pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO. : Michel Zaidan: Considerações sobre a tese de titularidade de Marco Mondaine sobre a trajetória política de Enrico Berlinguer
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domingo, 13 de dezembro de 2020

Michel Zaidan: Considerações sobre a tese de titularidade de Marco Mondaine sobre a trajetória política de Enrico Berlinguer




É literalmente uma honra participar da Comissão que vai avaliar o pedido de acesso à Titularidade – na carreira do magistério superior – do professor Marco A. Mondaine, do Departamento de Serviço Social. Há muito tempo acompanho a trajetória acadêmica de Mondaine na UFPE, lendo seus livros, resenhando ou prefaciando seus trabalhos, participando de suas bancas examinadoras programas de entrevista (no rádio e na televisão). E não nego que tenho muitas afinidades políticas com o seu pensamento.
Somos de uma mesma geração. Aquela que atravessou dolorosamente o processo da diáspora comunista até a transformação de vários de seus membros em políticos e militantes de outras legendas, com outro pensamento político (PSDB, PMDB, PPS). Esse processo nos fez órfão de uma utopia renovadora, “aggionarda” inspirada num socialismo democrático, plural e laico, que tinha em nomes como Carlos Nelson Coutinho, Leandro Konder, Luis Werneck Vianna e outros, seus principais expoentes. Particularmente, o primeiro desta lista está profundamente ligado ao tema desta tese: a via italiana para o socialismo. Ler e meditar sobre este trabalho é um exercício de volta ao passado e como éramos otimistas em relação ao futuro. Remexer nas feridas e cicatrizes.
Diga-se, de início, que Mondaine tirou um excelente proveito de sua formação de historiador. A escrita dessa tese é límpida, clara, objetiva, sem esconder a posição de simpatia pelo objeto de estudo. Vamos apresentar aqui alguns pontos para um diálogo cordial e fraterno sobre o assunto.
l. Gramsci , Togliati e o comunismo italiano
É difícil não ver na elaboração política e filosófica do famoso autor dos “Cadernos de Cárcere”) as marcas da rica e diferenciada cultura italiana, cuja principal corrente filosófica é o que foi denominado de “historicismo” e o reconhecimento da influencia de Benedito Crocce e seu paradigma da “história ética-política” sobre o pensamento gramsciano. A forte ênfase na cultura, na hegemonia como direção moral e cultural, no papel dos intelectuais, no partido como intelectual coletivo. Nisso a cultura contemporânea italiana se diferencia, por exemplo, da francesa, da portuguesa, da soviética. 0 marxismo ocidental – em sua versão italiana – jamais poderia ter se convertido ao catecismo do DIAMAT russo, em razão de sua pluralidade cultural e influencias filosóficas (incluindo, Hegel); o que a afastou com certeza do positivismo e o evolucionismo e do determinismo econômico (apesar do esforço de Galvano Della Volpe).
Inobstante, seja preciso problematizar a relação de Gramsci com Togliati, a Terceira Internacional e o comunismo italiano. Esclareçamos aqui o fato de Antonio Gramsci e Palmiro Togliatti terem sido dirigentes comunistas e membros dos Comitês da 3ª. Internacional Comunista (Komintern). Embora em sua juventude, ainda sob forte influencia do historicismo crocciano, tenha escrito um artigo dizendo que a revolução russa contrariou o capital, e tenha feito uma defesa vigorosa dos comitês de fábrica de Turim, Gramsci tem que ser definido como um intelectual de partido e um leninista. Há originalidade do autor sardo se manifesta no período da produção carcerária, onde ele – criticando a “guerra de movimento” – propõe uma nova concepção de revolução, através da “guerra de posição” e a longa batalha da idéias através das instituições. Surge aí o conceito de hegemonia, intelectual orgânico, centralismo orgânico, bloco histórico etc.
A questão que se coloca é o uso ou a apropriação política e teórica que foi feita por Togliati sobre o legado gramsciano. Sabe-se hoje, através da biografia de Giuseppe Vacca, das inúmeras concessões feitas por Togliati ao estalinismo, em função de seu status de dirigente comunista e da Internacional e o quando isto custou à vida de Gramsci. Mais ainda, da disputa entre a cunhada de Gramsci e os dirigentes do PCI pela edição e publicação dos escritos carcerários. Onde Togliati levou a melhor. Togliati foi um político pragmático. Sobreviveu a era do Estalinsmo e foi o responsável pela publicação da obra de Gramsci, depois de sua morte. Resulta no mínimo, problemático atribuir a ele a influencia gramsciana na política de PCI. Como toda apropriação, a de Togliati respondeu às suas conveniências.
