóstenes de que essa decisão aconteça logo.
- Quem determina o ritmo do conselho é o relator ou o regimento? Os procedimentos que estão fixados são os seguintes: desde quinta-feira (12), são contados os dez dias úteis para ele apresentar a defesa por escrito. Recebida a defesa, terei cinco dias úteis para apresentar um relatório preliminar. O senador Demóstenes terá, então, três dias úteis para fazer suas alegações finais. Encerrada essa fase, o conselho terá até cinco dias para se posicionar em relação ao parecer preliminar do relator. Se o parecer for pela abertura do processo, vai a voto no conselho. Se houver aceitação, aí é que vai começar o processo.
- Mas o processo já não começou? Estamos na fase preliminar. Não tenho como dizer, ainda, se meu parecer será ou não favorável à abertura de processo por quebra de decoro. Se eventualmente meu relatório for nessa linha e o Conselho aprovar, abre-se o processo. Nessa segunda fase, não há prazos definidos. Podem ser feitas diligências, oitivas e acareações. Só então eu farei o relatório final, para dizer se houve ou não quebra do decoro parlamentar. E o conselho terá de se posicionar sobre o conteúdo desse meu relatório final.
- Apenas para ficar bem claro: ao aceitar a representação do PSOL, o conselho já não abriu o processo? Funciona assim: ao admitir a representação do PSOL, o conselho iniciou uma fase semelhante à de um inquérito policial. Nesse estágio, nós vamos verificar se há ou não indícios de quebra de decoro parlamentar. Na hipótese de concluirmos que há indícios, o conselho terá de aprovar o relatório preliminar. Se isso vier a ocorrer, será como se o senador fosse indiciado. Passa-se, então à fase do processo por quebra de decoro. Começa uma fase semelhante à de uma instrução de processo judicial.
- Pode-se concluir, então, que a decisão do conselho sai em cerca de 30 dias? Considenrado-se os prazos –15 dias entre defesa e relatório preliminar, mais três para alegações finais e cinco para a deliberação do Conselho— podemos dizer que dentro de cerca de 30 dias haverá uma decisão do Conselho sobre a abertura ou não do processo de cassação. Se meu relatório preliminar for pela abertura do processo –e não tenho ainda condições de dizer que será— e se o conselho aprovar, teremos a possibilidade de realizar diligências, oitivas, acareações e etc. Só depois de concluídos todos os procedimentos é que será apresentado o relatório final. Se for pela recomendação de cassação, o conselho terá de se posicionar. Se for o caso, o processo vai ao plenário do Senado.
- Acha que pode ser necessário fazer uma acareação entre Demóstenes e Cachoeira? Não posso dizer ainda. Se for necessário, mais para a frente, não terei nenhuma dificuldade de pedir. Nessa etapa atual, não cabe.
- Mais adiante pode ser que ocorra? Pode.
- O Conselho de Ética tem poderes para convocar Cachoeira? Pode convocar ou ir até o local onde ele se encontra preso. Isso pode ser feito, se acharmos que é necessário.
Jornalista Josias de Souza, Portal UOL.
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