2. A crise do Eurocomunismo e da via “aggornada” do comunismo italiano, na época de Berlinguer.
A crise do comunismo italiano abalou a todos os militantes que apostavam numa via democrática para o comunismo (Terceira via). Ela se deve, no entanto, a vários fatores: a tendência liberal (e depois neoliberal) dos partidos participantes do “compromisso histórico" (Democracia cristã e Partido socialista), o que afastou cada vez mais da possibilidade de formação de um bloco partidária que dessa sustentação à democracia.
A desconfiança eterna desses partidos em relação ao compromisso dos comunistas com a defesa da democracia foi responsável pela dificuldade de se realizar o “compromisso”. Mais ainda, a ligação crítica do PCI com a União Soviética.
Segundo, o terrorismo de direita e da extrema-esquerda na Itália contribuiu muito para o isolamento dos comunistas, num momento em que o PCI estava propondo uma aproximação política em defesa das instituições democráticas. Além da mudança da retórica política de berlinguer ( alternativa democrática e reforma moral).
Terceira a própria crise do movimento comunista internacional (Hungria, Polônia, Tchecoslováquia, Afeganistão). A visão preponderante de uma política externa militarizada, expansionista e intervencionista conspirou contra a idéia de um comunismo de face humana, ocidental, pluralista e democrático. Os primeiros a cair foram o PCF e PCE. Finalmente, o PCI. Como se diz, o muro caiu encima dos comunistas que defendiam a renovação da política comunista em seus países.
3. a influencia do comunismo aggionardo no mundo
0 eurocomunismo se estendeu muito além das fronteiras da Itália, influenciando outros partidos comunistas (Frances, Espanhol), e entre eles, o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Dedicamos a esse grupo responsável pelo “aggionarmento” do PCB, um ensaio intitulado: “as nuances da renovação comunista no Brasil”. PECEBISMO INCONCLUSO, escrito em parceira com o saudoso professor Raimundo Santos. Nele estão contempladas as idéias e concepções de Leandro Konder, Carlos Nelson Coutinho, Luis Werneck Vianna e outros.
O principal intelectual-formulador desse grupo era o Carlos Nelson Coutinho, que tinha concluído sua transição da “ontologia do ser social” de Lukacs para a “catarse” da política gramsciana. 0 seu ensaio mais famoso “A democracia como valor universal” (frase pinçada do discurso de Berliguer) foi um divisor de águas na história política da esquerda brasileira.
Inspirado em Gramsci e nos autores italianos contemporâneos (Ingrao, Vacca, Berliguer) o Carlos Nelson tentou aquilo que já foi chamado “a quadratura do círculo”: compatibilizar o leninismo e sua concepção tática da democracia com a democracia como valor estratégico, universal. Tarefa muito difícil em razão da teoria negativa do Estado e a visão tática, instrumental das instituições democráticas. Num escrito posterior, o autor baiano fez sua autocrítica, abandonando o leninismo e dizendo ser difícil compatibilizar o conceito de hegemonia de Gramsci com o pluralismo político e a alternância de poder. Escrevemos sobre as aporias dessa teoria democrática do Carlos Nelson (Democracia e Socialismo. Notas em homenagem ao pensamento do Carlos Nelson). Na verdade, essas idéias faziam parte de uma tese de doutorado inacabada: ler a hegemonia como contrato social. Ou seja: rousseuniar Gramsci. Tarefa difícil. Dada a divergência das concepções de base de cada um: a concepção contratual da democracia e a concepção marxista do Estado e da política.
Esta ala do partido comunista foi expurgada pelo centro, suas teses foram absorvidas no síntese ambígua (veja-se: a ruptura indolor. O conceito de crise na história do comunismo brasileiro) e o grupo se dispersou. Um bom número desses militantes foi para a revista Presença, que se definia a voz dos comunistas da sociedade civil, sem partido.

Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE.

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